domingo, 27 de setembro de 2015

O poder da palavra




A palavra tem mesmo o poder de construir, de criar? Ou é nosso dever, como profissionais da palavra,  falar todas as coisas, esmiuçar sentimentos, temperamentos e coisas às vezes não tão bonitas? às vezes que até deveriam ser esquecidas ou refeitas?
Meus escritores favoritos falam de coisas ocultas, narram cenas complexas, aliadas a sentimentos contrários que se misturam em não pequeno número de coisas. A primeira vez que uma escritora realmente me entusiasmou foi  Lygia Fagundes Telles em Venha ver o pôr-do-sol. O rapaz conduzia a ex-namorada até um cemitério e a deixava lá, presa em um jazigo, num lugar ermo e vazio, numa linda tarde de pôr-do-sol, sob o pretexto do melhor lugar para assistir ao crepúsculo. Uma coisa aterrorizante, mas que fascina pelo improvável, por conduzir a esse lugar de coisas soturnas que todo mundo carrega (ainda que sem admitir) e que o escritor sabe transformar numa história da qual a gente não consegue despregar o olho - uma linha do sentimento humano que nos surpreende, ainda que seja  uma aberração.
Gostei também, ainda adolescente, de descobrir as vilanices dos capitães da areia, aquelas coisas que eles faziam no cais, que não eram próprias de meninos, mas que eram (são) reais, feliz ou infelizmente, não só nos cais, como nas cidades, ambientes em que a criança de rua desenvolve uma malícia, uma persistência e carapaça, que só a rua é capaz de dar e muitas vezes não a adquire tão fielmente, nem o adulto da mesma estirpe.



Não é necessariamente ao sombrio que me refiro, do qual é mestre Stephen King, que muito li e parecia me abduzir pra seu mundo de suspenses, mas ao real, a essa nuance assustadora, mas fascinante, que torna os personagens tão interessantes e que geralmente mistura esse ingrediente que queremos extinguir da existência: a maldade, o ciúme, a inveja, as incertezas : coisas do obscuro.
Como Mario Vargas Llosa em sua Conversas na Catedral, em que os diálogos se misturam, demandando toda nossa atenção, criando um ambiente de tênue loucura e a gente se depara com Santiago, o personagem principal, reconstruindo a própria vida a partir do zero, deixando a família que tanto o venera, sem compreender o porquê de tamanha distância e radicalismo, o tempo todo indagando o por quê de toda aquela revolta, para, ao final, descobrir a sordidez, ou a fragilidade de todo ser humano, ainda quando se trata do próprio pai.
Por isso fico um pouco besta com as pessoas que querem moralizar a literatura. Que querem censurar ou determinar o que deve ou não ser escrito, seja por que motivo for. Porque eu acho que a literatura tem um cárater que transcende o educacional, trata-se de arte, e a arte traz em si esses ingredientes indesejados, mas existentes, cuja alquimia compõe esse extraordinário mundo das histórias, que é também o mundo da humanidade, queiram ou não.
Meu livro preferido dos últimos tempos todos é o Fio da Navalha, de William Somerset Maugham. Sabe, a maioria das pessoas, principalmente as que se dedicam a escrever, gostam de livros difíceis de ler,  livros cuja maneira de conduzir seja inovadora, e costumeiramente demandem grande esforço. Eu prefiro histórias, sou apaixonada por boas histórias. E personagens fascinantes, inesquecíveis, ainda que nem sempre obscuros. Somerset Maugham constrói Larry, alguém que também abre mão da vida já desenhada na alta sociedade, para passar os dias lendo na biblioteca todos os livros que consegue ler. Algo simples, mas incomum e não menos surpreendente. Todos os personagens direcionam-se para a vida que querem ter, de maneira envolvente e sedutora, que traz o leitor pra dentro de um mundo novo, o mundo daquele livro.
É em nome dessa liberdade e também da habilidade de retrato humano, de nuances que gostaríamos mesmo de não encarar, bem como do bem estar, desse "entrar na história" que acho importante Monteiro Lobato e seus personagens, ainda que eles não sejam, hoje, éticos como gostaríamos. Querendo ou não, a literatura ali cumpre seu papel, um pouco como retrato de um tempo, pois envergonhados que somos dele, ainda assim existiu, outro pouco porque nos fascina, pois aqueles personagens são como vivos e podemos participar daquele tempo, estando em outro, e deleitarmo-nos da convivência daquele núcleo diverso e acolhedor, a ponto de nos sentirmos inseridos nele.



Acho que a palavra tem força. Acredito sim que devemos usá-la com prudência, mas ser a favor de seleção de assuntos, de cuidados quase religiosos na hora de compor uma história, seria como renegar tudo de mais extraordinário que já li, ainda que muitas vezes pérfido, ainda que muitas vezes inacreditável, que me fez transitar por tantos mundos, sentimentos e contextos e me tornaram uma viajante convicta, que quer conhecer todos os mundos, inclusive os mais sublimes e opulentos, inclusive os sórdidos e desprezados e tentar, pela compreensão a que a leitura conduz , um vértice com o marginalizado ou com o quase aristocrático.








Larissa Germano é autora de "Cinzas e Cheiros" e escreve nos blogs Palavras Apenas (naoapenaspalavras.blogspot.com) e Nunca Te Vi Sempre Te Amei (cafehparis.blogspot.com), tem perfil no facebook e no twitter e a página Lári Prosa e Trova no facebook. É também compositora intuitiva e tem perfil no Sound Cloud e Youtube. (as imagens utilizadas neste post foram pegas na rede, aleatoriamente)

1 comentários:

Marcos Liotti disse...

Não sou profissional da palavra... Não posso escrever o que sinto... Adoro a foto da Praia.. A palavra?... Tem... força...

27 de setembro de 2015 às 22:06

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