ATADA EM NÓS

 






ATADA EM NÓS


Não sei se por descrença
ou mero descuido
ou talvez por falta de jeito
sinto em ti algo de distante


naturezas distintas
que por vezes se tocam
para tornar a desencontrar-se
logo adiante


Não sei se o que em mim habita
peca por um excesso de sensibilidade
e ao desnudar-me ante seus olhos
decepciona-te a falta de um disfarce


Eu a desvelar-me em sentires
você a encobrir-se em véus
Eu a brotar em palavras
transbordo em emoções que não contenho
você em se território seguro permanece
em sua base sólida não se arrisca



Assim, retraio meu sentir e me resguardo
sofrer por amar não quero mais
e em minha teia de certezas me recolho
fechada, em mim, permaneço protegida




Ianê Mello



*Fotografia de Alysha Hernandez.





MEU REFLEXO


parte de mim
que em ti se esconde
revela mistérios
acende olhares
desata nós

parte de mim
em você se manifesta
na pureza ingênua
no sorriso franco
na nudez consentida

parte de mim
é você meu espelho
onde minha imagem
vê-se refletida


Ianê Mello



*Pintura de Sergey Ignatenko


*** 




Ianê Rubens de Mello nasceu no Rio de Janeiro (RJ). É educadora e pós-graduada em Pedagogia. Identificada com as diversas propostas em textos literários, escreve também com resultados diversificados. Seus textos incluem contos, crônicas, aforismos, haicais e poesias. Alguns deles são publicados na internet, em sites, blogs e revistas eletrônicas. 






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O Bom Ladrão




       Olá caros leitores,


      Nesta sexta apresentamos a crônica “O Bom ladrão”, reflexão sobre as ironias e inconstâncias nas experiências humanas. Ao percebermos as misérias e dores do outro, conseguimos enxergar as nossas próprias.



O Bom Ladrão

Renata Cordeiro & Adriano Almeida



      Deve significar uma liberdade muito grande isso, ser um cara perigoso. Perigo por perigo, imagina o bom que deve ser poder andar em qualquer lugar, afinal de contas “eu também sou perigoso!".
       Sempre tive curiosidade com as vidas que acontecem nos prédios velhos de perto da rodoviária. Acho graça dos cartazes de 'madames' e 'mães' fazendo de conta que prevêem o futuro. Alguma coisa nisso tudo me atrai o olhar. Não sei bem o que é, mas tenho medo.



      Uma vez conheci um homem, um vigarista que morava com Madame Custódia e se dizia sobrinho dela. Ele era bonito e chegou à empresa se apresentando como Washingtonney da Silva. Mulato dos olhos azuis, tinha uma voz doce e sotaque baiano. Lembro do dia em que meu patrão o contratou e me entregou a carteira de trabalho para que eu levasse ao contador. Lembro também que daí três meses ele sumiu junto com uma quantia considerável em dinheiro. E foi nesse dia que descobrimos que Washingtonney da Silva nunca existiu.
      O Sebastião chamou a polícia. Foram dar busca na casa de Madame Custódia, mas encontraram a pobre arrasada em lágrimas. O 'denguinho' lhe havia abandonado, era o que o bilhete dizia: "Mainha, tenho que ir, pois, não posso te contar o motivo, mas vão me procurar logo, logo. Foi bom enquanto durou. Beijos desse seu amor que não volta mais".



      Soube-se com as investigações que Custódia fora, durante nove meses, mainha, tia e amante do denguinho. Mas dessa Madame ele só levou mesmo a ilusão, nada material. Até por que, ela não tinha muita coisa.
      Os bons ladrões são assim, ainda que nos levem tudo, roubam só o que nos sobra.









Renata Cordeiro é uma historiadora-musicista. Cantora, compositora, mineira. Como escritora tem percorrido os caminhos da crônica, da poesia e das narrativas em prosa. Suas produções se fazem numa simbiose entre elementos que vão da música aos profundos insights históricos.







Adriano de Almeida é pesquisador na área de cultura, imaginário e simbologia do espaço. Mineiro, tem se dedicado a escrever poemas, crônicas e contos. Seus escritos, de caráter introspectivo, retratam, quase sempre, questões da existencialidade humana.

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Na UTI psiquiátrica: Imposturas intelectuais



São 15º na terra do operário presidente e chove calmamente lá fora. Aqui dentro, aquecida por meias, blusas e uma touca exótica, estou eu, mais em uma madrugada, inquieta e voraz, pesquisando um pouco de tudo, perdida na imensidão de links, entre os rankings de periódicos acadêmicos e as últimas discussões sobre as teorias queer. O pão está quente. A abertura do forno permite que eu aproveite o calor produzido a partir da conversão de energia. Ouço um velho filósofo brasileiro defunto, que ousou propor seu sistema filosófico e como pena foi lançado ao ostracismo. Termino mais uma mapa conceitual sobre teorias de desenvolvimento e aprendizagem. Faço downloads e uploads, tenho quedas em minha conexão, instabilidades, silêncios. 

Tomo mais uma xícara de chá, dou uma espiada no Facebook. E é de lá, que começo a pensar sobre o que pode ser chamado de "impostura intelectual". Tal termo não é criação pessoal, mas título de obras e discussões de pessoas que criticam certos comportamentos deploráveis que têm rondado o meio acadêmico contemporâneo. Não gostaria de me restringir ao que tem sido produzido na academia, mas olhar para como tem atuado seus agentes nos mais diversos âmbitos da vida. Como considero tais seres pacientes graves da UTI psiquiátrica, só me cabe fazer um breve diagnóstico. Para aquel@as que querem proteger seus intelectos, almas e corpos de toda sorte de malícia e desvirtuamento promovido por estas criaturas, faço esta breve exposição.

São pacientes bondos@s, sorridentes, demonstram um certo grau de erudição, parecem possuir genuíno interesse em ajudar as pessoas próximas, quase sempre são religios@s íntegr@s (antes na religião, hoje na ciência), estão envolvidas com as causas sociais, se preocupam com a "defesa" da educação, são defensor@s dos animais, estiveram na campanha "adote uma árvore", usam belas sacolas de pano com aquela palavra bonita enorme "sustentável", defendem um Estado forte, são guardi@s da brasilidade, dos brasileirismos, do Brasil!, são democr@ticas e defendem a diversidade, desde que seja entre @s companheir@s; lutam contra a pedofilia, mas não se importam muito com o fetiche da "colegial" e por fim: acreditam que estamos no caminho certo!

Imbuíd@s da sapiência de segunda linha, do espírito revolucionário d@s marxistas de botequim, das certezas (pseudo) científicas do século XVIII, do misticismo materialista, da luta sem luto, da ilusão de nobreza baseada em títulos acadêmicos, de um egoísmo messiânico e arrogante, de um discurso anti-acadêmico e de uma razão instrumental que deve servir as "causas", el@s aparecem como um pequeno tumor no já decadente ambiente intelectual e cultural brasileiro. Defendem e praticam a vulgaridade intelectual, regurgitam dogmas sem mesmo conhecer as bases  do que consideram ser o mais "novo" e "inovador" insight d@ últim@ intelectual de origem francesa; numa ato de arrogância, ingenuidade e ignorância aburda, consideram-se detentor@s de um "conhecimento libertador". 

Em seu vocabulário típico algumas palavras e expressões serão repetidas diversas vezes e com muito vigor: "capitalismo", "opressão", "dominação", "lutas", "direita", "realidade", "salvar" ... a lista é imensa, mas torna-se mero conjunto de generalidades que buscam apenas exprimir algum "envolvimento" com problemas sociais de gente que não compreende as bases dos excrementos que jogam sobre as pessoas. 

São astut@s, enganam facilmente @ observador@ menos atent@. Como lob@s em pele de cordeir@, agem como vítimas que estão sendo atacad@s por algum comando militar conservador. Em qualquer debate ou discussão, ops, está aí mais um sintoma do quadro clínico: são incapazes de dialogar ou debater e se você tentar fazer isso, será considerad@ "alienada", "entregue ao sistema" e "individualista egoísta". El@s são ágeis com termos, não precisam pensar sobre eles, apenas sacam de seu cabedal dogmático a placa que mais combina com a vitrine que está vendo. Logo, a via do debate não é eficaz para tratar este tipo de paciente. 

  Este lado para cima

Querem a autoridade acadêmica, mas sem fazer uso de seu rigor. Querem o respeito da comunidade filosófica e científica, com base na pretensa defesa de "causas sociais" obscuras que criam em suas mentes degradadas e exigem que sejam referendadas pela Ciência e pela Filosofia. Ou seja, querem a autoridade e o título, mas nada de rigor ou trabalho pesado que lhes tornem apt@as para isso.  @s velh@s escolásticas quase enfartam quando encontram com esta trupe. @s cientistas ficam boquiabertas diante de um avanço tecnológico tão grande e da imbecilidade intelectual crescente. @ jovem estudante ri, considera apenas mais uma tribo que está participando da vida acadêmica e cultural do país. 

Ouço o balanço da cadeira, no fundo da sala está @ velh@ filósof@, diretora da clínica de metafísica aplicada. Ela olha tristemente para a minha pessoa e diz: filha, est@ paciente é um caso grave, não temos condições técnicas para tratá-l@. Com a nossa dependência governamental, faltam diversos recursos. Temos apenas 2 litros de metafísica, 5 kg de epistemologia, a caixa de ética está pela metade, temos 15 ampolas de lógica, mas muit@s pacientes são alérgicas ao produto, chegaram 2 sacos de descontrução, mas é material experimental, não posso usar com pacientes graves. A ressonância magnética diagnosticou que este tipo de paciente tem um vazio enorme dentro da caixa cerebral e esta é constituída de diamante (resplandece uma luz sem fim em contraste com a escuridão que abriga), ou seja, nada dentro, nada entra e nada sai. 

Triste e me considerando fracassada, perto do horário de sair da clínica e ir para o hospital, cansada por mais um plantão na clínica de metafísica aplicada, minha velh@ filósofa me reconforta: minha jovem, aceite os limites da razão. Nem todas as pessoas podem viver a plenitude de uma vida racional e emocional equilibrada e prosseguir rumo ao desenvolvimento pleno de suas capacidades humanas. A Filosofia trabalha com argumentos racionais, as Artes com expressões genuínas do ser, a Ciência com os métodos experimentais, mas nem todas as formas de vida humana conseguem suportar esse grande mundo de descoberta, reflexão, expressão e experimentação. Para estas, é inútil tentar usar nossos medicamentos, eles não fazem efeito. São pacientes crônicos, alguns em estado terminal, só nos resta o consolo para que suas almas perturbadas descassem em paz e bem longe de nós, para que consigamos seguir em nossa fé triunfante, um@s salvando corpos e outr@s salvando mentes, em busca de um mundo menos ignorante e degradado.

Tatyane Estrela é graduanda no Bacharelado em Ciências e Humanidades e no Bacharelado e Licenciatura em Filosofia na Universidade Federal do ABC. Integrante do grupo de pesquisa ABC das Diversidades. Bolsista de iniciação científica do CNPQ, no qual desenvolve pesquisa com o seguinte tema: Formação e atuação de entidades de representação LGBT no grande ABC: Impactos na formulação de políticas públicas.


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Ética e a pílula da farinha


Apresentamos hoje um texto de Diana Mendes, estudante de Filosofia da UFABC, que analisa o caso  caso microvlar-placebo, no qual mulheres tomaram medicamento anticoncepcionais sem efeito, os placebos - na época também conhecidos como “pílula da farinha” - produzidos pelo laboratório Schering em 1998 no Brasil.




Ética utilitarista e pílula da farinha




Analisamos o caso em questão pela corrente teleológica, ética utilitarista. No utilitarismo, sofrimento significa falta de ética. Nessa corrente a ação deve visar a felicidade para o maior número de pessoas e é focada nas conseqüências que geram o bem para a maioria. 



No caso do microvlar-placebo, como há dor e sofrimento causado na ação do laboratório Schering, há falta de ética, pois com a chegada das pílulas de teste às farmácias, não havia nenhuma garantia do efeito das mesmas, portanto levava a compra de um produto que não cumpria com as condições que ele mesmo prescrevia. Sendo assim, o produto não cumpriu sua função de ser uma prevenção à gravidez e isso poderia atingir e causar dor a muitas pessoas, como as mulheres que tomavam a pílula e não tinham condições financeiras para estar engravidando, ou mesmo estar mudando o plano de vida com a gravidez. 



Não só como mães, estaria presente o antiético, mas também como consumidoras, porque estariam pagando por uma propaganda enganosa. Outro fator a se pensar é na duração e intensidade da ação. A duração é longa, pois os reflexos causados pela dor da gravidez imprevista duram muito, na verdade, pela vida toda da mãe e da criança. A intensidade é grande, pois o número de pessoas afetadas no começo das vendas das embalagens com pílulas testes e após meses vendendo as mesmas é maior, não só as mulheres são afetadas, mas sim famílias e a vida das crianças que estão por vir são envolvidas. A falta de ética pode ser constatada também na demora de um mês da notificação do laboratório, nesse tempo quantas mulheres podem ter sido afetadas com o erro de distribuição das pílulas corretas e pílulas testes da empresa. O laboratório teve interesses econômicos, para não perder rendimento ou até credibilidade e clientes, e onde há interesse não há ética e não se pensa no bem para a maioria das pessoas.




Para as mulheres que tomaram as pílulas, quais seriam as conseqüências de uma gravidez imprevista? Elas teriam que arcar ou não com a gravidez? Fazer um aborto seria ético e um direito das mesmas? Até que ponto a vida delas mudaria com um filho (a)? Mesmo elas tomando as pílulas para se precaver e não engravidar, seria uma ação correta não criar a criança? Como consumidoras, é ético com elas, elas pagarem por um produto que não cumpre seu efeito e sofrerem as conseqüências disso, sem nenhum ressarcimento do laboratório? São questionamentos a se fazer. 



O resultado disso, é saber que a ação do laboratório foi antiética, mas as mulheres também estão lidando com o bem maior do ser humano (a vida) e elas também tem que pensar na felicidade das crianças que virão para que as conseqüências de suas ações não gerem mais sofrimento. Como prática, pode-se sugerir indenizações como citadas no texto, para que se garanta o bem estar das crianças e das mães, ou criação de ONGs que auxiliem na educação e formação dessas crianças. Ajuda psicológica para as mães que necessitem de apoio familiar para estruturar essa nova família com a vinda de um filho. Iniciativas de bolsa auxílio e muitas outras medidas.





Para os fornecedores, é ético não arcar com as conseqüências da ação de ter levado pílulas testes para venda em farmácias? Como não querer indenizar uma consumidora afetada pelo não-efeito do seu produto, isso é correto? É certo ter consciência das mulheres que poderiam ficar grávidas e ainda sim tardar a divulgar tal erro? Manter o interesse em não atingir a empresa, economicamente e na imagem da mesma e não pensar nas consumidoras, é justo? 

O resultado dessa reflexão leva à falta de ética, colocar o interesse do bem da empresa, acima do bem dos consumidores é trazer muito mais sofrimento. Ainda mais quando esse bem é a vida, o maior de todos, pelo qual todo ser humano deve zelar. Como medidas práticas, pode-se citar maior precisão e eficiência na distribuição dos produtos, garantindo a distribuição correta das embalagens corretas. Nesse caso haver um consenso entre a empresa, fornecedores e o PROCON (um órgão que assegure e defenda os direitos do consumidor), retirada de todas pílulas testes de circulação e ressarcimento, da maneira que for melhor, as pessoas prejudicadas. Além de um controle de qualidade eficiente e fiscalização constante.




Diana Mendes é estudante de Filosofia da UFABC




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Canções do Silêncio




Semana passada publiquei meu comentário sobre os documentários a respeito da ditadura militar brasileira e destaquei um documentário feito sobre a Guerrilha do Araguaia. Minha memória me trouxe à tona uma canção que ouvi num dos Festivais da Canção em Marabá. Resolvi procurar a letra pra publicar neste espaço. A canção se chama “Banzeiros” e está num CD intitulado “Um canto pela paz”, 2002. Ouça a canção aqui. Ou acompanhe todas as cançõs do CD aqui.


Banzeiros

Ainda existe maresia
Os banzeiros da floresta
Não espante galhos secos
Senão a morte desperta
São tantas suposições
Formando um grito de alerta.

Não existe dor maior
Onde a angústia se espalha
Só o bem-te-vi que viu
O silêncio e a batalha

Só o bem-te-vi que viu
Os meninos do Araguaia
Os meninos do Araguaia
Os meninos do Araguaia

 Resolvi procurar outras canções que falassem sobre a Guerrilha do Araguaia e encontrei esta canção de Itamar Correia, do CD Araguaia Meu Brasil (1984), mas que antes esteve num compacto de 1982, pela edições Sobradinho. Ouça no youtube a canção desta letra. No mesmo youtube, é possível ouvir outras canções do mesmo compositor.

Canto de Xambioá

http://toquemusical.files.wordpress.com/2008/08/itamarcorreiap.jpg
Xambioá
Mata virgem e escura, foi lá
Que no meio da mata
Um amigo de infância
Tentou começar

Ah foi por lá
Onde o povo sofreu pra contar
Como um jovem sozinho
Valia por trinta
Em qualquer lugar

Ei Araguaia
Rio manso pra se navegar
Quando o braço da gente
Abraça a nascente
O novo raiar

Eh Marabá,
Altamira, Estreito, olhe lá
Ainda brilha até hoje
A vida do povo
Que morreu por lá

Ei meu irmão
Você fez renascer o sertão
E o maior contingente
Não viu o tamanho do seu coração

Pedra não para o caminho
Fogo não queima o luar
Eu já não canto sozinho
Canto em Xambioá



Abilio Pacheco é professor universitário, escritor e organizador de antologias. Três livros publicados. É membro correspondente da Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense (com sede em Marabá), integra o conselho de redacção da Revista EisFluências, de Portugal, é Cônsul dos Poetas Del Mundo para o Estado do Pará e é Embaixador da Paz pelo Cercle Universal des Ambassadeurs de la Pax (Genebra-Suiça). Site: www.abiliopacheco.com.br.


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