sábado, 6 de agosto de 2016

Análise Fílmica – Coco Antes de Chanel




Coco Antes de Chanel é um filme que mostra a história de uma brilhante estilista do século XX antes de sua fama. Gabrielle Bom Heur Chanel, mais conhecida por Coco é uma mulher fantástica, independente, inovadora e totalmente a frente de sua época, não se submete as atividades consideradas de mulheres como servir o homem. Seu envolvimento com oficiais nazistas, sua posição como amante, seus instintos de mulher revolucionária e as motivações que a levaram a ser um ícone.


O filme não retrata suas relações políticas, isso, inclusive é uma crítica ao filme, pois Coco foi reproduzida como uma mulher que soube fazer uso de suas relações amorosas para chegar ao sucesso, não mostrando suas motivações. Talvez essa seja a maior problematização do filme.

Gabrielle (Coco) é uma menina que fora criada e educada em um orfanato para meninas, junto de sua irmã Adrienne, ambas possuíam propósitos bem distintos, Gabrielle sonhava com sua independência e nunca se casar, já Adrienne, assim como as mulheres dos anos de 1920, em se casar com um homem rico.

Em um bordel onde Coco e sua irmã trabalhavam como cantoras, Coco conhece um homem de muitas posses chamado Étienne Balsan, ela decide usar Balsan para sair dessa vida, ele a introduz no mundo das pessoas ricas, elegantes e com ele vai ter um relacionamento tumultuado. É problemática a maneira que a relação dos dois é construída e mantida por tanto tempo, pois Balsan também a usa e exige dela postura e tarefas consideradas femininas, ela não podendo ser vista com ele com frequência por não se vestir e agir como as mulheres ‘normais’ para a época, além de ser usada para atender aos caprichos íntimos dele. Já ele, mesmo que não soubesse com clareza, era usado para inserir Coco na alta sociedade, ajudá-la a fazer contatos, tanto que seus primeiros chapéus foram feitos para uma atriz famosa da época.

Durante sua vivência no “castelo” de Balsan, Coco começa a usar as roupas dele, vestindo calças para cavalgar, algo estranho e inovador para a época a qual estava inserida introduzindo assim, a calça dos homens ao guarda roupa feminino, ao começar a usar calças, as pessoas retratadas no filme estranham e começam a chamá-la de ‘garoto’, em um momento Balsan diz para Arthur Capel não a encorajar a continuar com seu estilo, pois ele quase havia perdido seu alfaiate por conta disso. Surge então seu segundo movimento de dispensar os espartilhos e libertar as mulheres das amarras e dando a elas liberdade de movimento. Revoluciona assim a moda vigente de ostentação para uma moda mais discreta e elegante. A problemática de tudo isso, é que o filme mostra o embate social versus Coco, já que na sociedade vigente (anos 20) a mulher não era vista como capaz de se encorajar sozinha para fazer algo, portanto precisava de um homem para isso, enquanto Coco não queria fazer parte de nada disso. As relações hierárquicas de gênero são muito retratadas e o modo que isso é feito faz a luta de Chanel por um espaço ser ainda mais válida.

Durante sua estadia, Coco conhece Arthur Capel, se apaixonam e Coco até pensa na hipótese de se casar com ele, algo que nunca havia passado em sua cabeça, pois para ela, os homens serviam apenas como caminho para seu sucesso. Arthur se casa com outra mulher por interesse, e Coco decide ser sua amante. Por ser uma mulher a frente de seu tempo, ela acreditava que a pior coisa de um casamento é o casal. Porém, com o tempo ela começa a sentir falta de presença constante dele, o que mostra que, apesar de fugir de muitas convenções sociais, ela não conseguia sair dessa, por mais que quisesse. Ela era inocente sobre o que era o amor.


[...]


Para a análise teórica, fez-se uso dos textos de Tomaz Tadeu da Silva, “A produção social da identidade e da diferença” e o texto de Guacira Lopes Louro, “Gênero e Sexualidade: Pedagogias Contemporâneas”.

Coco Antes de Chanel acaba por ser uma forte representante do que Tomas Tadeu da Silva busca problematizar em seu texto “A produção social da identidade e da diferença”. Já pelo título podemos estabelecer tal relação, uma vez que são evidentes os papeis sociais definidos para cada pessoa no filme, principalmente quanto a seu gênero e classe social.

Gabrielle (Coco), como mulher numa sociedade patriarcal, age como um exemplo da hierarquia estabelecida pela ideia de identidade e diferença e, consequentemente, da problemática do binarismo, em que um dos termos sempre recebe valor ‘positivo’ e o outro, valor ‘negativo’. Exemplo disso é que no filme, em plenos anos 20, as mulheres eram vistas como objetos de uso e de exposição para os homens, além de serem consideradas superficiais e sem um intelecto tão admirável quanto ao deles. Elas só objetivavam uma coisa na vida: casar-se. Por outro lado, os homens eram vistos como fortes, bem sucedidos, elegantes e influentes. E é aí que se encontra uma questão importante do filme: o binarismo homem/mulher.

Coco rompe com esses paradigmas que definiam tão bem o lugar de cada gênero e como cada um deveria se portar. Homens e mulheres eram diferentes (por conta de suas roupas, comportamentos e papeis sociais), e jamais poderiam se identificar entre si em relação a isso. A identidade - aquilo que eu sou - e a diferença - aquilo que o outro é - acabam por ficar evidentes em meio a essa análise. Como a definição da identidade significa a negação de outras identidades (e assim, assume as diferenças).

Além disso, os signos - construídos socialmente e representam simbolicamente o que é real - de homens e principalmente das mulheres, foram remoldados no decorrer do tempo por conta das inovações de Chanel (uma mulher antes não teria um signo com calças, por exemplo, o significado de Mulher era outro).

Tomaz Silva diz ainda que

“A identidade e a diferença estão, pois, em estreita conexão com relações de poder [...]. A identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence e quem não pertence[...]”.

Ao ter adotado um estilo o qual não a pertencia - do ponto de vista social da época -, Coco se torna mais uma vez um exemplo do que o autor diz em seu texto sobre a normalização. Quando se normaliza as coisas, elege-se o que é anormal. Gabrielle foi vista como ‘anormal’, pois estava ‘de fora’ das convenções sociais as quais ela deveria seguir. Silva ressalta ainda que “aquilo que é deixado de fora é sempre parte da definição e da construção do ‘dentro’”.

Em diálogo com Tomaz, Guacira Louro inicia seu artigo dizendo que é preciso analisar os modos como se constrói e se reconstrói a posição da normalidade e a posição da diferença, e os significados que lhes são atribuídos.

Além disso, Louro faz uma análise das transformações da contemporaneidade, dizendo que novos estilos de vida (saberes, relacionamentos, comportamentos, etc) surgiram no decorrer do tempo e essas alterações passaram a intervir em setores que haviam sido por muito tempo imutáveis e universais - vulgo as instituições como família, igreja, escola, etc. O filme analisado mostra essa transição muito bem, afinal, fica claro que as atitudes de Coco Chanel abalaram tudo aquilo que era considerado ‘normal’ para uma mulher. Com o tempo, o diferente de Chanel passa a ser aceito. Seu menos vira mais e ela vira um ícone da moda. A retratação do filme quanto a isso é bem nítida, uma vez que evidenciou como as inovações culturais e sociais, no caso, podem transformar a dinâmica de uma sociedade (seus comportamentos, atitudes e pontos de vista).

Conclui-se a análise com uma breve citação de Louro sobre a diferença:

Não, a diferença não é natural, mas sim naturalizada. A diferença é produzida através de processos discursivos e culturais. A diferença é ‘ensinada’[...], e o único modo de lidar com a contemporaneidade é, precisamente, não se recusar a vivê-la”.

No final das contas, o diferente de Chanel virou moda, mas os conceitos dos autores aqui expostos não deixam de ser válidos para a problematização de Coco enquanto mulher do século XX.

[...]


Análise feita por: Aline do Nascimento Roldão, Camila Pinheiro Munhato, Fernanda Souza Santos, Gabriela Santos Grippe e Isadora Castanhedi.

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