quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

"One More Time With Feeling": Nick Cave celebra a dor



O músico australiano Nick Cave lançou, no final deste ano, dois trabalhos inspirados em seu luto: o álbum “Skeleton Tree”, com Nick Cave and The Bad Seeds e o documentário dirigido por Andrew Dominik, "One Time with Felling". Após a morte do filho de 15 anos em  julho de 2015 num trágico acidente, ele preferiu passar um tempo na solidão, afastando-se inclusive das gravações de seu novo álbum. Apesar de estar mergulhado  em profunda tristeza, esses dois recentes trabalhos tem sabor de resposta, após um período de pausa.   

O filme evidencia o processo criativo de seu novo álbum, uma espécie de ode à dor. 




Tive o privilégio de assistir  a estreia no Brasil de “One Time With Felling”, dia 10.12 na quarta edição do Festival SIM (Semana Internacional de Música) São Paulo, no Caixa Belas Artes. O documentário intercala cenas de entrevistas com o músico em sua casa e no carro em movimento, com manking of no estúdio das gravações do novo álbum.  Com 112 minutos de duração, o filme traça um paralelo entre a dor e a criação. A montagem tem um movimento crescente, sai de um sentimento perdido, vago e vai em busca de algo inexplicável em que Cave possa aportar sua dor, um lugar menos desconfortável e suportável.  Narrado em três vozes: a interior do artista de profunda tristeza vivenciada na consciência, individual, introspectiva e fatal; a voz exterior, que se relaciona com os músicos, lúcida, altiva que prima pela excelência nas gravações; e uma terceira, lúdica, que emerge na criação das canções. Do cânone dessas três vozes, nasce a essência do doc. 

 Como num lamento murmurante em acordes dissonantes, surge das profundezas de Cave, o artista. Como num cante flamenco a dor toma forma de luta, de superação. 

Nick Cave &The Bad Seeds 
Todo filmado em preto e branco com câmera 3D, o filme tem fotografia impecável numa narrativa bem elaborada que perpassa pelos processos e perrengues do artista para superar e seguir em frente. É possível ver sua esposa e seu outro filho falarem a respeito de seus sentimentos e de como lidam com a dor da tragédia. 
Os momentos mais evocativos do filme são aqueles em que Cave canta “Jesus Alone”, “You Fell From the Sky”, “Near the River Adur” e "Need You". É possível ouvi-las nas plataformas de streaming.
O álbum tem oito faixas e 39 minutos contento uma narrativa densa numa sinceridade de arrepiar a alma.
Cave: Das profundezas do oceano às divindades celestiais  

Canções que nos faz viajar às profundezas dos oceanos, às alturas dos céus e ao centro de nós. 

Tanto no álbum quanto no filme é possível embarcar numa  viagem ao centro da dor de Cave, e apesar de tudo ser muito triste e pesado é também leve e poético.  As lindas canções, a sonoridade intrigante entoada pelo hibridismo de sons eletrônicos,  acústicos e voz, faz transcender.  A arte cumprindo sua tarefa de ir além, de extrapolar  e de transformar emoções e sentimentos em algo novo para reinventar o mundo.
 Nick Cave mergulha nas profundezas do oceano e se eleva aos céus com a mesma maestria, nos leva solenemente pelas crinas das canções para um universo paralelo, maior, onde a dor ganha contornos mágicos. 
Sai do filme taciturna, transformada e agradecida a Nick Cave pelo trabalho incrível. 

Um trecho canção do filme:  "Need You" com Nick Cave & The Bad Seeds






Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italianoprincipalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.



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