sexta-feira, 27 de novembro de 2015

"Ausência", premiado filme de Chico Teixeira estreia nos cinemas.




“Ausência”, 2014 dirigido por Chico Teixeira é um drama protagonizado por Serginho, sua mãe e seu irmão. O filme mostra na repetição do dia-a-dia, a exaustiva vida de um menino de 14 anos que passa por uma enfadonha rotina ao tentar dar conta do sustento da casa, cuidar do irmão menor e amparar a mãe alcoólatra. Nesse cotidiano familiar surgem as dificuldades de um adolescente que em meio às descobertas, próprias da idade, precisa lidar com um ambiente hostil tanto em casa como no trabalho. Em seu mundo também habitam Mudinho, seu amigo, e Silvinha, sua única companhia feminina.
O professor Ney é o adulto que lhe dá alguma atenção e afeto, porém a relação dos dois se torna tensa à medida que a figura de professor se confunde a de pai e de amante.
A história é simples e dolorida com uma pitada de ludicidade das cenas do circo em que Serginho se emociona ao ver os artistas circenses no picadeiro.
A ausência sentida pelo menino é aquela que nasceu e cresceu com ele e que se alimenta a cada falta de carinho, a cada falta de segurança e cuidados, a cada anseios e prazeres frustrados, Claro que quando se fala em adolescentes pensamos em transição da criança para o adulto, no entanto esse período de descobertas torna-se insustentável quando a solidão é a maior companhia. O filme trata desse buraco profundo e incomensurável que aumenta à medida que não pode mais suprir tantas demandas de carências.

A ausência são uma necessidades não supridas, é acumulativa, incurável e aos poucos encrua no ser.

Poucos momentos de carinho 
Chico Teixeira, feliz com os prêmios 

A ausência precisa ser preenchida ... mas é possível ocupar o espaço deixado pela ausência dos pais, dos cuidados e carinhos?

Carinho, amor, atenção, afeto... sexo? 
A fotografia de Ivo Lopes Araújo traz uma São Paulo, feia, dura, sem poesia. Imagens cruas de um universo de concreto, pessoas infelizes, cansadas, desgastadas. A única beleza nessas imagens é do olhar de Serginho que ainda com carinho tenta suprir sua enorme falta, ora na menina Silvinha, ora no professor Ney, ora no circo.
O ator que protagoniza o filme é Matheus Fagundes, premiado por sua excelente atuação, fato que lhe garantiu posteriormente papéis importantes na televisão e no cinema.   O ator Irandhir Santos está como professor Ney, personagem claustrofóbico que sempre é apresentado dentro de seu apartamento e a atriz Gilda Nomacce que está em ótima como a mãe alcoólatra.
Muito premiado, o filme pode ter boa bilheteria porém ontem quando fui assisti-lo na Reserva Cultural, dividi a sala apenas com mais duas pessoas.
Estigma incurável de filmes nacionais que não possuem um enredo novelesco global é morrer por falta de público. Não acredito que com “Ausência” não será diferente. A falta de hábito de assistir filmes nacionais dos brasileiros perpassa por uma cultura arraigada que acaba com a possibilidade de um filme nacional se manter por muito tempos nas salas de exibição.

Nossa ausência

É difícil ainda para nós brasileiros discutir sociedade, as dores e os anseios da nossa querida nação, e isso é refletido no cinema nacional. Ver Serginho perdido em SP é tão dolorido quanto ver a sala vazia da maioria do filmes nacionais. É duro encarar a ausência de público no cinema nacional,  talvez  ela represente a ausência de nós em nós mesmos. Discutir dores é uma das faces do cinema. “Ausência” é um filme simples que fala essencialmente de nós.


Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.

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