terça-feira, 17 de março de 2015

Tá no ar


Tirei o dia para zapear. Comecei com uma espiadinha naquele reality que acompanha o dia a dia das milionárias cariocas. Peguei as divas a bordo de um iate brindando à proposta – feita por uma colunista social – de reduzir os ônibus e o metrô nos sábados, domingos e feriados, a fim de diminuir a concentração de pessoas nas praias. É uma questão de sustentabilidade, repetiam entre um gole e outro de Dom Pérignon.

Troquei de canal antes que eu fizesse a nau daquelas insensatas ir a pique junto da minha LED novinha (que eu ainda não tinha acabado de pagar).

Aí dei com a reprise daquela novela do Aguinaldo Silva: duas famílias abastadas (e rivais) fazendo de uma cidadezinha no sertão nordestino seu curral eleitoral; uma falsa beata insistindo em legislar sobre a vida alheia; e o Fábio Júnior pegando todas as mulheres do lugar. Sinceridade? Até hoje não entendo por que chamavam aquilo de realismo fantástico (quer dizer, entendo: não conheciam os realities). 

Mas fantástico mesmo era o filme que estava passando no Telecine, sobre um grupo de judeu-americanos que escalpelava nazistas e conseguia – spoiler alert – matar Hitler. Os créditos ainda não tinham começado a subir e eu já imaginava uma versão tupiniquim, estrelada pela tropa da elite. Missão dada: escalpelar quem insistisse em participar das micaretas promovidas pelo high-society paulistano sem o abadá de mil reais.

Abadá customizado por um dos mais badalados fashionistas do momento. O sujeito tem até um programa de moda hypérrimo na tevê fechada. Zapeei nele depois do Tarantino. No episódio de hoje: o passo a passo para transformar sua empreguete soteropolitana sem modos – que chega ao cúmulo de pendurar o pano de prato no ombro – numa secretária do lar que tem orgulho do uniforme que ostenta.

Não tive estômago de ir até o final do mude-meu-look. Apelei para o futebol. Um jogaço entre Corinthians e São Paulo (pela Libertadores, se não me engano), craques dos dois lados, Tite e Muricy, estádio cheio, gramado na régua – e o repórter criticando o frappuccino latte servido nos bares locais: exageraram na essência de macadâmia.

Declinei até o canal de notícias. Cobertura ao vivo de um panelaço num condomínio da Barra, franquia de Miami aqui no Rio. Os moradores reivindicavam a construção de um aeroporto exclusivo nas imediações do Chrysler D’Or, oficina gourmet situada na propriedade: não aguento mais ter que atravessar a cidade até o Tom Jobim e ainda dividir a fila do check-in com a Kayllane Suellen, reclamava o porta-voz do manifesto.

Já basta ela lá em casa todo dia botando ordem no meu closet.

Sentei o dedo no controle – agora em busca de um Cake Boss qualquer. Valia até reprise da reprise. Eu só precisava ver alguém fazendo bom uso de suas panelas.








Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.

0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.