sexta-feira, 29 de maio de 2015

"O desejo da minha alma", filme premiado japonês está em cartaz


A coluna de hoje é dedicada ao filme “O desejo da minha alma” de Masakazu Sugita, em cartaz nos cinemas do Brasil. Gosto de filmes japoneses pela fotografia, pelo mise-en-scène e pela filosofia impressa na trama fílmica. O enredo se passa no Japão após um terremoto (referência ao de Kobe, em 1995). A cena inicial nos transporta ao universo da perda: uma menina tenta tirar entulhos de sua casa devastada pelo terremoto com o propósito de achar seus pais. A impossibilidade é um dado cênico: com as mãos, ela vai tirando pedras e entulhos num amontoado de escombros.  Inútil, seus pais não conseguiram sobreviver ao desastre natural. Esse é o momento em que ela começa a processar a perda, constituindo assim o eixo central da trama.  A família esconde do irmão mais novo a morte dos pais. Órfãos, vão para a casa de uma tia. 
Haruna enfrenta a impossibilidade de lidar com o imutável 

O enfrentamento 

As vidas acabam para os que se foram, no entanto ela continua para os sobreviventes, a questão é: como conseguir superar a perda e continuar.
Quando suas referências, o amor que move e dá cor aos dias, terminam.. O que fazer? É possível sustentar a vida nas lembranças? Como achar forças para criar outros referenciais, outros amores, outras motivações? Como, a partir da memória que insiste e persiste nas fotos, nos objetos, ter forças para continuar?
Sozinhos e órfãos enfrentam a si mesmos 
É assim, com essas perguntas, que o filme nos propõe uma entrega ao desconhecido e ao inusitado sentimento de perda.
A solidão é o lugar onde se conhece e se reconhece a si próprio: o momento em que não se tem para onde correr nem a quem recorrer. Com as referências de pai e mãe na bagagem da memória, Haruna e Sotha estão órfãos e sozinhos. Para a menina, são dois grandes desafios: o primeiro; lidar com a perda dos pais, o segundo; cuidar do seu irmão menor.
irmandade 
Tudo é muito bem amarado na trama com lindas imagens oferecidas ao expectador que, lentamente caminha ao lado de Haruna para decifrar o enigma da perda. Neste trajeto, percorrido pelo expectador, o diretor não economiza dramaticidade à trama até o ápice na cena da praia em que Haruna e Sotha contracenam. Como comensurar a dor da perda? Como extravasar essa dor? Como continuar? Ao meu ver, essa cena dá conta de aliviar a tensão fílmica indicando e evocando o espectador à realidade. 




Haruna, a personagem infantil revolucionária 

A recomposição da vida se alinha na lógica: não podemos voltar no tempo apenas olhamos para trás. O filme aplica a filosofia mais simples que se expõe nas cenas finais quando acena com  algum futuro na própria construção daquilo que se tem e do que naturalmente “sobrou” do que se foi. O que foi feito das nossas dores e perdas? para que serviram? O passado nos remete ao marco referencial de nossas vidas. 
A revolução também é um ato interno, um propósito de enfrentamento do que se tem e do que se pode fazer com isso. Haruna, personagem infantil revolucionária, enfrenta a perda, se alinha com o passado e encara o presente.  Para terminar, cito Deleuze em sua defesa aos atos revolucionários:
DELEUZE
Que as revoluções acabem mal... Acho muita graça! [...] Quando os Novos Filósofos descobriram que as revoluções acabam mal... Descobriram isso com Stalin! [...]. Mas quem pode acreditar que uma revolução possa ser bem-sucedida?
Mesmo que as revoluções tenham fracassado, isso não impediu que as pessoas deviessem revolucionárias. Duas coisas absolutamente diferentes são misturadas. Há situações nas quais a única saída para o homem é o devir revolucionário [...]. Quando nos dizem: “Viu como deu errado?” não estamos falando da mesma coisa (DELEUZE, 2005, p. 50).


Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.


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