domingo, 27 de março de 2016

O Mito de Sísifo e as Carências (Parte II)



Continuação de:
O MITO DE SÍSIFO E AS CARÊNCIAS (PARTE I).


Por isso mesmo de fazer o certo - mais quantitativo, menos qualitativo é prova dessa incompreensão do autor ao não contemplar, exercitar a metafísica, alquímicas ou as forças cósmicas que não se localizam a olho nu - afirmarei. Porém, dessa viagem que é este curioso ensaio filosófico, o alerta não é mais do que também por si mesmo baseada, sustentada por um conjunto de contradições e repetições que o autor igualmente rejeita. E até ai muito bem. A viagem não é nem certa ou errada onde mais uma vez o autor coloca uma tónica invisível sobre a existência da causa na própria causa. Que causa perguntais? Respondo: redesenhando o que faltou preencher crucialmente neste ensaio a Albert Camus focar, ou seja, penetrar, furando no centro, no cerne, no eixo primacial das forças instrospectivas onde tudo é uma outra coisa do que o autor disserta, critica e reflecte. Não contou com a imprevisibilidade dessas trincheiras. Teve o horizonte do holocausto da segunda grande guerra como labaredas de fundo. Agora a resposta - mediante uma firme tentativa de conquistar o universo ateu, agnóstico ou não. Porque diante essa tentativa também temos de considerar o desterro longínquo que deveras se manifesta e se propaga a nele algures se encontrará um buraco estreito e lá no fundo surge-nos o conflito entre o Bem [eros] e o Mal [thanatos] enquanto reflexo um do outro.Suicida”. Porque não cometer mesmo o suicídio físico ou psíquico? Porque não abraçar a vida como ele se nos apresenta: aceitando-a, coloca neste ensaio Camus. Um tanto ou pouco erróneo não dar escolhas aos seres humanos. Estancá-los como se estanca um rasgo no meio da cabeça rachada. O sangue poderá esvair-se ou não. Quem tomará a decisão última? Nós. Cada um de nós lidera a liberdade ou quem sabe sem ela também! Nisto o ensaio torna-se incompleto a meu ver. A deformação dos sentimentos e dos desenhos e imagens estão ali ao virar da esquina côncava ou num beco sem saída ou num túnel de esgoto. Seja onde for. Temos todo o direito às escolhas e decisões escuras, mansas e mesmo aquelas que são incompreensíveis da razão. Também não previu esse direito inigualável. Expugnável. Suspensa dúvida. Camus resignou-se a essa resistência o que limita o pensamento ao entender a vida doutros ângulos de visão mais amplos. Pega-se num machado afiado rodopiando os braços para o ar escaldante e quebram-se cabeças contra o chão torto. Ingreme. A asfixiar-se de tanto sangue e membros cortados. Mortos porque assim o quiseram ou mereciam. Porque sim, podiam e poderão. Ou se preferirem, enterrar-se-ão os machados do suicídio debaixo da terra compacta. Não mais se vê desgraças [sarcasmo]. E o que se interpreta desta loucura, delírio, devaneio ou razão? Camus desconfiou da razão mas não nos passa os outros testemunhos anotados, fixados. Diria, por fim que as forças gravitacionais desta obra subdividida em diversas partes permanecem esquecidas num recanto qualquer cheio de pó e poeiras do tempo e memórias onde o amor e o absurdo existem sim se reinventados, redesenhados dia após dia. Para isso é necessário escavar-se até às profundezas da caverna onírica e real e revolver o processo completando-o, compreendendo o invencível e o absurdo por que somos nós os causadores do nosso próprio medo. Como falta dizer neste ensaio que os acasos deformam tudo o que este autor nos apresenta. Somos demasiado estúpidos inseguros, por isso magoamo-nos, magoa-mos os próximos fazemos sofrer e sofremos, temos dor mas também a infligimo-la. Matamo-nos e matamos tudo o que nos rodeia sem nos apercebermos dessa repetição. Somos criminosos necessitamos disso para nos procurar e procurar a liberdade. Desperdiçamos a vida absurda num suicídio não só como o autor nos dá em secreto beijo igualmente por que também somos sucessores de nós próprios. Os detalhes desfiguram o que Camus nos pede e oferece. A consciência tem tanto de pura como de impura encharcando-se de sujeira e isto não pode ser mantido como Camus pretende ou diz ser, doutro modo a transcendência existe e tem um sentido de liberdade nada absurda. Absurdo é um ensaio desta magnitude, potência, escrita às mãos deste grandioso filósofo francês cair frouxo, redondo com o rosto na vertical contra o chão cravejado de cavilhas velhas, e morrer esquecendo-se de evocar as forças/fraquezas, ameaças/oportunidades numa clareza sem traição: o Lázaro, a Líbido, o Limbo e a Penitência da beleza Cosmológica - Acrescento: O impossível é que nada é impossível. Arthur Rimbaud avisou-nos: «Que vida! A autêntica vida está ausente. Não estamos no mundo.», «A moral é a debilidade do cérebro.», «A nossa pálida razão esconde-nos o infinito.», «A vida é uma farsa que toda a gente se vê obrigada a representar.», «Eu escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens.», «O ar e o mundo deixado sem procura. A vida. - Era então isto?», «Quando somos muito fortes - quem recua? muito alegres - quem cai no ridículo? Quando somos muito maus - que farão de nós?». - Digo-vos: uma perplexa obra que «Nem é Estéril, Nem Fútil». Adeus Camus, vou-me embora para o constante desconhecido: «o saco - por exemplo».
Jamais se separarão. Amam-se tal como um indivíduo suicida determinado a terminar com a vida da morte ou morte da vida? Essa mesma tentativa deverá ser espontânea, genuína leva-nos, traz-nos ao ponto de partida como ao regresso dessa partida e vice-versa, isto é, da experiência universal: AQUI. Aqui mesmo. O agora, isto significa, o ponto caramelo: da Descoberta. A Descoberta e a Indiferença que ocultamente nos agarra pelo corpo inteiro sempre como tomada de consciência de cada pessoa. Particular. Divergente. Absurda. Única: “


Por filipe marinheiro, dia 23 de fevereiro 2016: 



.
sei de teres um saco que fala sobre o sono ainda misturado
num copo em brasas
curioso por bater
com a minha sombra diante à criatividade desse saco
nele intercepto mensagens alheias das noites cheias de fins
ou acasos
todos nos dizem para cantar sob o carreiro gélido
onde verdes árvores lá fora se revelam na voz de silicone
por trás das portas a despenhar-se sobre cadeiras retiradas
contra os buracos negros
enquanto mesas se entrançam no ar às voltas
como respiro e interrompo
trepando o fumo trôpego dos garfos e talheres confusos
a romperem os sóbrios guardanapos de tecido diamante
derretendo-se na luz que flutua leve
talheres no princípio
garfos no cume empoleirados no pano rústico preso à jarra
que toca a melodia desaparecida
que esmaga as mesas
que torce a voz contra as portas
que toca a própria mão alastrando o saco
e se bebe na loucura nocturna
o soalho de madeira rubi ressente-se entre os rolos de árvores
e baloiços de folhas afrodisíacas
a amolecerem espantadíssimas nas sobrancelhas queimadas
com imagens panorâmicas do saco
como a rodar nos rodapés que explodem dentro dos vernizes
a espalharem-se p’la poeira das vidraças terríveis
os relógios fumam os céus indignados aceitando-se corajosos
e reles vistos à lupa
o sol de aço corta a vista como os seus raios de fogo cortam
as mãos
o fogo cresce
aumenta o sangue largo
enquanto labareda a roçar no coração
e o coração insufla e inflama o corpo que se ergue
e estanca o lume
manuscritos voam em cima dos pratos
os pratos compostos por tintas em escada finalizam-se à vista
sombrios e tristes
desde a força profunda das mesas
até se coserem às secretas portas
que fervem o trilhado coração do saco aos pedaços
de fibras entranhadas
escorrendo à volta dos corpos
desenhos de luvas
peúgas originais retratos folhas plantas
gaiolas por baixo de alcatifas submersas
cigarros dentro uns nos outros onde a água trabalha
e escalda esse pressagioso ofício
um castanho cavalo gira perto do iminente sofá
e o cavalo cavalga dentro das paredes
a estoirar a ventania obscura
e engole
uma almofada de acre vinho
e no próprio relinchar como desabrocha!
tapeçarias de névoas esvoaçam entre fragilidade e angústias
via o saco a inundar-se no arame farpado
com que o ergo
até sufocar o amanhecer fusiforme
a saltitar nos nós de sangue
uma breve leveza de ofício
e rasgam-se fissuras na carne como outra carne funda
e ensanguentada
em estado de choque
assim irei aprender também trigonometria astrofísica
dos cometas às galáxias inundadas de gravidade
enquanto saco é elevado
nós somos elevados
e arrastamos as imagens de uma ponta à outra
devoramo-nos
na engrenagem atómica
em frente aos vertiginosos olhos anda o saco a pensar nas coisas
o saco desmancha a doçura do pescoço
sangra-o nas mãos vagarosamente
à raiva tão veloz
canta nas fracturas da terra na cabeça movida por circunferências
saco chato dorme a alumiar a escuridão
uma chatice mortal!...
mexe-se aquele saco com pensamentos inquietantes
sei-o inquietante
é mestre e eu o aprendiz
com a cabeça no fundo dos meus joelhos a estilhaçar
devassa os astros
explodindo-os de encontro às estrelas
e todas as altas estrelas bailam na ponta dos dedos pretos prata
a deslizar na coxa dissolvida
contra espirais cadentes os astros são a sonoridade
cantam flores e jarras
e as estrelas o ritmo maldito feito de cera luminosa
em que as trevas vagabundam
nos espelhos rápidos
dentro da penumbra pendidas nos aromas megalíticos
que vão de sabor para sabor
pela aragem abaixo
a levitar na sua matéria enlouquecida
e morde a luz
porque os perfumes celestes
se despedem e diluem o espaço e o tempo
como num avanço e recuo doce
estremecendo as distâncias em tempo irreal
deixo-me cair anterior a esse saco entrançado nas veias adentro
e racho as mãos à velocidade de um galho precioso
na dúvida
alastram-se as abas que dançam
enquanto o saco sufoca numa janela contorcida
deambulo
na opacidade dos espelhos e vidros
que nunca mas nunca falam dele ou de mim
– o saco, por exemplo...



Filipe Marinheiro nasceu em Coimbra, em 30 de Julho de 1982. É natural e reside em Aveiro. Suas obra Silêncios e Noutros rostos encontram-se disponíveis para venda online na Chiado Editora, Fnac, Bertrand e Wook.

0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.