Tá no ar
Tirei
o dia para zapear. Comecei com uma espiadinha naquele reality que acompanha o
dia a dia das milionárias cariocas. Peguei as divas a bordo de um iate
brindando à proposta – feita por uma colunista social – de reduzir os ônibus e
o metrô nos sábados, domingos e feriados, a fim de diminuir a concentração de
pessoas nas praias. É uma questão de sustentabilidade, repetiam entre um gole e
outro de Dom Pérignon.
Troquei
de canal antes que eu fizesse a nau daquelas insensatas ir a pique junto da minha
LED novinha (que eu ainda não tinha acabado de pagar).
Aí
dei com a reprise daquela novela do Aguinaldo Silva: duas famílias abastadas (e rivais) fazendo de uma cidadezinha no sertão nordestino seu curral eleitoral; uma falsa beata insistindo em legislar sobre a vida alheia; e o Fábio Júnior pegando todas as mulheres do lugar. Sinceridade? Até hoje não entendo por que chamavam aquilo de realismo fantástico (quer dizer, entendo: não conheciam os realities).
Mas
fantástico mesmo era o filme que estava passando no Telecine, sobre um grupo de
judeu-americanos que escalpelava nazistas e conseguia – spoiler alert – matar Hitler. Os créditos ainda não tinham começado
a subir e eu já imaginava uma versão tupiniquim, estrelada pela tropa da elite. Missão dada: escalpelar quem
insistisse em participar das micaretas promovidas pelo high-society paulistano
sem o abadá de mil reais.
Abadá
customizado por um dos mais badalados fashionistas
do momento. O sujeito tem até um programa de moda hypérrimo na tevê fechada.
Zapeei nele depois do Tarantino. No episódio de hoje: o passo a passo para
transformar sua empreguete soteropolitana sem modos – que chega ao cúmulo de
pendurar o pano de prato no ombro – numa secretária do lar que tem orgulho do
uniforme que ostenta.
Não
tive estômago de ir até o final do mude-meu-look. Apelei para o futebol. Um
jogaço entre Corinthians e São Paulo (pela Libertadores, se não me engano),
craques dos dois lados, Tite e Muricy, estádio cheio, gramado na régua – e o repórter
criticando o frappuccino latte servido nos bares locais: exageraram na essência
de macadâmia.
Declinei
até o canal de notícias. Cobertura ao vivo de um panelaço num condomínio da
Barra, franquia de Miami aqui no Rio. Os moradores reivindicavam a construção
de um aeroporto exclusivo nas imediações do Chrysler D’Or, oficina gourmet situada
na propriedade: não aguento mais ter que atravessar a cidade até o Tom Jobim e
ainda dividir a fila do check-in com a Kayllane Suellen, reclamava o porta-voz
do manifesto.
Já
basta ela lá em casa todo dia botando ordem no meu closet.
Sentei o dedo no controle – agora em busca de um
Cake Boss qualquer. Valia até reprise
da reprise. Eu só precisava ver alguém fazendo bom uso de suas panelas.
Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.
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