sábado, 19 de setembro de 2015

Um Bruxo e duas Videntes: uma análise do conto A Cartomante e do romance Esaú e Jacó




Na edição dessa semana o Espaço do Leitor o colaborador Welton Pereira e Silva traz uma análise do conto A Cartomante e do Romance Esaú e Jacó, comparando elementos entre as obras.


O futuro, o Destino, a Fortuna... saber o que o aguarda nos próximos tempos sempre foi um desejo do ser humano. Desde muito tempo, algumas pessoas que se diziam tocadas pelo sobrenatural afirmam que possuem o dom de predizer o futuro e sanar as preocupações daqueles que os procuram. Para notarmos a veracidade dessa afirmação, basta nos lembrarmos dos meios de vaticínio que chegaram a nós depois de muitos séculos, como o tarô, os búzios, a leitura de mãos etc. Não pretendo fazer aqui uma explanação a respeito da origem e evolução dessas práticas, antes disso, vamos nos ater a uma das bases dessas tradições: o oráculo de Delfos.
Situado em um templo na região montanhosa de Delfos, esse templo dedicado a Apolo recebia a visita de gregos e estrangeiros de várias posições sociais que estavam preocupados com seu futuro. Na verdade, de acordo com os relatos literários e históricos, o oráculo era, na maioria das vezes, ambíguo, o que fazia com que os clientes saíssem satisfeitos por interpretarem o vaticínio da maneira que achassem melhor. A principal figura do templo era a Pitonisa, a sacerdotisa de Apolo que recebia o oráculo diretamente desse deus.
A figura da Sibila, da sacerdotisa de Delfos, repercutiu no imaginário popular nos séculos posteriores e acabamos por encontrar ecos dessa personagem em um romance e em um conto de Machado de Assis. Em Esaú e Jacó, nos encontramos com uma personagem bastante misteriosa que prevê o futuro dos dois filhos gêmeos de Dona Natividade:

Bárbara, cheia de alma e riso, deu um respiro de gosto. A primeira palavra parece que lhe chegou à boca, mas recolheu-se ao coração, virgem dos lábios dela e de alheios ouvidos.
Natividade instou pela resposta, que lhe dissesse tudo, sem falta...
— Coisas futuras! murmurou finalmente a cabocla.
                                      — Mas, coisas feias?
— Oh! não! não! Coisas bonitas, coisas futuras!
— Mas isso não basta; diga-me o resto. Esta senhora é minha irmã e de segredo, mas se é preciso sair, ela sai; eu fico, diga-me a mim só... Serão felizes?
— Sim.
— Serão grandes?
__ Serão grandes, oh! grandes! Deus há de dar-lhes muitos benefícios. Eles hão de
subir, subir, subir...


Observamos que Bárbara, a vidente conhecida como a Cabocla do Castelo, não prevê um futuro objetivo, mas relata que “coisas bonitas, coisas futuras” esperam pelos gêmeos. Ao final do romance descobrimos que o vaticínio da Cabocla estava correto, visto que os gêmeos Pedro e Paulo alcançaram altos postos políticos. No entanto, conforme acontecia com a Pitonisa de Apolo, na obra machadiana nem sempre as previsões são concretizadas. No conto A Cartomante, a personagem que nomeia a narrativa afirma para Camilo, que vivia um triângulo amoroso, que o marido de sua amante nada sabia a respeito do envolvimento dos dois:
Camilo inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era indispensável muita cautela: ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Rita... Camilo estava deslumbrado. A cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.

Ao contrário do que diziam as cartas, ao final do conto presenciamos uma cena que demonstra claramente que a previsão da cartomante estava equivocada, já que era do conhecimento de Vilela, o marido, o enlace amoroso de Camilo e Rita.
Além da habilidade oracular, verdadeira ou não, outro aspecto aproxima as personagens das duas obras: os olhos. Os olhos da cabocla eram “opacos, não sempre nem tanto que não fossem também lúcidos e agudos, e neste último estado eram igualmente compridos; tão compridos e tão agudos que entravam pela gente abaixo, revolviam o coração e tornavam cá fora.” De igual modo, a cartomante possuía “grandes olhos sonsos e agudos”. A agudeza, novamente, traz a ideia de algo que perfura, que perscruta o interior. Segundo Bergamini (2010),
Os olhos machadianos mostram-se capazes de atrair, repelir, colocar-se fora de alcance. A referência ao olhar deixa de ser principalmente descritiva para se fazer metafórica, permitindo na sua ambigüidade [sic] e magia que a personagem se apresente como ser indevassável, misterioso, inexplicável. (p. 05)

Essa leitura da referida pesquisadora converge na mesma direção que a nossa: os olhos das duas personagens foram descritos com a finalidade de dar-lhes um ar mais misterioso e inexplicável. Assim, tanto a Cabocla quanto a Cartomante possuem olhos agudos, capazes de ver além, mesmo que esse além não seja exatamente o Futuro.



Referências bibliográficas:
ASSIS, J. M. Machado de. Esaú e Jacó. Editora Tecnoprinte. Rio de Janeiro: 1967.
ASSIS, Machado de. Várias Histórias. In Obra Completa, Machado de Assis, vol. II. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
BERGAMINI, Denise Lopes. As Mulheres No Conto de Machado de Assis. Darandina revisteletrônica – Programa de Pós-Graduação em Letras / UFJF – volume 1 – número 2. 2010.



Welton Pereira e Silva é mestrando em Letras: Estudos Linguísticos na Universidade Federal de Viçosa (MG). Cursou Letras: Português e Literatura também na UFV e se licenciou em Português na Universidade de Coimbra, em Portugal. Trabalha com a Análise do Discurso, mas seu lado crítico literário persiste em continuar. 






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