quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

ADEUS, MIKADO.


"Faço  parte de uma pequena tribo, a dos bucólicos inconformados, que não se adapta em viver na rapidez dos tempos contemporâneos. A maior parte da humanidade adapta-se facilmente a um novo estilo de vida. Há muito não andamos em carroças puxadas por cavalos, mas em carros autopropulsionados por combustíveis fósseis.  Os contemporâneos,  ao ver uma carroça puxada por um cavalo na cidade só pode compadecer-se pelo animal e seu dono, que vive no atraso.

Os bucólicos inconformados lembram de carrocinhas de leite retratadas por Poty, e pensamos que ainda nos anos 60, tal cena não era um disparate contra a modernidade. O leiteiro ainda entregava o leite em garrafas de vidro na porta de casa.  Suspiramos inutilmente, enquanto os pragmáticos protestam, em nome dos direitos dos animais.

O espírito romântico também é despertado quando sabemos de um lugar que frequentávamos e está prestes a fechar. Esta semana o jornal noticia o fechamento de um restaurante japonês que servia comida caseira no Centro Histórico de Curitiba, o Mikado.





Mikado  é o nome que se dava ao imperador japonês na antiguidade.  Mas há 24 anos,  era sinônimo de restaurante em Curitiba. Kenji e Michiko Fukui inspiraram-se num restaurante argentino para instalar o seu estabelecimento na Rua São Francisco.



Kenji, Akemi e Michiko Fukui.

Fundado no dia 4 de fevereiro de 1991, a proposta era oferecer uma alimentação saudável, sem carne vermelha e com alguns pratos da culinária japonesa, como o missoshiru (sopa de missô, a pasta de soja fermentada), yakisoba, tofu (queijo de soja), sushi (enrolado de algas marinhas), tempura (fritura de legumes), moyashi (broto de feijão) e outros.  Funcionou o horário de almoço, de segunda a sábado, reunindo uma legião de adeptos: os "mikadianos", como ficaram conhecidos os habituées do restaurante.


Cardápio das quartas-feiras.

Almoçar no Mikado era pretexto para fazer uma refeição saudável e acessível ao bolso, mas além da alimentação, podia se encontrar amigos a toda hora, devido à localização central do bifê.  As mesas dispostas lado a lado também facilitavam o contato com desconhecidos no almoço.  Lembro que eu ia ao Mikado porque era perto da faculdade. Até os anos 90, o  curso de Comunicação Social estava instalado no prédio da velha Universidade Federal do Paraná, na praça Santos Andrade. Encontrava vários colegas e professores por lá. 



O fechamento do Mikado parece marcar o fim de uma era. Uma era em que as pessoas saíam de casa para encontrar os amigos e conversar.  Alguns lugares que foram pontos de encontro no Centro Histórico de Curitiba: a Galeria Schaffer, criada especialmente para abrigar a Confeitaria Schaffer, uma das mais famosas da cidade; a Livraria Feminista, o Restaurante Ao Natural; o Café Paris, o Bar 21; o restaurante Macro-zen, e tantos outros que sumiram no túnel do tempo.




Creio que a partir da agora teremos menos pontos de encontro, porque diminuem a quantidade dos restaurantes de comida caseira.  Vamos tentando sobreviver numa vida com cada vez menos sabor.  Mas quem sabe um outro casal se encante por algum restaurante caseiro tailandês e resolva fazer uma versão local  em Curitiba." (Marilia Kubota)






“Desce que comecei a trabalhar na universidade federal, há dezenove anos, comecei a frequentar o restaurante, trazia também meu filho então com seis anos, ele cresceu aqui. O ambiente é de artistas, intelectuais, alternativos, a gente se sente parte de uma comunidade, por ter feito uma mesma opção pela grastronomia de qualidade, e com acesso módico. As pessoas se unem para além da gastronomia, com as mesmas propostas.

As informações do mural também são um ponto forte, e a maior virtude penso que é ter um ecletismo na mistura de várias tendências, comida brasileira, japonesa, sem fundamentalismos. Minha esposa, baiana, demorou um pouco para se adaptar, foi um aprendizado, mas hoje adora a comida daqui. É uma grande perda o seu fechamento.”  (Julio César Soares e Stela Emilia Gusmão).

“Almocei no Mikado desde o ano de 1993 mais ou menos, mesmo periodo que iniciei meu trabalho como instrutora de Yoga no Sesc da Esquina que foi em 1992. Foi um encontro muito legal, pois já cuidava de minha saúde e previlegiava refeições mais nutritivas e de qualidade. Então foi no Restaurante Mikado que encontrei variedades de cardápios com saladas, integrais, peixes, culinária oriental e deliciosas sobremesas; que supriam minhas necessidades de refeições diárias, pois nos dias da semana que almoçava ali, me sentia satisfeita como refeição principal de meus dias.

E ali fui conhecendo muitas pessoas que também como eu tinham interesse nos cuidados com a própria saúde. Fiz várias amizades, inclusive parcerias para trabalhos que desenvolvo. Além de contar para divulgação de meus trabalhos de aulas de yoga, da Agenda Descanso-yoga para os 7 dias da semana de minha publicação e dos Passeios Agroecológicos que organizo com pessoas de Curitiba em Chácaras de pequenas familia de agricultores de produção orgânica certificada.” (Áurea Maria da Silva)

“Comecei a frequentar o restaurante através de amigos, alguns já falecidos, que buscavam uma alimentação saudável, isso foi em 1991, logo após a abertura do restaurante. Estava grávida da Marcela, hoje com 24 anos, ela agora vinha sozinha e trazia amigos da faculdade. O lugar tem um carisma, um clima diferente, nunca mais vai ser a mesma coisa.” (Sonia Maria John e Marcela Lino).

O texto acima, da jornalista e escritora Marilia Kubota, e os depoimentos de alguns frequentadores, traduzem o pensamento das tribos diversas que frequentam, ou melhor, frequentavam o Mikado, o Mika para os íntimos. No dia 23 de dezembro, último dia de funcionamento do restaurante, os mikadianos todos se reuniram para festejar e almoçar pela última vez. Lágrimas, homenagens, risos e cantos encheram o ambiente. As fotos a seguir, falam mais que mil palavras. Arigatou, Mikado, adeus....


























                                                                       
                                                           

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Colaboraram nesta edição:

Texto: Marilia Kubota

Fotos: Sonia Gutierrez, Jussara Branco, Edu Hoffman e Izabel Liviski.





              

1 comentários:

Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

É realmente uma pena, pois nossa "história" é um conjunto de geografias, eventos e sentimentos. Tudo passa -nos ensina Buda- e o passar das geografias, eventos e sentimentos nos entristece, pois é um passar de nós mesmos.

30 de dezembro de 2015 às 11:42

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