domingo, 24 de julho de 2016

Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada.



Cresci ouvindo falar do meu cabelo, quase sempre pejorativamente. Os amigos do meu pai chamavam-me de Biro-biro; na escola, os colegas, de miojinho, esponjinha, Globetrotters e outros tantos mais que provavelmente esqueci. Nos primeiros anos de escola, se eu usava o cabelo solto, os meninos brincavam de esconder coisas dentro dele, lápis, borracha e eu, pra não ficar pior a situação, aderia à brincadeira, inserindo também objetos na minha cabeleira crespa e rindo da minha própria condição de portadora de cabelo ruim, como cabe a qualquer pessoa inteligente que seja vítima de apelido ou motivo de piada (se não pode vencê-los, junte-se a eles).


Eu, com dois aninhos.
Não guardo mágoas desse período não, porque superei essas dificuldades e outras, conduzida também, acredito eu, por esse esforço inicial. Acho que se o bullying que todos da minha época de alguma forma sofreram, se por um lado atrasa o desenvolvimento e emperra algumas pessoas de desenvolver as possibilidades de mundo para um ser humano (infinitas), por outro lado, a mim, adiantou o dom de lidar com frustrações e superar condições externas impostas, fazendo com que, a partir do momento em que soube enfrentá-las e não me rendi aos rótulos, eu desenvolvesse muito cedo forças que me são essenciais hoje e que me permitiram amadurecer antes.
Não que eu ache que as crianças tenham que passar por isso, nem que  bullying seja algo parte de nós, nada disso. Acho que a partir do momento que tivermos uma educação pra habilitar a humanidade e não apenas as utilidades do aprender, essas práticas serão cada vez mais raras. E acho, inclusive, que já estamos nesse caminho, à medida em que, hoje, o cabelo enrolado, o cabelo crespo, o cabelo afro, o carapinha, o cabelo qualquer que ele seja, não tem aval pra ser tachado de "cabelo ruim".

É sinal de mistura de raças, miscigenação, permissão pra misturar o preto com o branco e com o índio e saber lidar com o próprio cabelo, assumir as raízes, usar o creme certo, o shampoo certo, o cabeleireiro certo, é o caminho, e não o contrário. Tudo como forma de assumir um movimento lindo e necessário de encarar as diferenças e se auto-assumir, abraçando com isso muitas outras causas humanas que mesmo em meio às dificuldades do mundo atual, de extremismos, fanatismos e iminente retrocesso ideal, deve continuar a ser causa de envolvimento e luta.
Há alguns anos, depois do surgimento da chapinha e das escovas progressivas e definitivas, pelas quais também passei, em data não muito remota, o crespo está voltando com tudo. E as pessoas se unem pra cultivá-lo, saber cuidar dele e empoderar-se na prática de assumir-se e à diversidade. Há grupos na internet e em redes sociais de que produtos usar, como usar, qual creme pode, qual cabeleireiro ir, que cortes e etc., recursos que antes não tínhamos, e isso é maravilhoso.


 Quando criança, era um trauma pra mim ir ao cabeleireiro, eles deixavam claro ser um sacrifício pentear meu cabelo,  desembaraçá-lo e era um dia de terror para mim e para eles. Eu era vítima de todo tipo de chacota dentro e fora do salão. 
Além das escovas e pentes: instrumentos de tortura usados para endireitar o cabelo (geralmente a partir das próprias mães), o que mais doía era que esse tratamento nos dizia que havia algo de errado em nós, algo de que se envergonhar.

Então, quando vejo essas mulheres brasileiras maravilhosas hoje em dia, brancas, morenas ou negras, com seus cabelos cacheados, crespos, afros, bem cortados, volumosos, maravilhosos, bem cuidados, vem-me uma sensação de pertencimento e uma gratidão por estar vivendo, apesar das idas e vindas deste nosso mundinho, dias melhores.



Ouça esta canção e entenda com o coração o que não está dito.



Larissa Germano é autora de "Cinzas e Cheiros", e escreve nos blogs Palavras Apenas (naoapenaspalavras.blogspot.com) e Nunca Te Vi Sempre Te Amei (cafehparis.blogspot.com), tem perfil no Facebook e no Twitter e a página Lári Prosa e Trova no Facebook. É também compositora intuitiva e tem perfil no Sound Cloud e Youtube.
Para adquirir o livro Cinzas e Cheiros, independente, entre em contato com a autora pelo email: slariger@hotmail.com. Remessa pelo Correio.
Observação: as fotos usadas neste post foram encontradas aleatoriamente, na rede.

1 comentários:

Marcos Liotti disse...

Adoro, o texto, seu cabelo natural (acho que já tinha dito) e todos como são, a diferença faz toda a diferença!

24 de julho de 2016 às 15:00

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