RAINBOW GATHERING: A CONTRACULTURA NÃO MORREU...


“Traga coisas boas. Você ficará surpreso de que o que você realmente precisa é na verdade muito pouco. Traga amor, abraços e boas energias e o mais importante: traga você mesmo”.

Esse é o convite que consta no site do grupo Rainbow Gathering como é conhecido. O grupo existe há 39 anos e tem como objetivo reunir pessoas de diferentes culturas e pensamentos interessadas em uma nova vivência, completamente à parte da sociedade capitalista tradicional, “fora da Babilônia”, como definem os participantes. Os encontros chegam a reunir cerca de 30.000 pessoas e predominam em sua filosofia, conceitos de paz, amor, harmonia e liberdade. Alguns definem esses happenings como os maiores encontros hippies do mundo.

Alguns encontros do grupo, que ocorreram na Espanha, México e Canadá, foram fotografados durante três anos pelo fotógrafo canadense Benoit Paillé, participante do grupo há sete anos.

As fotografias são raras, pois o Rainbow Gathering não costuma permitir a produção de imagens durante seus encontros, que podem durar alguns dias ou até  alguns meses. Paillé captou a beleza daqueles a quem se refere como seus irmãos e irmãs, resultando em belíssimas fotografias repletas de cores, olhares e sentimentos puros.

Ainda segundo Paillé, o grupo se define como “comunidades temporárias de vários lugares do mundo que costumam viver em diversos ambientes a céu aberto para praticar ideias de paz, amor, harmonia, liberdade e espírito de coletividade, com o objetivo de se contrapor ao consumismo, ao capitalismo e à comunicação de massa”. É uma espécie de contracultura, um tipo de comunidade que era bastante comum nos anos 60, época em que hippies se encontravam em seus trailers e viviam juntos por algum tempo.

Confira abaixo as belas imagens de Paillé:































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Izabel Liviski é Fotógrafa e Professora de Sociologia, disciplina na qual é Mestre e doutoranda pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e da Cultura, escreve a coluna INCONTROS desde 2010, e é atualmente co-editora da revista.

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O diálogo entre os tempos do Neblina sobre trilhos




A produção de um documentário possibilita mostrar a realidade social da comunidade e refletir as situações apresentadas de maneira mais abrangente, atingindo em vários graus a sociedade como um todo procurando manter uma relação de grande proximidade com a realidade, respeitando um conjunto de convenções. Dado pela utilização de um discurso pessoal de um evento que prioriza exigências mínimas de verossimilhança e literalidade. E esse livre discurso dos depoentes nos traz próximos a realidade. Cito Manuela Penafria: “a perfectibilidade do filme dialoga com a imperfectibilidade dos ‘intérpretes’, personagens reais do mundo existente” (Livro: O filme documentário – história, identidade, tecnologia - 1999 - Editora Cosmos - Lisboa;).


Os atuais moradores da vila de Paranapiacaba percebem a vida de uma determinada forma. A forma histórica que é síntese das categorias dinâmicas de um presente e de um passado que se comunicam em uma via de mão dupla. De acordo com o historiador Marc Bloch (2001): “essa solidariedade das épocas tem tanta força que entre elas os vínculos de inteligibilidade são verdadeiramente de sentido duplo”. Amparados na perspectiva de que “a ignorância do passado não se limita a prejudicar a compreensão do presente, [mas] compromete, no presente, a própria ação” (BLOCH, 2001)’ é possível a narrativa do histórico desenrolando a bobina do filme em sentido inverso das seqüências. A partir de um documentário, o diálogo entre os tempos é mote perfeito para o caminhar na via de mão dupla do conhecimento histórico.
O encontro das oralidades em um documentário – com seus métodos e mecanismos particulares, já consagrados como ferramentas que contextualizam e aproximam as pessoas do objeto retratado, do qual “não tiramos apenas prazer, mas uma direção também” (NICHOLS, 2008) – permite a seleção e o tratamento do material colhido da realidade que capacita à construção de uma perspectiva investigativa e reflexiva sobre a história do passado e do presente.
Cito Manuela Penafria: “Cada seleção que se faz é a expressão de um ponto de vista, quer esteja ou não consciente disso. Assim, a sucessão das imagens e sons, cujo resultado final é um documentário, tem como linha orientadora o ponto de vista adotado e encontra na criatividade do documentarista seu principal motor.” (PENAFRIA, 1999)
Do ponto de vista da constituição social local, encontrou-se uma comunidade desorganizada, socialmente vulnerável, isolada geograficamente e distante dos centros comerciais e postos de trabalho, em que está inserida e cerceada por leis de preservação patrimonial e ambiental que restringem suas ações. Sua história é pouca difundida pelo próprio municio e desconhecida para as demais regiões da capital. A difusão do turismo observa-se que a comunidade ainda não esta preparada, tanto em infra-estrutura como em equipamentos urbanísticos.


Nessa visão critica, buscou-se na produção do documentário a retratação do social dado pelas características históricas da vila, sendo o projeto construído pela história oral através dos depoimentos dos ex-ferroviários. A oralidade da memória encontra expressão criando espaços de resgate de vivências esquecidas pela história oficial e pelo movimento do progresso.


Rafael Caitano é estudante de Engenharia Ambiental da UFABC e documentarista do Neblina sobre Trilhos que conta com financiamento da Pró-Reitoria de Extensão da UFABC.
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AVE MARIA



O meu sonho sempre foi ser freira. Chamar-me Maria. Mas nasci com asas, sem ser anjo. Posso me aproximar de Deus de outra forma. Consigo subir até Sua casa.


 Antes de a noite acordar pela manhã, as irmãs libertam a respiração do convento pelas janelas: “Tum-tum”, “Tum-tum”, escuto o coração do convento pulsando em reza. Ah, se não fosse ave, seria freira! Como é encantador ouvir os passos delas flutuando pelo piso frio do convento, como se voassem, sem abrir as asas. Logo começam as xícaras a tocar piano e eu sinto o aroma de café.

O convento é um grande ninho onde moram anjos em forma humana. Gosto de sobrevoar os telhados e sentir o calor que irradia pelas suas janelas. O próprio sol visita as suas dependências e depois se esparrama pelos seus pátios e frestas. Fico tão emocionada, que arrulho de encantamento.

Às vezes, sinto saudade do cheiro verde das matas e voo até lá. Como é extasiante sentir odores tão diferentes! A maresia, que salga as narinas. O café quente do convento. Os perfumes de banho dos humanos que andam de um lado para outro, como formigas trabalhadeiras. Sou mesmo uma ave privilegiada, testemunho a história desse povo todos os dias. De um lado, as doces beatas; do outro, o salgado mar de botas molhadas. O vento traz  folhas da mata, que acariciam os rostos dos homens. O chafariz respinga lágrimas de felicidade desse solo abençoado.

Outro dia, muitas nuvens se aproximaram do convento. Extasiada, deitei-me sobre o telhado e permiti que as águas doces me banhassem de todas as minhas decepções. Eu aceitei quem eu era. Como havia pessoas humanas e animais, havia eu, ave. Tantos similares e tantos diferentes, convivendo com árvores e mares, chuvas e risadas. Únicos e realizados. Filhos da natureza. Pais de nossos sonhos.

Eu sempre quis ser freira. Mas nasci ave. Acho que a vida foi muito generosa comigo. Não sou uma pomba qualquer. Sou uma ave brasileira, alegre como uma cigana, viajando entre o mar, a mata e a cidade, em um tapete mágico movido a vento. Sou uma ave maravilhada. Sou uma ave dessa terra santa.



Simone Alves Pedersen nasceu em São Caetano do Sul e hoje mora em Vinhedo, SP. Formada em Direito, participa há três anos de concursos literários, tendo conquistado inúmeros prêmios no Brasil e no exterior. Tem textos publicados em dezenas de antologias de contos, crônicas e poesias. Escreve para jornal, revista e diversos blogs literários. Escreveu o primeiro livro infantil em 2008, o “Vila felina” seguido de Conde Van Pirado, Vila Encantada, Sara e os óculos mágicos, Coleção Pápum e Coleção Fuá. Para adultos lançou “Fragmentos & Estilhaços” e “Colcha de Retalhos” com poemas, crônicas e contos: http://www.simonealvespedersen.blogspot.com/

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Ferreira Gullar: vida e poesia.



“A vida é inventada, a quantidade de acasos é uma coisa muito grande, sou agnóstico, não procuro respostas para tudo, só sei que gosto de estar aqui”. Assim começamos a falar de José Ribamar Ferreira, ou apenas, Ferreira Gullar. O pseudônimo tem uma história interessante, que o poeta explicou em uma de suas conferências: "Gullar é um dos sobrenomes de minha mãe, o nome dela é Alzira Ribeiro Goulart, e Ferreira é o sobrenome da família, eu então me chamo José Airton Dalass Coteg Sousa Ribeiro Dasciqunta Ribamar Ferreira; mas como todo mundo no Maranhão é Ribamar, eu decidi mudar meu nome e fiz isso, usei o Ferreira que é do meu pai e o Gullar que é de minha mãe, só que eu mudei a grafia porque o Gullar de minha mãe é o Goulart francês; é um nome inventado, como a vida é inventada eu inventei o meu nome".


Nascido em setembro de 1930 na cidade de São Luís, é considerado um dos fundadores do neoconcretismo no Brasil. Além de poeta também tem uma estreita relação com outros tipos de artes, sendo inclusive crítico.

Em sua estadia no Rio de Janeiro, participou do movimento de poesia concreta, se destacando entre tantos outros. No ano de 1956 participou da exposição concretista, considerada como o marco oficial de início da poesia concreta no Brasil. Afastando-se depois, fundou o movimento neoconcretismo, juntamente com Lígia Clark e Hélio Oiticica. Contudo, abandona o movimento anos depois.

Ganhou inúmeros prêmios ao longo de sua carreira, sendo inclusive a ser indicado por diversos professores do Brasil, EUA e Portugal para concorrer ao Prêmio Nobel de Literatura no ano de 2002. Ganhou o Prêmio Jabuti em 2007 e 2011 e o Prêmio Camões, em 2010, ano que também foi honrado com o título de Doutor Honoris Causa, pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Entre suas obras e seleções realizadas por críticos literários, destacam-se:

* Um pouco acima do chão, 1949
* A luta corporal, 1954
*A luta corporal e novos poemas, 1966
* Poema sujo, (onde localiza-se a letra de Trenzinho do Caipira) 1976
* O formigueiro, 1991
* Muitas vozes, 1999
* Em alguma parte alguma, 2010
* Antologia poética, 1977
* Ferreira Gullar - seleção de Beth Brait, 1981
* Os melhores poemas de Ferreira Gullar - seleção de Alfredo Bosi, 1983


TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?


MAU DESPERTAR

Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum

Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas

Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorre
uns restos de treva.

METADE

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que tristeza;
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão...

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para faze-la florescer;
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção...

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.

Renato Dering é escritor, mestrando em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), sendo graduado também em Letras (Português) pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Realizou estágio como roteirista na TV UFG e em seu Trabalho de Conclusão de Curso, desenvolveu pesquisa acerca da contística brasileira e roteirização fílmica. Atualmente também pesquisa a Literatura e Cultura de massa. É idealizador e administrador do site EFFI, que divulga o cinema e conteúdos audiovisuais. Contato: renatodering@gmail.com @rdering

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Crônica da pelada perdida


Sair de sua cidade natal para ir morar em outra cidade é uma experiência ímpar. Ainda mais quando a mudança é de uma cidade de pouco mais de vinte mil habitantes para outra com pouco mais de meio milhão. Parece que é tudo novo. Outras pessoas, outros papos, outros lugares, outra vida. Só que não dá pra se esquecer de onde vem. E andando pelas ruas da nova cidade ainda me lembro de detalhes e nuances da velha cidade.

Na quadra da rua debaixo as crianças sempre jogam bola. E eu, sempre que passo por ali, não posso deixar de reparar nisso. Gosto mais quando são as criancinhas mesmo que jogam. Eles correm demais, sem pensar e sem se preocupar com esquema tático ou coisa parecida. Eles sorriem demais, sem pensar e sem se preocupar com os contratos milionários e o assédio da imprensa.

A leveza e a simplicidade dessas crianças me encantam. O eterno clichê da inocência infantil pode ser mencionado aqui. Eles são mesmo inocentes e estão sempre pedindo a bola, quase sempre levando tombos e quando marcam lindos gols comemoram com seus amigos e atingem uma felicidade lúdica e verdadeira.

É dessa felicidade, vivida em minha terra natal, que eu me lembro. Do tempo em que todo mundo tinha seu uniformezinho: camisa gigante que nossos pais colocavam dentro do short, tão gigante quanto, que caia até os pés, calçados por um meião e um tênis qualquer.

Era o tempo da escolinha de futebol. A escola que quase todos os meninos queriam ir. Tinham os mais marrentos, os mais chorões, os mais gordinhos e os mais valentes. Todos só queriam saber de correr, gritar e fazer gol! As disputas pra ver quem marcava mais gols, quem se assemelhava mais com o ídolo do time de coração e por aí vai.

Existiam dias que a animação era tanta que o jogo transcendia a escolinha. Alguém levava uma bola extra e depois da escolinha o pessoal ia pra rua jogar. Eram as primeiras peladas da minha vida. E talvez a primeira de todas elas já seja uma pelada perdida em minha mente. Lembro-me de flashes: amigos se machucando e chorando, meninos da rua pedindo pra jogar também, o que era sinônimo de rivalidade, de gírias e dribles novos. E como modéstia pouca é bobagem, se não me engano deixei meus gols também. Sempre lá na frente pedindo bola e trombando com os zagueiros adversários. Doces lembranças.

E assim a pelada perdida de outrora é hoje motivo pra contar histórias, pra lembrar-se de sentimentos e sensações da infância no interior. Quando olho pros meninos de hoje vejo a força dessa brincadeira chamada futebol, vejo o encanto dessa experiência existencial chamada infância e o poder dessa paradoxal experimentação que é a vida.






 Rogério Arantes Luis, nascido em 1992, em São Gonçalo do Sapucaí-MG, graduando em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Cursa também disciplinas na Faculdade de Comunicação da UFJF. Tem textos e poemas publicados.

A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.
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