Literatura e História: uma discussão sem fim?


Há discussões que muitos julgam ultrapassadas, mas que sempre vêm a tona, exatamente, por não terem sido esgotadas. Uma delas diz respeito às pesquisas que realizo no mestrado, a relação entre Literatura e História.
Parece ultrapassado afirmar que a História de caráter positivista foi, de certa forma, descredenciada ao longo dos anos, principalmente, após estudos de Hayden White, Georges Duby, Carlo Ginzburg, entre outros. Também parece ser conhecido que ambas as áreas em questão têm muitos elementos em comum. O que as torna diferentes, segundo Luiz Costa Lima, seria o foco narrativo. Enquanto uma busca chegar mais próxima à “verdade”, a outra possui maior liberdade de criação, não tendo nenhum compromisso com essa “Verdade”.
Hoje, venho aqui tentar “colocar mais lenha na fogueira”, ao apresentar um poema do poeta norte-americano Walt Whitman. Ele já vislumbrava no século XIX que essa discussão relacionada à aproximação entre as áreas seria algo a causar muitas e muitas discussões. Vamos ao poema:
A um historiador

Você que fala das coisas passadas,
tem explorado só o lado de fora,
as superfícies das raças,
a vida como ela se deixa ver,
tratando o ser humano
como uma criatura de políticos,
agregados, governantes e sacerdotes...
Eu, habitante dos Alleghanies,
tratando-o como ele de fato é
em seus plenos direitos,
tomando o pulso da vida
que raramente se deixa entrever
(o grande orgulho do homem consigo mesmo):
cantor da Personalidade, rascunhando
o que ainda está por vir
- O que eu projeto é a história do futuro.
(WHITMAN, 2002, p. 14).

Como observamos, para o poeta, o trabalho do historiador seria menor, já que ele só consegue espreitar pelo lado de fora das coisas, sem nunca compreendê-las completamente. O historiador faria, de alguma forma, um trabalho raso, vendo somente “a superfícies das raças”, não conseguindo observar o ser humano dentro de sua particularidade, julgando-o “como uma criatura de políticos/ agregados, governantes e sacerdotes...”.
Por outro lado, engrandecendo sua técnica e a poesia em si, o poeta fala de si próprio como alguém que trata o ser humano como de fato ele é, buscando, para retratá-lo, “o pulso da vida/ que raramente se deixa entrever”. O poeta seria, desta maneira, alguém a frente de seu tempo, em busca constante daquilo “que ainda está por vir”, alguém que projeta a história do futuro.
Nessa discussão, que a cada dia é retornada, renovada, muitos e muitos historiadores, poetas, escritores de literatura em geral já sublinharam suas opiniões. O importante é sempre trazer novos subsídios que contribuam cada vez mais para uma altercação que a cada dia se faz mais presente nos estudos de muitos estudiosos e de muitas áreas do saber.

Referência Bibliográfica:

WHITMAN, Walt. Folhas das Folhas de Relva. Tradução Geir Campos. São Paulo: Brasiliense, 2002.









Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen.
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“A Pele que habito” de Almodóvar, traz o conflito do outro em sua própria pele.




Sensações à flor da pele. Corpo como objeto de apreciação, desejo, possessão. Cárcere que guarda de forma asséptica um corpo aprisionado pelos desejos oprimidos do outro. Pele perfeita, indestrutível, objeto precioso, resultado de anos de experiências proibidas com transgênicos. O voyeurismo é o único contato permitido com este corpo esculpido,  alvo e macio no qual habita um outro ser; escondido, perdido e amedrontado. “A Pele que Habito” de Almodóvar está em cartaz nos cinemas do Brasil mostrando o lado clean do diretor espanhol.
 O filme é uma releitura do livro “Tarântula” do romancista francês Thierry Jonquet que faleceu em 2009. Antonio Banderas está impecável no papel de Robert Ledgard, um cirurgião plástico  obcecado pela perfeição.

Almodóvar, genial, conserva a submissão e o encarceramento vividos pela personagem principal do livro mas subverte a história ao discutir  a identidade do ser humano e a sua impermeabilidade gerada por traumas sociais. Numa mistura de Frankenstein e  Pigmaleão, “A pele que Habito” traz à tona um conflito identitário do ter e ser; ter um corpo perfeito, construído pelo outro,  mas que é habitado por um ser seu, desconhecido. Até que ponto o criador tem domínio da criatura? A submissão é incurável? Penso na relação das personagens Luck e Pozzò, em "Esperando Godot" de Beckett, a submissão e a escravidão estão acompanhadas da fragilidade. Fragilidade que gera medo, medo que gera passividade e dor.
Corrente simbiótica encontradas nas relações de poder.

A construção do meu corpo pelo outro
O criador e a criatura
Um lugar asséptico para o corpo habitar
Vera (Elena Anaya) e Marília (Marisa Paredes)
Esta discussão perpassa pelo desejo, pela sexualidade e pela prisão que o comportamento sociabilizante exige do corpo, submetendo-o a signos construídos por entidades de fora dele, por preceitos dogmáticos preconcebidos e pressupostos. Mesmo com muita seriedade ao questionar o ser, Almodóvar não abandona seu estilo. É possível ver no filme o suspense à la Hitchcock; o voyeurismo, expondo uma realidade diegética da sociedade do espetáculo, o sadismo leve e irônico e os costumeiros estupros cômicos e sem importância, que muitas vezes nem são consumados como tal.

Kika em "o estrupo inconsistente"
Áta-me e por favor, não desate-me jamais
Momento de descobrimento da sexualidade é interrompido pelo padre em "Má Educação". Trauma e violação.

Lembro-me de “Kika”, 1993, outro filme do diretor que mostra um estupro pouco convincente transmitido em uma Rede Nacional de televisão por Andrea Caracortada, uma jornalista de um reality show que anda com uma câmera de TV sobre sua cabeça para filmar as bizarrices do dia-a-dia. Paul Buzzo, um ator pornô, passa horas na cama com  Kika em um ato interminável de estupro (inconsistência de consumação). Já em “Ata-me”, 1989, Rick, recém saído do hospital psiquiátrico, vai atrás de sua ex-namorada, Marina Osório, em seu apartamento; amarra-a para fazer um pedido de casamento desejando que seja mãe de seus filhos. Em “A Pele que Habito”, os estupros são definitivos pois realinham a história, desde o não realizado até o leve e cômico praticado pelo perverso Tigrão. 

Zeca, criado na Bahia, fala português com sotaque espanhol ( Roberto Álamo )
O personagem Zeca aparece para gerar  um grande ponto de virada na trama. Zeca (também conhecido como Tigrão), criado na Bahia,  fala português com um sotaque bem espanhol, momentos impagáveis do filme.
Só em “Má Educação”, Almodóvar coloca o ato de violar o corpo com uma carga traumática e irreversível; dolorido, problemático, traumatizante, àquele sofrido pelo menino na escola de padres e que muda toda a sua vida.

Antonio Banderas e Almodóvar, invensíveis ..... o tempo não apagou essa amorosa e ardente paixão cinematográfica.

Almodóvar e Antonio Banderas estão ótimos. Dupla infalível que leva-nos a momentos de questionamentos com cenas intensas e apaixonantes. Almodóvar mistura melodrama com suspense, comédia e ao mesmo tempo instiga o espectador, derramando sua genialidade superando os gêneros cinematográficos.
Vale muito a pena assistir “A pele que Habito”. Fiquem com o trailer.


Até o próximo filme! 


 Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega. 
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Neblina sobre trilhos no I Seminário Nacional LEPCON: Minorias e suas Representações na Universidade Federal em Juiz de Fora






Colaboradores do projeto Neblina sobre trilhos, representaram nas apresentações referente a atuação de cada um e seu aprendizado com o documentário no I Seminário Nacional LEPCON: Minorias e suas Representações na Universidade Federal em Juiz de Fora.

O Rafael Antunes Caitano, Bacharelando em Ciência e Tecnologia /UFABC, que dirige e edita o documentário comigo, apresentou:

Produção do documentário na Vila de Paranapiacaba, como forma de representação do social
A produção do documentário Neblina Sobre Trilhos, realizado pela ProEx da Universidade Federal do ABC e financiado pelo retrata a partir de entrevista dos ferroviarios na vila de Paranapiacaba – Santo Ándre, dada a sua transformação com o cultural e o através do resgate da implantação e desenvolvimento da São Paulo Railway, a primeira via férrea construída no estado de São Paulo, mostrar a trajetória de luta dos ferroviários desde a construção da ferrovia, passando por todo o século XX colocando em contraste com a situação atual desta importante categoria profissional.
Mostraremos o processo histórico de mudança em que todo o cenário da região foi se transformando sensivelmente com a presença da via férrea e como se encontram hoje as estações e cidades que surgiram e ainda hoje permanecem sob influência desta construção ocorrida no século XIX e os impactos desta influência para as comunidades da região.
Fernanda, Felipe, André, Melina, Eloi, Soraia, Rafael, Juliana, Ana e Carlos.
O Eloi Pisaneschi de Melo, Bacharelando em Ciência e Tecnologia pela UFABC:

Neblina Sobre Trilhos – uma viagem no tempo dos ferroviários

O documentário Neblina Sobre Trilhos, realizado pela ProEx da Universidade Federal do ABC e financiado MEC/Sesu, feito a partir do depoimento de ex-ferroviários e moradores da vila de Paranapiacaba, busca traz o contraste da situação a atual com o passado recente. Tratando do processo histórico da mudança em que todo o cenário da região se transformou desde 1898 ate hoje. A multidisciplinaridade do projeto promove também o entendimento de que todas as áreas do conhecimento precisão ser utilizadas.

A História sobre trilhos neste viés compõe a formação de um mosaico em que cada problemática especifica completa a analise da totalidade. Desta forma a relação interdisciplinar entre as ciências sociais e a tecnologia formam uma unidade. Minha comunicação abordará as experiências no tratamento das fotografias e designs de interfaces das cenas, de como é dado o viés cultural e transformação do social, dado como um meio interativo de maneira didática.


Gerador de Caracteres - GC
Fotografia Soraia e Arte Gráfica desenvolvida pelo Eloi.
A Fernanda Gonçalves Furtado, Bacharelando em Ciência e Tecnologia pela UFABC:

Uso de fotografias históricas em documentários Estudo de Caso: Documentário Transformação Sensível - Neblina sobre Trilhos.

Muitas vezes a história regional é desconhecida pela própria população local. Uma história que faz parte da construção do que é importante para todos hoje. Ela é um processo que todos devem conhecer para que se possa dar importância aos patrimônios históricos, ou seja, uma lembrança que restou de uma época. A partir dessa proposta o documentário Transformação Sensível – Neblina sobre Trilhos, realizado pela Próreitoria de Extensão da Universidade Federal do ABC, com apoio do MEC/MINC durante os anos de 2009-2011 mostra através de narrativas orais de ex-ferroviários suas perspectivas da história da Vila Paranapiacaba. Reelabora-se a memória de ferroviários que foram, em geral, esquecidos pela população regional e tenta-se a partir disso mostrar a importância dessas pessoas na construção da vila. Busca-se a transformação sensível dessa população para todos passem a dar valor ao que foi construído e acima de
tudo transmita para as próximas gerações. Nessa comunicação, priorizaremos a metodologia do uso de fotografias no presente documentário que serve muito mais do que ilustração, mas como complemento documental às narrativas orais. Elas são utilizadas na narrativa audiovisual para elucidar partes da cronologia histórica.

Fernanda, Felipe, André, Melina, Katia, Eloi, Rafael, Soraia, Juliana e Ana.

Por fim, compartilho o resumo da minha apresentação:

Trabalho e transformação, atividade prático sensível.

Participo da produção audiovisual que busca estabelecer um diálogo entre passado e presente da vila ferroviária, a Vila de Paranapiacaba, narrados, principalmente, pelos protagonistas, os ferroviários. Nesta comunicação gostaria de expor o objetivo crucial que provocou a idéia do documentário:

O de retratar a capacidade do gênero humano que em função de sua atividade prática transforma a sociedade em que vive.

*

Clique aqui para acessar o caderno de resumos na íntegra.

Professora Dra. Ana Maria Dietrich
Coordenadora do projeto.


Acesse, curta e comente também a nossa pagina no facebook, com fotos, informações e vídeos do projeto ou relacionados a ele:

http://www.facebook.com/NeblinaSobreTrilhos

Muito obrigada,

Soraia Oliveira Costa, graduada em Ciênciais Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA). Trabalha com fotografia, audiovisual e oralidades desde meados de 2007, quando começou a analisar o cenário urbano, a natureza, o trabalho, as transformações sensíveis, os transportes, o comportamento, a cultura, a arte... Atualmente é documentarista no projeto "Transformação sensível, neblina sobre trilhos", documentário aprovado pelo MEC/SESu.
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Cotas medidas paliativas


            Quero falar sobre as cotas para os afrodescendentes, há uma divisão e discursão muito grande a favor e contra.
            É um tema que vem sendo discutida em inúmeras reuniões, palestra. Mas vemos que ao longo dos anos a discriminação e o racismo não diminuíram. E com isso os cotistas são desprezados mediante a sua condição. 
            Acredito que as cotas, é como se fosse os primeiros socorros, de uma doença muito grave que necessita de remédios que atuem diretamente na causa. Não podemos viver tampando buracos, ou tentar compensar mais de 300 anos de escravidão com medidas paliativas.
            Necessitamos sim de politicas públicas que atuem diretamente na ferida, precisamos de ações que permitam que negros e brancos tenham as mesmas oportunidades a começar nas escolas infantis. Precisamos de uma educação que permita que todos tenham acesso aos mesmos conteúdos com qualidade. 
Quando falamos de ações afirmativas é como se tivéssemos dando um novo significado a palavra justiça social, que nada mais é do que a busca constante de garantir um tratamento único por parte do Estado. Esse universalismo, trás consigo a conotação de que devemos tratar as pessoas de maneiras uniforme, mas a grande dificuldade é que esse tratamento único ou universal não garante tratamento igual. Se os cidadãos são separados por classes sociais, automaticamente no dia a dia terão oportunidades e acessos diferenciados a direitos e serviços.
            Não sou contras as cotas, mas são poucos os negros que tem e terão acesso a elas, se não conseguirmos medidas que diminuam o abismo social de nada adiantará essas medidas paliativas com cara de esmolas. 
            Precisamos sim que a sociedade tenha negros e brancos com a participação ativa da sociedade para que medidas reais e duradouras pensadas e aplicadas. 
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