Pequena análise de "Chuva Oblíqua" - Fernando Pessoa



Em “Chuva Oblíqua”, observaremos um Fernando Pessoa que traz um exarcebado culto ao vago, ao sutil e ao complexo, principalmente em relação à influência que sofrera do futurismo e do cubismo, em especial do segundo, pois “O cubismo, preconizando a geometrização da arte pictória” oferece uma nova ótica, “nova ótica real, caracterizada pela fragmentação do espaço” (MOISÉS, Massaud, 1998, p. 95).

Há no poema um ser fragmentado, que não sabe quem é realmente. Pode-se explicar tal fato, porque “foi porque sentia com extrema intensidade que pôde aperfeiçoar, a um grau da loucura, sua faculdade de pensar” (MOISÉS, Massaud, 1998, p. 26).



Iniciemos pelo nome da poesia: Uma chuva que é oblíqua, é uma chuva inclinada e que incomoda por não ter como fugir dela; ela atinge as pessoas por mais que tentem se esquivar. Nesta chuva há uma intersecção, um cruzamento de elementos bons e ruins, desejáveis e indesejáveis, do real com o imaginário; elementos estes, que aos poços vão transpassando pela cabeça e pelo imaginário daqueles que são atingidos por tal chuva.

“ATRAVESSA esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...

O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...

Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...

Não sei quem me sonho...
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
e vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma...”

Parece-nos que Pessoa, nesta parte, está a relatar as desgraças pelas quais a alma passa: a ideia de da limitação, da escuridão, palidez, o desejo de se ultrapassar, a insatisfação, desgraças essas que fazem com que o eu- lírico compare o que ele quer, com as reais possibilidades de consegui-las, mas vê que não há como, deixa de relutar e aceita a vida que lhe foi dada.

Através do sonho ele tenta se evadir dos males em que vive. O sonho é mais uma busca de superar tantas coisas ruins que lhe acontece, mas todas as suas tentativas não surtem efeito, porque a existência do homem já é uma obrigação fatal.

Neste poema temos a intersecção do real (o porto) com o irreal (uma paisagem vivenciada, cheia de árvores). E a nau que entra pela alma do poeta nada mais representa do que o duplo pelo qual o eu - lírico está passando, pela intersecção do real com o irreal. Por fim o próprio eu- lírico não sabe o que se passa realmente ao seu redor, toda essa intersecção de idéias parece enlouquecê-lo de tal forma que seu pensamento se mostra repleto de contradições a todo o momento.

Neste poema de Fernando Pessoa, observa-se um processo de sobreposição de imagens com o cruzamento da paisagem presente com a do passado, o real com o irreal. Nele percebemos o intenso relacionamento entre as ideias, uma cruzando a outra, sobrepondo-se à outra, “O Interseccionismo seria o Sensacionismo em duas dimensões, um Sensacionismo visual, por assim dizer, que procuraria filosofar através de imagens ambíguas e paradoxos visuais transpostos para a poesia” (FERREIRA, Ermelinda, 1998). O eu –lírico confunde fragmentos de si com a realidade, real com o irreal. Ele tenta fazer um re-unificação dos elementos e de si próprio através deles.

No poema a intersecção parece ser uma tentativa  de unificação de partes que formam um todo, mas estão separadas, essa tentativa de unificação podemos perceber no cruzamento dos elementos do texto e até , em algumas partes, na união desses elementos. Observamos a existência de uma reflexão da própria alma fragmentada de Pessoa, reflexão essa que se dá a partir dessa do relato das paisagens contrárias, por um lado a marinha de outro a terrestre.

Segundo FERREIRA (1998):
Pessoa descreve o Sensacionismo como a realização, em arte, de uma "decomposição da realidade em seus elementos geométricos psíquicos, com a finalidade de aumentar a autoconsciência humana", e compara a sensação a uma figura geométrica, o cubo, declarando que, apesar de reconhecer a influência das telas cubistas na criação do movimento, não pretende, porém, realizar a decomposição das coisas, mas da sensação das coisas, ressaltando o componente psicológico de sua criação, na qual o paradoxo sempre exerceu um papel fundamental.

“Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...
Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,
E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro...

O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar...
Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no fato de haver coro...

A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste...
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel...

E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa...”

Percebemos também nesta passagem o intenso relacionamento de pensamentos em que os planos se cruzam, criando novas combinações de realidade. Esses pensamentos podem ser enumerados:

Chuva / Igreja iluminada
vento,água / Canto do coro
automóvel / Missa
 Festa da catedral / vento
O plano marinho/ terrestre

A partir dessa intersecção de planos, somos levados pelo próprio autor a penetrar no interior da sua alma- alma essa que nos parece tão confusa e conflitante como as imagens do poema, isso porque ela se mostra fragmentada. Tal alma se mostra dupla, na busca de sensações e imagens que lhes são impossíveis.

Segunda Saraiva (1996) Chuva Oblíqua é um poema de modelo interseccionista, em que as imagens “estão dispostas no sentido de desarticular a própria evidência da percepção” (SARAIVA,A. J e LOPES, O. 1996, p.1048).

É um poema totalmente imerso em contraposição de imagens, de idéias, que são sensoriais. Não é um poema feito para encontrarmos a “evidência da percepção”, talvez o que Pessoa quis, ao escrever este poema, é que as pessoas não busquem entendê-lo, pois seu objetivo era fazer um poema para que ele expressasse, através do pensamento, as sensações que ele vivia em determinado instante.
Para conferir o poema na íntegra, acesse aqui.





Rodrigo C. M. Machado é Mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa.
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São Paulo em Cena II: São Paulo é pano de fundo de tramas fílmicas.



O espectador entra na sala escura de cinema e faz um pacto de silêncio e credibilidade consigo mesmo. Deixa-se levar pelas imagens, sons e ruídos para adentrar no mundo fantástico da obra fílmica. Claro que o mundo lá fora continua sendo seu referencial pois tudo que existe na tela de alguma forma existe na estrutura das possibilidades de uma mente criativa de terrestres (moradores do planeta terra), mesmo quando o filme trata de ficção científica. A imaginação humana pode ir muito longe, a lugares incríveis e inimagináveis num primeiro momento, mas que se tornam verossímeis pela magia do cinema. É por este viés que o lugar onde a trama irá se desenrolar, o cenário fílmico, precisa ser bem pensado. Uma cidadezinha inventada muitas vezes são locações de estúdios que remetem a alguma cidade existente ou não no Mapa Mundi. Outras vezes, o cenário fílmico são compilações de outros vários lugares que remetem a um outro qualquer no mundo da imaginação.
Em “São Paulo em Cena II”  vou enfatizar a cidade de São Paulo como cenário fílmico. Lógico que se fosse pensar na quantidade de filmes que foram realizados tendo a cidade como cena seria possível escrever uma tese sobre o assunto. A idéia é fechar um recorte em filmes que considero significativos para pensarmos a cidade. Pesquisando a respeito, vi que existem muitos curtas metragens, vídeos e ensaios sobre a cidade de São Paulo, ou que possuem a cidade como pano de fundo ou que versam a respeito de sua historia. Então tive de escolher alguns que assisti e que achei relevante.


Ponte Estaiada 

Minhocão

 Em Ensaio Sobre a Cegueira (2008), filme de Fernando Meirelles baseado no romance homônimo de José Saramago, a cidade de São Paulo serve de cenário para quase todas as filmagens externas do filme, apesar da co-produção com o Canadá e Japão, São Paulo foi escolhida para cenário principal. Sem dúvida que Ensaio sobre a Cegueira é um filme paulistano principalmente no quesito "cartão postal" da cidade, reparem nas locações: As escadarias do Teatro Municipal, o Viaduto do Chá, a Avenida Paulista, o Minhocão, a Ponte Estaiada. A produção do filme pedia à CET para parar o trânsito no local da cena, jogava lixo na área durante a madrugada, filmava ao amanhecer e depois limpava tudo. O fato de Meirelles ser paulistano deve ter influenciado e muito na escolha da cidade de São Paulo servir de cenário desta incrível história sobre a cegueira humana. Os prédios, a Ponte Estaiada, o Viaduto do Chá, deram um charme especial ao filme, que também teve algumas cenas realizadas em Montevidéu e Toronto.

Cenas imitadas de filmes policiais (miscelânia oriental). Boas imagens noir

Cidade de Plástico, 2008, com direção do chinês Yu Lik-wai e roteiro de Fernando Bonassi, conta a história de Yuda (Anthony Wong Chau-Sang) e de seu filho Kirin (Odagini Joe) que prosperaram na cidade de São Paulo por conta de negócios mafiosos. A trama se passa  no bairro da Liberdade onde um imigrante chinês conquistou o poder de ser o chefe da máfia da pirataria no Brasil. O diretor é  chinês, mas o roteiro tem a participação de Fernando Bonassi, que escreveu Cazuza - O Tempo Não Para. O filme foi vaiado no festival de Veneza de 2008 e por conta disso foi remontado. O resultado final: uma mistura de filmes policiais com filmes chineses, com uma pitada incrédula de filosofia oriental.

Walmor Chagas como Carlos  - Lindas cenas de SP

São Paulo Sociedade Anônima (1965), com direção e roteiro de Sergio Person, dá ênfase ao caos urbano da cidade de São Paulo proporcionado pelo rápido crescimento industrial automobilístico dos fins da década de 1950. Walmor Chagas interpreta Carlos, um jovem de classe média inconformado que tenta alçar vôos mais altos e nunca se conforma com o que tem. Uma crítica à sociedade de consumo no desenfreado movimento de ter e criar cada vez mais necessidades.  Aqui a cidade de São Paulo é o cenário do filme, seus prédios, trânsito, negócios e competição. Person teve uma morte prematura em meados da década de 1970 mas este filme o deixou conhecido e marcou o cinema nacional.

Andrea Beltrão como Lucia, a mãe que faz tudo pelo filho presidiário - Imagens de caos e violênca em SP


Salve Geral, 2009, de Sergio Rezende revela alguns momentos de maio de 2006 relembrando os ataques do PCC contra policiais nas ruas de São Paulo. É um filme que discute temas polêmicos que envolvem policiais, corrupção e mostra de forma particular o evento que envolveu mais de 25 mil presos rebelados, 251 ataques e centenas de mortes. O filme trata dos ataques pelo viés de duas personagens: Lucia, uma professora de piano vivida por Andrea Beltrão e Rafael, seu filho que está preso. O filme evidencia as mulheres que atuam nos bastidores do Comando.


 Encanto e desejo para Iara
Medo e insegurança para Válter 


Em "Inquilinos", 2009, Sergio Bianchi mais maduro parece manerar nos escrachos,  presentes em "Cronicamente Inviável", 2000 e em "Quanto Vale ou É por Quilo?", 2005.  No entanto, sem abandonar o seu lado sarcástico, Bianchi conta  a história de uma família simples, honesta e trabalhadora que vive em um bairro de classe média baixa perto de favelas na cidade de São Paulo. O cotidiano pacato dos quatro personagens; pai, mãe e dois filhos explicitam os valores éticos e morais daquela família. Suas vidas seguem sem grandes intercorrências até  a casa ao lado ser alugada para três jovens  estranhos com hábitos suspeitos que provocam medo e insegurança em Válter, o pai de familia e angústia e desejo em sua mulher, Iara. A boa dosagem de suspense a la Alfred Hitchcook  desperta curiosidade e tensão durante o filme. Na verdade os novos inquilinos são membros do Primeiro Comando da Capital. Mais um filme que aborda as intercorrências do Comando na capital paulista. São Paulo pelo viés do poder paralelo.


Jean Claude Bernardet faz uma homenagem a SP via filmes de todas as épocas - recorte e montagem bem feitos

E o último desta edição é São Paulo Sinfonia e Cacofonia (1994), um curta de Jean Claude Bernardet, privilegia trechos inventivos de mais ou menos 100 filmes tendo a cidade de São Paulo como protagonista. A trilha sonora de Lívio Tragtenberg enriquece o curta. Lívio e Wilson Sukorski já fizeram a versão musical ao vivo, colocando aspetos da espacialização sonora  e ruídos com guitarras, saxofones, clarinetes, geradores sonoros. Bom para ver a São Paulo de todas as épocas e de todos os olhares. 
Na próxima edição mais filmes e músicas de RAP com cenas de SP.
Bons filmes !!!! 


Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO, na FPA nos cursos de Visuais e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.




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Blaxploitation – Quando o funk dominou o cinema



No começo da década de 70, um gênero de filmes tornava-se sucesso, embalado pela emergência dos movimentos sociais nos EUA, era o cinema blaxploitation.  Com o propósito de questionar o papel dos negros no cinema tradicional, o movimento blaxploitation - união dos termos black (negro) com exploitation (exploração) - marcou toda uma época. O primeiro grande sucesso de público foi o longa policial Shaft (1971). 

Isaac Hayes com Shaft levou a música negra ao mainstream americano

Com o sucesso de Shaft, diversos filmes blaxploitation ganharam às telas. Como qualquer gênero ou movimento cultural, a produção black da época oscilava entre obras originais e filmes que não passavam de paródias de sucessos “brancos”. Destacam-se filmes como Superfly (1972), Trouble Man (1972), Coffy (1973), Cleópatra Jones (1973), Black Caesar (1974), Foxy Brown (1974).



Suingue e balanço negro
A malandragem das ruas e a revolta contra o preconceito racial embalados em funks e souls da melhor qualidade. A trilha sonora dos filmes blaxploitation é um dos melhores momentos da história centenária do cinema. Artistas de expressão e, nos melhores momentos de suas carreiras, como Isaac Hayes, Curtis Mayfield e James Brown emprestaram seus nomes e talentos pela causa e ajudaram ainda mais a mitificar o cinema negro da década de 70.


O primeiro grande sucesso do blaxploitation, Shaft, conta com a lendária trilha de Isaac Hayes que imortalizou a canção “Them from Shaft” ganhadora do Oscar de melhor canção em 1972. O tema que surgia com um efeito de pedal wah wah na guitarra e a voz grave de Hayes exaltando o personagem que marcou toda uma geração. Nascia um cinema para o público que não queria mais saber de heróis comportados e brancos que apenas representavam a classe dominante americana. A série de filmes que exploravam a violência e, digamos a “vingança” dos negros frente ao sistema, teria como contraponto uma música de altíssima qualidade com diversos astros de gravadoras como a Motown e a Stax.


O que dizer do suingue e balanço malandro da trilha de Superfly de 1972? Curtis Mayfield cria uma obra prima em que os grooves do seu funk e soul fazem com que tenhamos uma grande simpatia pelo protagonista traficante e barra pesada. “Superfly”, “Freddie’s Dead” e “Pushman”, são alguns clássicos do disco que vendeu mais de um milhão de discos e recebeu quatro indicações do Grammy da época. Era o auge do Blaxploitation e isso refletia em mais trilhas feitas com gênios da música negra.


 Para quem deseja conhecer as trilhas (e os filmes) a coluna indica: Shaft (Isaac Hayes, 1971), Black Caesar (James Brown, 1973), Trouble Man (Marvin Gaye, 1972) e Cool Breeze (J.J. Johnson, 1973). Hell up in Harlem (Edwin Starr, 1974), Blacula (Gene Page, 1972), The Mack e Foxy Brown (Wille Hutch, 1973 e 1974 respectivamente), Cleopatra Jones (J.J. Johnson, 1973). 

As trilhas black influenciaram diversos filmes como 007 Viva e Deixe Morrer, que tem a faixa título de Paul McCartney, mas as demais canções de George Martin abusam de elementos black. Outros filmes “brancos” que traziam trilhas negras são Bullit (1968) com muito cool jazz, Dirty Harry – O Perseguidor Implacável (1971) e Operação Dragão (1973), entre outros.




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O Beijo de um Anjo




Na rua um corpo de mulher
nu... atirado ao chão
a chuva a encobrí-lo
como um manto
em pesadas gotas
faz muito frio...
parece adormecido
entregue a dor tão profunda
que não se move
deixando a água a fluir sobre si
como um rio que banha
momentaneamente se move
aparentemente desperto
de um sono profundo
mas não encontra
forças para se erguer
e assim se mantem ao chão
mas seu espírito se eleva
nas asas de uma libélula
um anjo de luz
que voeja em raios de sol
num vôo de libertação
O sol perpassa
as gotículas de chuva
e nuvens se formam
e se avolumam
cálidas, alvas e envolventes
e brilham como estrelas
que pouco a pouco vestem
esse corpo de mulher
envolvendo sua nudez
em flocos brilhantes
enquanto seu corpo
antes inerte se ergue mais e mais
e ao ir se erguendo
quando completamente
coberta por uma veste
de nuvens algodoadas
de uma brancura alva
e purificadora
começa lentamente a caminhar
em direção a branca luz
e dela se aproxima
compreendendo o real sentido
compreendendo que sua vida findara
entrega seu corpo ao negro pássaro
e sem mais resistência
liberta seu corpo que jaz
Assim...
Inicia-se o bailado da vida e da morte
e a alma, enfim, se liberta.











Ianê Rubens de Mello nasceu no Rio de Janeiro (RJ). É educadora e pós-graduada em Pedagogia. Identificada com as diversas propostas em textos literários, escreve também com resultados diversificados. Seus textos incluem contos, crônicas, aforismos, haicais e poesias. Alguns deles são publicados na internet, em sites, blogs e revistas eletrônicas. Escreveu um livro de contos do rock "Rocktales" com o escritor Beto Palaio, em análise pela Editora Record.

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POETAMIGOS VII


UM POETAMIGO MAIS QUE ESPECIAL

Ele é Prof. Livre-Docente da Faculdade de Medicina da USP e Chefe do Serviço de Urologia da PUC-Campinas. Tem artigos sobre a área de saúde publicados em várias revistas e também no site www.momentosaude.com.br. É autor de inúmeros livros, entre eles "Doutor, é câncer? – Como enfrentar com conhecimento e esperança uma das doenças que mais afeta a população mundial" (Editora Hagnos), que visa ajudar pacientes e também as pessoas da família a lidar com a doença, o sofrimento e, especialmente, a verbalizar "câncer" de maneira apropriada, permitindo que o assunto seja tratado com abertura e sensibilidade.

Hoje a coluna Uni.verso traz os seus versos incisivos, cortantes, dotados também de poética e beleza únicas.

Esse é o POETAMIGO Dr. Lísias que agora apresento a todos vocês – um verdadeiro especialista no que faz, tanto na medicina quanto na literatura. Apreciem!


DECLARAÇÃO
Lísias Nogueira Castilho (Campinas – SP)

- Você me ama?

Amo com um amor delicado,
Que busca só o olhar, sem pecado.
E que não toca, nem faz corar,
E se contenta em ver e adorar.

Amo de um jeito que não faz doer,
Nem chorar, nem magoar, nem sofrer.
Que só pensa em fazê-la mais bela,
'Inda que para nunca mais tê-la.

Amo pacientemente à espera
De um futuro melhor. (Quem me dera!).
Tudo creio, suporto e espero
Porque seu amor pleno é o que quero.

Amo e de tanto amar sofro e choro.
E acordado ou dormindo eu... namoro.
Como um apaixonado garoto,
Mistura de inocente e maroto.

Amo como ama a irmã um cristão.
Com puro coração, sem paixão,
Com recato, carinho e pudor
Como se você fora uma flor.

Amo de modo obsceno e indecente.
Amor ciumento e inconveniente,
Sem ética, só instinto. Com fome
De um bicho que devora...e dorme.

Amo com egoísmo e calor,
Buscando só o prazer até à dor.
Como um incontinente selvagem,
Sem respeito e muita sacanagem.

Amo com impaciência e paixão,
Cheio de sedução e tesão.
Com loucura que nada contenta,
Nada recusa e tudo experimenta.

Amo com dor e alucinação
Como se eu mesmo não fosse são.
Quero você mais que o Paraíso.
Sem você "viver não é preciso".


Camaleão

Às vezes eu te quero como um bicho
Com pouco sentimento e muita ação
Mais carne e muito menos coração
Devoro-te, sim, só por um capricho

Momentos há, no entanto, que te vejo
Menina que quer colo e meu afago
O toque é santo e o meu discurso é vago
Do bicho em mim eu mesmo te protejo

Assim é o meu amor camaleão
O brilho de teus olhos faz de mim
Bicho um dia e no outro teu guardião

Tem paciência comigo, devorada
Porque antes que tudo chegue ao fim
Verás que por dois seres foste amada



AVESSO

Eu te amo como se ama uma puta,
Utilitariamente, sem vínculo.
E te dedico um carinho chulo,
De uma impessoalidade absoluta.

E te uso como um descartável,
Que hoje é e amanhã não existe,
Sem me importar se te tornas triste
Ou com a vida irreconciliável.

Eu te quero como um coadjuvante,
Substituível em qualquer época,
Importante como um cu-de-foca,
Relevante como um chá-broxante.

Importa-me o que ganho contigo
E o que de ti posso aproveitar.
Não me faz qualquer sentido o par;
Só penso em mim e no meu umbigo.

És-me caro como um vitiligo
E chato como a dor de cabeça
Que a gente quer que nunca aconteça.
Odiosamente, teu inimigo


Abraços literários e até +.





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