terça-feira, 4 de agosto de 2015

Se chorei ou se sorri


Definição melhor não há para Divertida mente: filme cabeça. Não bastasse ter como cenário principal o cérebro de uma menina de onze anos (Riley) e como protagonistas as emoções que lá habitam – Alegria, Medo, Nojinho, Raiva e Tristeza –, o novo longa da Pixar ainda apresenta um conjunto tão vasto de boas ideias, que ofuscaria até uma viagem à cachola de Freud guiada por Charlie Kaufman.

Que neurônio não sorri diante daquelas criaturinhas aspirando e descartando as lembranças mais antigas? Que não gargalha toda vez que certo jingle é repetido? Que não pega carona no trem do pensamento? Que não se encanta com as ilhas que sustentam a personalidade de Riley e que, com a passagem da infância para a adolescência, desmoronam e precisam ser reconstruídas?

Quantas sinapses não são feitas quando três personagens invadem a sala do pensamento abstrato e sofrem uma espécie de picassoalização das suas formas (numa sequência que brinca com a própria natureza da animação)? Quantas zonas da massa cinzenta não são reativadas quando certa criatura assustadora – que repousava nos confins do inconsciente – precisa ser acordada? Quantos neurotransmissores não são produzidos quando somos levados ao lugar onde os sonhos são fabricados – algo como uma Hollywood intracraniana?

Mesmo que se resumisse a esses conceitos – todos tão bem resolvidos visualmente, que em geral prescindem de grandes explicações para que sejam entendidos (vide as memórias, representadas pelas esferas coloridas) –, Divertida mente já seria um filmaço. Mas não. Ele vai muitíssimo além de um desfile de alegorias digno de nota dez em originalidade.

Numa época em que não compartilhar selfies de felicidade absoluta a cada segundo é indício de câncer emocional em processo de metástase, um filme que trata a Tristeza com tezão, conferindo-lhe status de personagem indispensável à vida de qualquer ser humano, merece toda a atenção e reverência. É um insight de ousadia e coragem em meio a tanto déjà-vu nas telonas.

Em ritmo de aventura (o que entretém os ainda miúdos), o roteiro mostra ao espectador e à Alegria – habituada a afastar a Tristeza do painel de comando – que não amadurecemos apenas com sorrisos: lágrimas são mais do que necessárias para que possamos pavimentar novas estradas dentro de nós mesmos e erguer pontes mais seguras entre nossas emoções e o mundo.

Falando em pontes, sugiro ao leitor que atravesse uma até o cinema mais próximo. Já. Se quiser experimentar a sensação de uma doce amnésia do senso comum.








Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.

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