domingo, 20 de março de 2016

VIVA SARAU



Começamos o ano ajudando a promover um projeto inovador e revolucionário de Educação em Direitos Humanos, nos CEUs da cidade de São Paulo para os professores da rede municipal de ensino, parceria com a Universidade Federal do ABC.
Era um sarau - coisa familiar pra gente. Um sarau, lugar em que as pessoas têm voz, podem expor suas reivindicações, também seus sentimentos, principalmente pela arte, principalmente pela literatura. Porque como sabemos, a literatura não é uma arte de muitos espaços, não é como a música, que tem vez em todo lugar, em toda classe social.
As pessoas escrevem, muitas pessoas escrevem, mas é uma atividade solitária, com ar de clandestina, senão pela timidez do escritor, pela ausência de espaços, oportunidades e principalmente de abertura para compartilharem seus escritos, o que faz de muita gente que escreve, escritores de gaveta, detentores de uma arte oculta, submersa sobre papéis velhos, telefones de pizzaria e contas pra pagar.
O sarau é o reduto da literatura, lugar em que à vontade se pode expor a arte de escrever, seja com caráter de denúncia social, ou apenas desabafo d’alma.
Tem poeta que não gosta. Porque quem escreve, geralmente prefere escrever, não gosta de falar. Mesmo assim, é o lugar da escrita, onde se reúnem e dividem seus feitos, escritores e poetas, de nome ou sem nome, se estiverem a fim disso.
Eu adoro.
Nem sempre de falar, é verdade, mas sempre de ouvir. Ouvir um poema é uma experiência diferente e se quem pronuncia os versos de um poema é uma outra pessoa, vem carregado de uma intenção muito particular, quase sempre diferente da nossa pessoal. E isso é maravilhoso.
Enfim, o sarau que iríamos gerenciar deveria ter uma temática de Direitos Humanos e isso deu-nos o trabalho de buscar na literatura poemas bem representativos dessas violações, respectivas reivindicações e busca de direitos entre nossos autores, nossos referenciais das letras no Brasil e no mundo, principalmente de língua portuguesa, que em um e outro momento histórico, trouxeram pra arte literária esse conteúdo, acompanhando ou não a onda do seu movimento artístico.
Foi uma pesquisa prazerosa e tivemos a preocupação de levar pro sarau um pouco das coisas que encontramos, pra compartilhar do deleite de deter um grande poeta nos lábios, enquanto pronunciam-se suas palavras.
Também incentivamos os participantes a escrever juntos, numa dinâmica, movidos por provocações diárias, parte da vida nas escolas e belos textos e poemas criaram vida dos debates entre os participantes sobre as questões suscitadas, e depois plainaram pela sala, na leitura/declamação dos representantes de cada grupo.
Foi muito gratificante aquelas poesias novas em folha plainando no ar em que alçaram voo também nomes como Solano Trindade, Fernando Pessoa, Cruz e Sousa, Ruth Rocha, Martha Medeiros, Manoel de Barros.
E é claro que contamos com a ajuda imprescindível dos poetas da literatura marginal, como Carolina Maria de Jesus, que levaram à literatura temas corriqueiros da periferia, com a profundidade e a alma de quem vive a realidade da favela e Sérgio Vaz, um personagem que ajudou a fazer do evento "sarau", coisa do povo, local e evento de manifestação e transformação da periferia, e não mais apenas de uma elite intelectual escolhida a dedo e enclausurada em si mesma.
Acredito que todos ficaram tocados e com vontade de levar pra suas escolas o novo velho evento que se difundiu como atividade de empoderamento coletivo e também individual.

Microfone na mão do cidadão é força e também glamour. E ouvidos calados pra apreender o que virá, dá ao público, que é também artista, chance de desenvolver o dom da escuta, da troca.

Qualquer sarau, considerando a liberdade de expressão de quem está com “a concha” (O Senhor das Moscas) e o esforço de ouvir de quem não está, acariciado pelo silêncio (que é uma prece e prova máxima de respeito pra quem tem detém o direito de falar), é direito humano posto em exercício.
VIVA SARAU!












Larissa Germano é autora de "Cinzas e Cheiros", e escreve nos blogs Palavras Apenas (naoapenaspalavras.blogspot.com) e Nunca Te Vi Sempre Te Amei (cafehparis.blogspot.com), tem perfil no facebook e no twitter e a página Lári Prosa e Trova no facebook. É também compositora intuitiva e tem perfil no Sound Cloud e Youtube. (Ps.: as poesias concretas expostas neste post são, respectivamente, de Helio Oiticica, Haroldo de Campos e Augusto de Campos. A foto de Sergio Vaz foi pega na rede).
Para adquirir o livro Cinzas e Cheiros, independente, entre em contato com a autora pelo email: slariger@hotmail.com. Remessa pelo Correio).




5 comentários:

Unknown disse...

Belíssimo, emocionada aqui... queria que se tiver oportunidade no próximo comentasse o que foi produzido por lá...
bjs

20 de março de 2016 às 09:42
Lari Germano disse...

Olá!Gostaria muito de trazer pra cá os textos, mas esqueci de reivindicá-los depois do sarau e os representantesdos grupo levaram consigo! Se eu conseguir os textos, prometo trazer!

20 de março de 2016 às 09:56
Lari Germano disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
=]*** disse...

Muito belo esse trabalho, a poesia sempre enriquece o singelo , dando-lhe a perspectiva nova do poeta, e sempre admiro quem consegue ter esse dom inspirador de dar vida às palavras. Parabéns a todos os participantes. Bjs, Lari, sua amiga Célia.

20 de março de 2016 às 12:35
Lari Germano disse...

Beijos Célia! Obrigada pelo carinho e participação! A poesia faz parte da gente, essa coisa cuja literalidade é desnecessária, em que o sentimento transcende...

3 de abril de 2016 às 12:05

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