Considerações sobre o cinema soviético pós-guerra.




A mitificação de Stalin tornou sua presença onipresente em vários sentidos do cotidiano da sociedade soviética, seja através da arquitetura, pintura, literatura, organização partidária: a imagem de Stalin, após a guerra, adquiriu o status de mito. Era bastante comum que nas casas soviéticas o retrato de Stalin, estivesse pendurado nos locais mais nobres da parede. O culto a sua personalidade foi muito eficiente em enraizar no imaginário da população que a URSS só sobreviveu à guerra devido ao papel que Stalin desempenhou. O entourage de Stalin se esforçava para agradá-lo conferindo títulos, como o de “Generalíssimo”, que ele desprezou, pois só soube que tinha sido condecorado, através da leitura matinal do Editorial do Pravda, como narra Volkogonov em um dos seus livros .









Seu interesse pelo cinema aumentou exponencialmente ao seu isolamento. Se antes da guerra já era um cinéfilo inveterado, com o envelhecimento e o passar dos anos, ele dedicou bastante tempo, para assistir e opinar sobre os mínimos detalhes dos filmes e da indústria de produção cinematográfica soviética. Isso criou uma atmosfera de policiamento semelhante aos anos de terror da década de 1930’s, quando a produção de cada filme era fiscalizada nos seus mínimos detalhes. Taylor possui uma análise bastante inovadora e provocativa sobre a influência que o cinema teve sobre Stalin, durante estes últimos anos de vida e de pouca exposição pública.
A Imagem que os historiadores derivam da união Soviética através do cinema soviético do período de Stalin é uma ilusão, como uma vila Potiómkin. Mas como sabemos a partir do discurso secreto de Kruschióv, para o 20° Congresso do Partido em 1956, foi também essa imagem que o próprio Stalin extraiu do cinema Soviético. Um cinéfilo ávido, que nunca deixou os estreitos limites do Kremlin, ou de sua casa de campo nas proximidades, a visão de Stalin da realidade soviética foi ditada exclusivamente pelos filmes e cinejornais a que ele assistiu. (Taylor, 1990, pag. 48)


Este interesse de Stalin se refletiu na criação do Ministério do Cinema em 1946, que teve como primeiro ministro Ivan Bolshakóv. (Beumers, 2009, pag. 107). A elevação do status da estrutura pública que controlava o cinema na URSS não se refletiu, imediatamente, em uma quantidade satisfatória de filmes produzidos por ano, principalmente para um país, com as dimensões e pretensões como a URSS. O número de filmes realizados na URSS decaiu a partir de 1945, e manteve esta tendência até o fim do Stalinismo. Para efeito comparativo, neste período, proporcionalmente foram produzidos menos filmes do que durante a Segunda Guerra. A destruição da infra-estrutura industrial soviética não explica, totalmente, o motivo de a produção ter caído tanto, pois a economia soviética não demorou muito tempo para retornar aos patamares de produção, anteriores ao período da guerra. A repressão que aconteceu a partir de 1946, sobretudo no campo das artes foi o fator principal da baixa produção fílmica e de outros ramos da indústria cultural. Neste sentido, devemos expor, ao público, alguns dos documentos oriundos de fontes primárias e secundárias que permitem uma maior interpretação do fenômeno repressivo e controlador, no qual o papel de Stalin era central, principalmente, quando a repressão envolvia questões culturais.

Carta de G.V Aleksandrov para I. V. Stalin. Publicada na Glasnost, 28 novembro- 4 dezembro de 1991, no. 48
6 de março de 1946. Moscou

Camarada I. G Bolshakóv informou de sua opinião negativa em relação à segunda parte de “Ivã o Terrível” de S. M. Eisenstein, bem como da decisão da TSK que proíbe a liberação da película para exibição devido a sua natureza “anti-artística e anti-histórica”.
O objetivo da minha carta não é
para defender o filme!
As circunstâncias excepcionais e extraordiná
rias forçam-me a incomodar você. Entre os trabalhos críticos sobre “Ivã o Terrível”, tanto a primeira, quanto a segunda parte evocam duras criticas... Em 02 de fevereiro, Eisenstein concluiu os trabalhos sobre o filme e apresentou o material ao laboratório de cinema, mas algumas horas depois Eisenstein, de repente, sofreu uma angina grave no peito, que durou 36 horas. Apenas a intervenção médica e a aplicação de medidas enérgicas salvou-o da morte.
Tendo ficado doente assim de repente, Eisenstein me pediu para mostrar o filme para o Conselho das Artes da Comissão de Cinema. A maioria dos membros do Conselho das Artes teve parecer negativo do filme e submeteu-o a duras criticas - tendo tomado conhecimento, no entanto, que o trabalho foi feito com muita consciência, que foi original em
métodos criativos, novo, em seus meios de expressão e altamente profissional. Também notaram que as conquistas foram grandes, na área de domínio criativo técnico da filmagem em cores, de acordo com o novo método. O Conselho das Artes decidiu encarregar a Comissão a apresentar propostas para corrigir e acrescentar ao novo filme, mas as condições de Eisenstein eram tão ruins, que não poderia haver nenhum acréscimo em breve.
Eisenstein insistiu em sair do hospital para qu
e o filme fosse mostrado para você, Iossif Vissariónovich. Sua visão do filme tornou-se objeto de sua vida. Esta visão o preocupou mais do que qualquer outra coisa.
Ele investiu mais de cinco anos de sua vida, e de trabalho, neste filme. Ele filmou em condições difíceis, em Alma- Ata, e ele não tinha mais nada na vida além deste filme...
Conhecendo você, Iossif Vissariónovich, como um homem que está atento às pessoas e a infortúnios, um homem sensível e emocional e por outr
o lado, tendo conhecido o diretor por vinte seis anos, como uma figura ativa em nossa cinematografia, como um mestre de muitos mestres de renome, como fundador do cinema soviético, e , tendo em conta as circunstâncias extraordinárias acima, eu seria tão ousado a ponto de lhe pedir a não tomar uma decisão final sobre “Ivã o Terrível” até a recuperação de seu autor...
Estou me Voltando para você, como diretor artístico da Mosfil
m e um ex-aluno de Eisenstein.
Com Profundo respeito e amor por você,
Gr. Aleksandrov.



Algumas características do culto à personalidade e a função que Stalin tinha na vida cultural são evidentes na leitura do texto acima. Aleksandrov, logo no inicio do texto, ressaltou que o objetivo da sua carta não era a defesa do filme. Porém cumpriu esta função de maneira implícita, quando ressaltou que os membros do Conselho das Artes tinham dado a oportunidade de Eisenstein modificar o filme, devido aos avanços técnicos que o mesmo apresentava. Além disso, de maneira muito corajosa, expôs a Stalin o quadro de saúde de Eisenstein e as suas conseqüências para as mudanças que o filme deveria sofrer, devido as críticas que tinha sofrido, bem como a importância de Eisenstein para a cinematografia soviética. A carta também revelou a admiração, respeito e temor dos burocratas do Conselho das Artes: o que importava, mesmo, era a opinião de Stalin. Isso fica claro, nas entrelinhas, principalmente quando Aleksandrov revelou a Stalin que o objetivo da vida de Eisenstein, neste momento, era saber qual a opinião do Generalíssimo sobre a segunda parte de “Ivã o Terrível”
A conjuntura da indústria soviética, neste período, não poderia ser pior para o ambiente criativo. Além de a produção ter caído, e a censura ter se tornado pior do que nos anos 30, os temas que foram filmados não retratavam mais a realidade e os problemas da classe trabalhadora. Na década de 1930, mesmo com um sistema repressivo que tentou formatar um modelo fílmico, o cotidiano dos trabalhadores e os problemas recorrentes da organização soviética do trabalho foram representados em alguns filmes. Porém, com a vitória soviética, o cinema na URSS sofreu uma “despolitização” sem precedentes, na sua breve história. A representação do proletariado, como classe dominante, e as implicações disso na vida social se tornou um tema fora do padrão e, por isso, ele deixou a ser adotado na escolha dos roteiros.
Mesmo em 1930s, poucos filmes tinham lidado com trabalhadores: depois da guerra este aspecto da vida soviética desapareceu completamente de vista. Entre os 124 filmes que foram feitos, apenas quatro lidavam com trabalhadores, e destes “A Grande Virada” e “Fogos de Baku” não foram distribuídos. Os dois filmes restantes foram “O Mineiro de Donbass” de Lukov e “Longe de Moscou” de Stolper, filme baseado no romance de Vassilii Ajáev. O filme de Stolper destinou-se a mostrar que, em tempos de guerra, a produção de óleo foi tão importante como a luta contra o inimigo no front. Os Filmes do pós-guerra, certamente, não celebraram nominalmente a classe dominante, o proletariado. (KENEZ, 2001, pag. 205)

Os gêneros adotados pelo cinema soviético, no Pós-Guerra, não foram tão plurais quando comparados com a década de 1920. Kenez, observa que os filmes que retratavam expedições científicas ficaram muito famosos nesta época, isso, inclusive vai perdurar até depois do Stalinismo com filmes como “Carta Que Não Foi Enviada”, URSS, 1959, de Mikhail Kalatazov, cujo enredo focou na expedição de geólogos em regiões remotas da URSS. Porém, outros gêneros, que fizeram bastante sucesso neste período, foram às comédias e os filmes feitos para crianças, bem como alguns desenhos animados de extrema qualidade técnica, e que não ficam devendo, em nada, aos produzidos na Disney.




Referências Bibliográficas.

CLARK,K & DOBRENKO, E (orgs).SOVIET CULTURE AND POWER: A History in documents, 1917-1953. Ed. Yale University Press. London & New Heaven, 2007.
TAYLOR, R. Soviet Cinema – The Path To Stalin. In: History Today.V.40, Issue 7. UK. 1990
VOLKOGONOV, Dmitri. Stalin: Triunfo e Tragédia. V.1, V2. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. 2004.
KENEZ, P. Cinema and Soviet Society: from the revolution to death of Stalin. Ed. I.B. Tauris & Co, LTD, New York, 2009.






Diogo Carvalho é historiador pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente desenvolve mestrado pelo Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade(UFBA), onde realiza pesquisas sobre o cinema soviético. Membro da Oficina de Cinema-História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (UFBA). Trabalha com os seguintes temas: cinema, culturas,História, cultura digital, política humanidades e literatura beatnik. diogocarvalho_71@hotmail.com








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Reencontrando a Felicidade: Nicole Kidman indicada a Melhor Atriz


Cartaz do filme Reencontrando a felicidade

Nicole Kidman é uma daquelas atrizes que consegue fazer um filme brilhar somente por conta de sua ótima atuação. Seu rosto bonito e seu corpo esguio fazem par formando uma beleza clássica. Muitos personagens que lhe fora oferecidos no decorrer de sua carreira contavam com esses seus atributos físicos. Tudo bem, afinal não tem como negar a beleza de Nicole Kidman. Felizmente seu talento vai além; para confirmar é só lembramos da prótese de nariz que Nicole usou durante os meses de gravação do filme As Horas. Ela precisava de um visual menos delicado e mais parecido como o de Virginia Woolf. Segundo ela, até os seus filhos a estranhavam e o mais incrível é que ela podia andar tranquilamente na rua, pois as pessoas não a reconheciam, logo, ficava livre do assédio dos fãs. 

Reencarnação - Nicole sofre para salvar o filme
É certo que nem sempre ela teve bons papéis, mas  sempre conseguiu fazer o espectador sentir fortes emoções através dos personagens que lhe foram dados. Vamos nos lembrar de um filme difícil, Reencarnação (Bird), 2004, em que Nicole conseguiu, de alguma forma, salvar um roteiro sofrível numa trama sem sentido, transformando um filme ruim em mediano. Mas, costumeiramente, se dedica a personagens e roteiros memoráveis de estilos diferentes que deixam a mostra toda sua versatilidade e o forte compromisso e cumplicidade com seus personagens.




Os Outros - Impecável atuação




Foram muitos filmes em momentos mágicos como os vividos em Os Outros (The Otlhers), 2001,  do cineasta chileno, radicado na Espanha, Alejandro Amenábar. Nicole surpreende mais uma vez na enigmática atuação de Grace, uma mulher misteriosa que vive em um casarão durante  a Segunda Guerra Mundial com seus dois filhos que sofrem de uma rara doença de hipersensibilidade a luz solar. No apavoro para deixar sempre as cortinas fechadas, Grace vive angustiada e tensa a espera do marido. Suspense e terror, sustos e mistérios levam os espectadores a delirarem com a atuação impecável de Nicole.

Dogville - Leve, doce e cruel

Já em Dogville, sem título específico para o português, 2003, de Lars Von Trier,  Nicole vive novamente uma Grace, só que bem diferente. Agora ela ocupa um espaço teatral num  cenário com uma estética a la teatro do absurdo, meio Samuel Becket. Lars apela para a estilização cênica teatral. Grace chega de fora e quer agradadar o vilarejo,  mergulhada nas dúvidas e incertezas de como proceder para ser amada; ela se corrompe, para sentir-se útil e querida. Bela virada da personagem que por ser filha de gângster não deixa "barato" as insultas que sofre. Crueldade com classe.

As Horas - Prótese de nariz

Em As Horas ( The Hours ), 2002, Nicole teve a oportunidade de contracenar com verdadeiras divas de Hollywood, como Merlin Streep e Julianne Moore, numa atuação em que exigiu muito da atriz, pois teve uma prótese colocada no nariz para encarnar a personagem deprimida e talentosa, Virginia Woolf. Mergulhada nas dores da personagem atua com firmeza e delicadeza.
Amor em Vermelho - Figurinos e cenários encantados


 Em Amor em Vermelho (Moulin Rouge), 2001, Nicole revive a cortesã Satine, contracenando com o ator Ewan McGregor, na pele do apaixonado Christin. Este remake de Moulin Rouge  virou um musical bem produzido, com figurinos e cenários impecáveis, que deram a Nicole Kidman a oportunidade de vivenciar a dança e o canto,  podendo mostrar toda sua beleza ressaltada em figurinos incrivelmente bem cuidados.

De Olhos bem fechados - último de Kubrik - sensualidade

De olhos bem fechados (Eyes Wilde Shut), 1999, de Stanley Kubrik, é uma viagem psicossexual em que Nicole contracena com seu então marido Tom Cruise. Entre alucinações, delírios e imagens surpreendentes, o filme faz uma viagem íntima e perigosa  ao encontro dos medos e desejos dos protagonistas.

Cenas de Reencontrando a felicidade - Com o talentoso estreante Milles Teller

Atualmente, Nicole está nas telas dos cinemas com o filme (Rabbit Hole), Reencontrando a felicidade, 2011, nome em português um tanto piegas para a grandeza do filme. Contracena com Aaron Eckhart fazendo um par muito interessante, em que representam Becca e Howie numa trama de muita dor, que consegue impressionar o espectador que acompanha o filme até o fim com muita emoção. O roteiro de David Lindsay Abaire foi baseado em sua própria peça de teatro. O filme tem mesmo uma pegada intimista com diálogos simples do dia-a-dia que tornam o filme natural e convincente.
Sem dúvida, as melhores cenas do filme estão no momento em que Nicole contracena com o estreante e talentoso Milles Teller, fazendo um duo intrigante em que as dores de ambos são faladas em diálogos leves e cheios de emoção.
Neste filme, Nicole conseguiu a indicação de Melhor Atriz ao Oscar 2011 concorrendo com a favorita Natalie Portman, atriz de Cisne Negro. Não levou a estatueta, mas a indicação, para ela, já é um reconhecimento da academia a seus muitos anos de trabalho. 





Bom filme !


Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO, nos Cursos de Artes Cienicas da FPA e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.





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As Cinemagrafias de Jamie Beck



O trabalho da fotógrafa novaiorquina Jamie Beck é renovador. Ela faz algo que está sendo chamado de "cinemagraphs" (qualquer coisa como “cinemagrafias”) e não falta nada para ser absolutamente extraordinário. As tais cinemagrafias são no fundo fotografias em que parte da imagem é dotada de movimento. É uma pena que o efeito final só é válido para suportes digitais, pelo menos por enquanto. E seu trabalho está centrado somente em fotos de moda e glamour.

A fotógrafa mudou totalmente o conceito de GIFs animados ao criar uma respeitada forma de arte, apresentando fotos extremamente impressionantes.
Para quem não sabe, os GIFs animados são famosos na internet. Entretanto, a grande maioria tem caráter humorístico e não guarda grandes preocupações com a qualidade das imagens. O que Jamie faz é exatamente o contrário. As imagens possuem incrível realismo e chamam atenção pelos detalhes.
Batizadas como “cinemagraphs”, ela busca não esgotar as possibilidades de uma imagem. Esta realmente parece ser a chave para criar uma arte respeitável.

Confira abaixo, algumas das belas criações dessa fotógrafa que conseguiu inovar seu trabalho.


 












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Izabel Liviski é Fotógrafa e Mestre em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual.  Escreve quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.

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Narrar o inenarrável - experiência da Semana de História em UFJF



Corrida essas férias quadrimestrais da UFABC. Pulando de um estado a outro, de Paraná da Ilha do Mel a Minas dos amigos de Juiz de Fora, de Minas a Rio de Janeiro com banca de qualificação de aluno, do Rio a São Paulo que me recebeu com esse frio estarrecedor, meus dedos quase congelam agora ao digitar. 
Em Minas, participei da XXVIII Semana de História dando a conferência Preconceito, Racismo e Antissemitismo da Segunda Guerra aos dias de hoje na última quinta-feira (12) e em Santo André, ontem (16), coincidentemente, participei de outra Semana de História, essa organizada pela Uniabc, na qual falei sobre a Tropicalização do Nazismo, o tema de meu doutorado. Foram experiências ótimas - ter novamente contato com os historiadores ou futuros - responder suas inteligentes indagações. Em Minas, reencontrei os "contemporâneos de Juiz de Fora", o grupo que me apoia na edição da Contemporâneos - Revista de Artes e Humanidades na qualidade de editores-assistentes. O olho no olho foi bom para planejar novos sonhos e alçar novos vôos.
  Auditório da UFJF/ 12.05.2011. Conferência sobre antissemitismo

Das duas conferências, me marcou em especial a discussão sobre memórias traumáticas e essa pretendo resumir aqui. Como nominar o inominável e narrar o inenarrável? Difícil, quase impossível para os sobreviventes dos campos de concentração. Em primeiro lugar, a experiência por si só é traumática o que dificulta a narrativa. Complica-se ainda mais porque a espécie de terror vivido foi tal que não se conseguia narrar o que foi  tão duramente experimentado por esse grupo. Ainda mais faltava-se a escuta. Quem porventura escutasse não tinha códigos suficientes para desvendar a essência da mensagem. Como escreve Primo Levi: "por que o sofrimento de cada dia se traduz constantemente em nossos sonhos, na cena sempre repetida da narração que os outros não escutam?" A consequência disso foi os sobreviventes voltarem calados para suas casas. Aquilo tudo não seria narrável por palavras.


O antissemitismo pode ser entendido como um catalizador do movimento nazista. Entender a especificidade do genocídio judeu significa pensar a morte em grande escala, em escala de indústria. Um mal estar do homem moderno. Não pensá-lo somente a partir da matança nos campos, mas a partir de toda uma Política de Estado que foi arquitetada com o objetivo de minar um grupo de seres humanos da face da terra. Lembrando rapidamente a cronologia, em 1933, com a ascensão de Hitler, começam os boicotes econômicos aos judeus, 2 anos depois, em 1935, são promulgadas as leis de Nuremberg que propunham separar - com arcabouço legal - os chamados arianos de não-arianos. Em 1938, acontece a Kristallnacht, noite dos vidros quebrados. Nesse momento, muitos judeus foram assassinados e sinagogas destruídas. O genocídio acontece como uma continuidade dessa política.
Walter Benjamin ao analisar a experiência das narrativas dos sobreviventes diz que pode acontecer um declínio da experiência (Verfall der Erfahrung), daí então, se observa o silêncio no lugar da memória.
Hoje em dia, felizmente, são muitos os projetos que visam o registro dessas narrativas. Não podemos deixar de dar sua devida importância lembrando do perigo, sempre latente, das correntes revisionistas e negacionistas.

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Exposição Contemporartes 14X Artes se encontra agora do Instituto de Artes da Universidade Federal da UFJF (Juiz de Fora/MG). Visitem!



Fotos da reunião dos Contemporâneos em Juiz de Fora em 11 de maio de 2011









Com muito pão-de-queijo para espantar o frio da noite, foram definidos vários projetos para as duas revistas, entre eles, a definição dos temas dos próximos dossiês e um evento para lançamento do próximo nr.



Ana Maria Dietrich é editora-chefe da Contemporâneos-Revista de Artes e Humanidades e coordenadora junto a Rodrigo Machado da Contemporartes-Revista de Difusão Cultural. Profa. Dra. Adjunta da UFABC.
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O outro e eu mesmo



Assisti na TV que existem no Brasil 27 mil Josés Pereira da Silva e que destes 813 tem mães chamadas Maria José da Silva. A reportagem explicava que o levantamento existe por causa da previdência social, que precisa certificar-se da existência real de seus beneficiados. Em caso de homônimos a previdência usa para diferenciar o nome da mãe.

Impossível não ouvir a reportagem, pelo menos impossível para quem estuda literatura brasileira, e não se recordar do início do auto de natal pernambucano: “Morte e vida Severina”, de João Cabal de Melo Neto. Eu, entretanto, lembrei-me também de um episódio bem particular, pessoal. Afinal, onde se encontrar outro Abilio ou outro Pacheco, outro Abilio Pacheco então...

Mas tem, e não tão poucos como eu pensara. Fui advertido por uma aluna quando eu lecionava na Escola Tenente Rego Barros. Uma aluna da sétima série. Quando cheguei à sala no primeiro dia de aula e fui me apresentar, a menina espigoita já havia dado uma googada no meu nome e foi emendando os “abilio pachecos” que ela encontrou na web. Eu ainda não tinha um site pessoal, mas não foi difícil para ela reconhecer qual era o “abilio pacheco” que entraria em sala. Não repito todos aqui, pois não vou privar o leitor da curiosidade e do trabalho de ir também ao Google (se o desejar, é claro!) e lá encontrar um rol de homônimos meus.

Um deles eu já conhecia de nome. Opa! Conhecer de nome é estranho. Digamos que um deles eu já havia dado de acordo que existia. E confesso que tive dificuldade de assimilar que aquele que eu via na TV tinha o mesmo nome que eu. Devia me sentir como as crianças que ao se depararem com alguém com o mesmo nome demoram a aceitar que isso seja possível.

Eu ainda morava em Marabá e cursava o mestrado em Belém. Colocava sempre a televisão para despertar por volta das cinco e meia. Assim eu poderia acordar bem cedo para ler, estudar e – raramente no hotel – escrever. Não sei precisar quanto tempo depois da televisão ligada, ele apareceu num programa sobre agricultura. Sei bem que ainda deitado, em vigília, eu ouvi: “Abilio Pacheco, da Embrapa, nos fala mais sobre...”.

“Abilio Pacheco”!? Saí dos lençóis, pus pés ágeis no chão, erguido cruzei os braços e fiquei olhando para aquele que não era eu, mas tinha meu nome. Ora, mal havia saído do sono. Estava letárgico e o Abilio Pacheco, pesquisador da Embrapa, nem de longe se parecia com o que eu via no espelho, nem de longe falava de literatura e estava explicando algo sobre cuidados com solo e plantis – temas que, confesso, não me agradam ou nem me atraem.

Quando lancei meu mosaico primevo fiquei com vontade de saber o endereço dele e para lhe mandar um exemplar autografado: “de Abilio Pacheco para Abilio Pacheco”, mas não encontrei, talvez não tenha me empenhado muito nisso. Ano retrassado quando Rui Baiano entrevistou-me na feira do livro, por ocasião do lançamento dos três volumes da Antologia Literária Cidade (vídeo) e do meu Riscos no Barro, fui ao youtube procurar pelas entrevistas e lá encontrei meu xará novamente falando sobre Silvicultura.

Existem outros episódios interessantes entre eu e os outros “abilios pachecos” ou apenas entre eu e algum outro Abilio. Ainda bem que estou longe 27 mil Josés Pereira da Silva o que reduz quase a zero a possibilidade de ter um homônimo com mães homônimas. Pelo menos nisso sei que não terei problemas com Previdência.


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