quarta-feira, 29 de julho de 2015

CLAUDIA ANDUJAR: NO LUGAR DO OUTRO....


“Para Pierre Bourdieu ser ao mesmo tempo capaz e compelido a treinar o ‘olhar que se obriga a compreender’ (...) é um potente instrumento de auto-conhecimento através do conhecimento íntimo do outro e, por isso, um meio para a auto-aceitação.”

O Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro abriu no último dia 25 de julho de 2015 a exposição Claudia Andujar: no lugar do outro. A mostra lança nova luz sobre a trajetória da fotógrafa de origem húngara ao apresentar trabalhos pouco conhecidos da primeira parte de sua carreira, anterior ao seu envolvimento com os índios Yanomami.

São reportagens fotográficas e ensaios pessoais, que incluem desde os registros documentais em preto e branco do começo da carreira até a experimentação gráfica colorida do final dos anos 60 e começo dos anos 70. Por ocasião da abertura aconteceu uma visita guiada gratuita com o curador, Thyago Nogueira, e a artista.


Série Família Mineira, 1964.
A mostra é dividida em quatro núcleos. O núcleo Famílias Brasileiras apresenta um dos primeiros trabalhos de fôlego feitos por Claudia no Brasil. Entre 1962 e 1964, a fotógrafa registrou o cotidiano de quatro famílias de contextos muito distintos.


Família Mineira, 1964.
Uma família baiana dona de uma próspera fazenda de cacau, uma família da classe média paulista, uma família de pescadores caiçaras isolada em uma praia de Ubatuba (SP) e uma família mineira religiosa.

Feito com a intenção de entender como viviam os brasileiros, Claudia almejava publicar o trabalho em uma revista, mas o perfil diverso do conjunto não interessou à publicação. 

O segundo núcleo é formado por reportagens desenvolvidas pela fotógrafa para a revista Realidade, onde trabalhou de 1966 a 1971. Criada em 1966, Realidade foi um marco na imprensa brasileira pela qualidade das matérias e por reunir um time notável de fotógrafos, que incluía nomes como Maureen Bisilliat, George Love e David Drew Zingg.


Reportagem sobre Zé Arigó para a Revista Realidade, 1967.
A ousadia editorial de Realidade foi o ambiente perfeito para que Claudia mergulhasse em temas controversos, espinhosos e poucos discutidos na imprensa.  Para a revista Realidade, Claudia fotografou as polêmicas operações do médico-espírita Zé Arigó, em Congonhas do Campo (MG).

Também a intensa atividade de uma parteira na pacata cidade de Bento Gonçalves (RS); a situação dos pacientes do Hospital Psiquiátrico do Juqueri, em São Paulo; uma sessão de psicodrama, e o controverso “trem baiano”, que levava imigrantes desempregados em São Paulo de volta a seus estados natais.


Série Rua Direita, S.Paulo, 1970.
Além de reportagens, Claudia também desenvolveu ensaios fotográficos para ilustrar matérias da revista. Fazem parte da exposição uma série sobre relacionamentos homossexuais, cujas fotos não foram publicadas pela revista, e um ensaio sobre a natureza dos pesadelos.

O terceiro núcleo é formado por três ensaios experimentais que Claudia desenvolveu em São Paulo a partir de seu interesse pela cidade e pelo corpo humano. Fazem parte desse núcleo a série sobre a Rua Direita, os nus da série A Sônia e fotos aéreas tiradas com filme infravermelho.

Série A Sônia, S.Paulo, 1971
O quarto e último núcleo da mostra contém fotografias de natureza feitas durante as primeiras viagens à região da Amazônia, no começo dos anos 1970, especialmente ao longo do rio Jari, no Pará, e em Roraima. Claudia fotografou as cachoeiras de Santo Antônio e o lavrado roraimense com a experimentação e a sensibilidade que marcaram sua produção do período.

Em 1971, enquanto trabalhava numa edição especial da revista Realidade dedicada à Amazônia, Claudia entrou em contato com os índios Yanomami. A partir de então, transformou a documentação e a proteção desse povo em missão de vida. Seu trabalho como fotógrafa e sua atividade política à frente da Comissão Pró-Yanomami trouxeram contribuições inestimáveis ao país.  Durante os anos que se seguiram, a produção de Claudia ligada aos índios se sobrepôs ao extenso trabalho feito nas décadas anteriores, que agora começa a ser retomado. 

Yanomami, década de 1970.
É essa produção ainda pouco vista e estudada que a exposição Claudia Andujar: no lugar do outro vem regastar. Desde que chegou ao Brasil, nos anos 1950, Claudia mergulhou em realidades que desconhecia e se interessou por núcleos fechados (como na série das famílias brasileiras) ou grupos marginalizados e isolados (como os adeptos do espiritismo ou os pacientes do Juqueri).

Claudia usava a fotografia para entender o país que adotara, para compreender o outro e descobrir a si mesma. Durante toda a carreira, Claudia fez questão de se aproximar do outro e de se pôr em seu lugar – daí o título da exposição. Um deslocamento que também ocorreu no âmbito geográfico, quando Claudia foi obrigada a abandonar suas raízes e reconstruir a vida em um novo país. 

Ao focar-se nas primeiras décadas de sua carreira, Claudia Andujar: no lugar do outro nos ajuda a entender a relevância, a originalidade e a complexidade da produção de uma das mais importantes fotógrafas brasileiras. 

Claudia Andujar nasceu na Suíça, em 1931, e em seguida mudou-se para Oradea, na fronteira entre a Romênia e a Hungria, onde vivia sua família paterna, de origem judia. Em 1944, com a perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, fugiu com a mãe para a Suíça, e depois emigrou para os Estados Unidos, onde foi morar com um tio. Em Nova York, desenvolveu interesse pela pintura e trabalhou como intérprete na Organização das Nações Unidas. Em 1955, veio ao Brasil para reencontrar a mãe, e decidiu estabelecer-se no país, onde deu início à carreira de fotógrafa. 
Sem falar português, Claudia transformou a fotografia em instrumento de trabalho e de contato com o país. Ao longo das décadas seguintes, percorreu o Brasil e colaborou com revistas nacionais e internacionais, como Life, Aperture, Look, Cláudia, Quatro Rodas e Setenta. A partir de 1966, começou a trabalhar como freelancer para a revista Realidade.

Recebeu bolsa da Fundação Guggenheim (1971) e participou de inúmeras exposições no Brasil e no exterior, com destaque para a 27a Bienal de São Paulo e para a exposição Yanomami, na Fundação Cartier de Arte Contemporânea (Paris, 2002).

Fonte: Instituto Moreira Salles.


Referências:
Revista de Sociologia e Política, nº 26, Junho de 2006, Curitiba, PR. 

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Izabel Liviski é Professora e Fotógrafa. Doutoranda em Sociologia pela UFPR, escreve a coluna INCONTROS desde 2010 e é também co-editora da Revista ContemporArtes.












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