O Bom Ladrão
Olá caros leitores,
Nesta sexta apresentamos a crônica “O Bom ladrão”, reflexão sobre as ironias e inconstâncias nas experiências humanas. Ao percebermos as misérias e dores do outro, conseguimos enxergar as nossas próprias.
O Bom Ladrão
Renata Cordeiro & Adriano Almeida
Deve significar uma liberdade muito grande isso, ser um cara perigoso. Perigo por perigo, imagina o bom que deve ser poder andar em qualquer lugar, afinal de contas “eu também sou perigoso!".
Sempre tive curiosidade com as vidas que acontecem nos prédios velhos de perto da rodoviária. Acho graça dos cartazes de 'madames' e 'mães' fazendo de conta que prevêem o futuro. Alguma coisa nisso tudo me atrai o olhar. Não sei bem o que é, mas tenho medo.
Uma vez conheci um homem, um vigarista que morava com Madame Custódia e se dizia sobrinho dela. Ele era bonito e chegou à empresa se apresentando como Washingtonney da Silva. Mulato dos olhos azuis, tinha uma voz doce e sotaque baiano. Lembro do dia em que meu patrão o contratou e me entregou a carteira de trabalho para que eu levasse ao contador. Lembro também que daí três meses ele sumiu junto com uma quantia considerável em dinheiro. E foi nesse dia que descobrimos que Washingtonney da Silva nunca existiu.
O Sebastião chamou a polícia. Foram dar busca na casa de Madame Custódia, mas encontraram a pobre arrasada em lágrimas. O 'denguinho' lhe havia abandonado, era o que o bilhete dizia: "Mainha, tenho que ir, pois, não posso te contar o motivo, mas vão me procurar logo, logo. Foi bom enquanto durou. Beijos desse seu amor que não volta mais".
Soube-se com as investigações que Custódia fora, durante nove meses, mainha, tia e amante do denguinho. Mas dessa Madame ele só levou mesmo a ilusão, nada material. Até por que, ela não tinha muita coisa.
Os bons ladrões são assim, ainda que nos levem tudo, roubam só o que nos sobra.
Renata Cordeiro é uma historiadora-musicista. Cantora, compositora, mineira. Como escritora tem percorrido os caminhos da crônica, da poesia e das narrativas em prosa. Suas produções se fazem numa simbiose entre elementos que vão da música aos profundos insights históricos.
Adriano de Almeida é pesquisador na área de cultura, imaginário e simbologia do espaço. Mineiro, tem se dedicado a escrever poemas, crônicas e contos. Seus escritos, de caráter introspectivo, retratam, quase sempre, questões da existencialidade humana.
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