As três mulheres do sabonete Araxá





         Hoje é um daqueles dias em que sabemos que nossa vida exige um pouco mais de poesia. Afirmação abrangente como essa pode nos levar a milhões de postulações e questionamentos, mas, simplesmente, para mim, neste dia sinto-me impelido a mergulhar na obra poética de um poeta brasileiro tão conhecido e que merece mais atenção. Manuel Bandeira. Não nos embrenhando tanto na vida e história deste autor, nos deixemos levar por alguns poemas que fazem parte do rol daqueles de que mais gosto (Os interessados em saber sobre esse poeta, acessem aqui).

Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.
(BANDEIRA, 1985, p. 208)

       Sabem aquelas impressões de leitura que temos à primeira vez que lemos algo que nos toca? Quando li esse poema aos 16 anos fiquei impressionado com a amizade entre o menino e o porquinho, mas o último verso me deixou muito curioso. Como assim, primeira namorada? Só, anos depois desta primeira leitura, voltei ao poema e comecei a perceber que esse poema é uma rememoração do eu lírico quanto ao momento da infância em que ele dedicava todo seu afeto a um animalzinho de estimação, tão arredio. O último verso surge com um tom cômico, no qual alguém relembra a infância e os amores que ali surgiram.
Outro poema que me deixa sempre muito apaixonado é “Irene no Céu”:

Irene no céu

Irene preta

Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:
— Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
(BANDEIRA, 1985, p. 220).


          Esse poema também lido, primeiramente aos 16 anos, me deixou um pouco triste na primeira vez que com ele travei contato. Pensava nas muitas Irenes que há pelo mundo, tantas mulheres boas, bem humorada que possam a vida a cuidar dos filhos dos outros. Essas memória do eu lírico fizeram com que diretamente eu descobrisse as minhas próprias. Bem lembrei de tantas pessoas que conheci de bem com a vida e sempre de bom humor, todas capazes de chagar ao céu e pedir licença a São Pedro, bem como Irene faria.
O último poema que destacarei hoje também marca essa minha primeira leitura de Manuel Bandeira, em uma época que eu ainda nem imaginava me embrenhar pelos campos da literatura, mas que com certeza, a leitura dos versos deste grande artista contribuíram, e muito, para minhas escolhas, neste caso, profissionais e pessoais.

Balada das Três Mulheres do Sabonete Araxá 

As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam.
Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde!
O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!

Que outros, não eu, a pedra cortem
Para brutais vos adorarem,
Ó brancaranas azedas,
Mulatas cor da lua vem saindo cor de prata
Ou celestes africanas:
Que eu vivo, padeço e morro só pelas três mulheres do sabonete Araxá!
São amigas, são irmãs, são amantes as três mulheres do sabonete Araxá?

São prostitutas, são declamadoras, são acrobatas?
São as três Marias?

Meu Deus, serão as três Marias?

A mais nua é doirada borboleta.
Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, dava pra beber e nunca mais telefonava.
Mas se a terceira morresse…Oh, então, nunca mais a minha vida outrora teria sido um festim!

Se me perguntassem: queres ser estrela? queres ser rei?
queres uma ilha no Pacífico? Um bangalô em Copacabana?
Eu responderia: Não quero nada disso, tetrarca. Eu só quero as três mulheres do sabonete Araxá:
O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!
(BANDEIRA, 1985, p. 228).

           Este último poema de M. Bandeira eu deixou para que cada leitor possa degustar e, se puder, compartilhar conosco as suas próprias impressões de leituras nos comentários. Eu só digo que daria “O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá”.

Referência :
BANDEIRA, Manuel.Poesia Completa e prosa. Volume único. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1985.

Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen.

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Beto Brant em Eu receberia as Piores Notícias... : corpos que se amam numa trama de sexo, amor e Brasis....

Beto Brant faz cinema como quem cria poesia. Sua estética cinematográfica vem da observação do caos das grandes cidades, de suas perversões e amores vivenciadas num mundo fragmentado de luzes, cores e sons. Os faróis dos carros, as luzes das baladas, os totens luminosos, fachadas de bares, são delineados por sons de buzinas, pneus que rolam no asfalto e que se mesclam aos sons musicais de rock, de música eletrônica e de rap. 
Beto Brant
Neste universo de Brant também coexiste o espaço interno, entre quatro paredes as ardentes relações amorosas desvelam personagens enigmáticos que intercalam; silêncio, conversas filosóficas com transas ardentes. Em sua verve poética evidencia planos seqüências, enquadramentos fechados e pausas para contemplar.  Solto e enigmático, ele se dá luxo de desbravar o íntimo dos personagens, faz isso como ninguém. Tem a seu favor, a capacidade de ser gentil com os atores, dando-lhes espaço para discutirem e criarem a corporalidade dos personagens em cena; olhares, vozes, sussurros e movimentos.
Marçal Aquino

Não é à toa que o diretor tem como parceiros o escritor e roteirista Marçal Aquino e Renato Ciasta, na maioria de suas produções, exaltando a poesia via mazelas e amores humanos. Os eixos dramáticos de seus filmes, perpassam por questões políticas e sociais nas quais expõe, entre outras coisas, a sobrevivência humana no submundo urbano. Denuncia de forma escancarada a impunidade e a violência nestes Brasis de meu deus, fortalecidas pelo descaso das autoridades.
Camila Pitanga 
Em seus últimos filmes, Brant se rende as relações amorosas extremas, mais intimistas com paixões intensas vividas até as últimas conseqüências.  Em Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios, especificamente, propõe um pensamento mais direcionado ao Estado do Pará, expondo, como pano de fundo, o desmatamento, o abandono do poder público e a religião, estruturarando um triângulo amoroso que tem a personagem Lavínia como pivô.
Corpos suados, nus, entregues aos desejos mais nobres e devassos do amor; bocas, lábios e pernas que se enroscam entre peitos, cabelos e mãos. 

Imagens do filme Eu Reberia as Piores Notícias ...
Essas que percorrem caminhos  inusitados de prazer num ambiente fechado, constante, como em um ninho de amor cercado por tintas, câmeras, telas... A arte presente. Câmeras fotográficas, quadros, poesia, teatro; a metalinguagem  é o combustível de Brant para discutir a arte e a vida, a paixão e o desejo.
Beto Brant percorreu um caminho de sucesso e prêmios em suas produções audiovisuais, que vão desde videoclipes de músicas dos Titãs, como todas do álbum Titanomaquia, 1993, passando pelo curta , 1993, ganhador do prêmio de melhor curta-metragem no Festival de Havana e aportando nos seus três primeiros longas: Os Matadores, 1997, Ação entre Amigos, 1998, e O Invasor, 2001, que registram cenas de violência urbana e política. Filmes também premiados em Festivais, como por exemplo O Invasor , que foi premiado como: melhor diretor, melhor trilha sonora e melhor ator revelação para Paulo Miklos, do Titãs, no Festival de Brasília. 
Cão sem Dono
Crime Delicado
Num segundo momento, Brant se empenhou em realizar filmes mais poéticos e intimistas: Crime Delicado, 2005, Cão sem Dono, 2007, O Amor Segundo B. Schianberg, 2009 e Eu Receberia as Piores Notícias dois seus Lindos Lábios, 2011, e é exatamente nestes que o diretor se deleita entre poesia, corpos e arte....
Na mistura de violência e paixão, os filmes traçam caminhos que, delicadamente levam o espectador a adentrarem num universo claustrofóbico, às vezes circular, de corpos que sentem e falam. Corpos que sentem e pensam, falam e interagem com este pensamento, como num círculo que retoma ao seu ponto inicial, voltando-se sempre para o corpo.
Eu Receberia as piores Notícias dos seus Lindos Lábios, foi inspirado no livro homônimo de Marçal Aquino, publicado pela Companhia das Letras, 2005. Aquino já foi parceiro de Brant em outros filmes e a boa química da dupla pode ser conferida, por exemplo, em: O Amor Segundo B. Schianberg e Cão sem Dono.
A história do triângulo amoroso entre a inquietante e sensual Lavínia ( Camila Pitanga), o pastor Ernani (Zé Carlos Machado) e o fotógrafo Cauby (Gustavo Machado)  reafirma a fase do diretor em focar suas atenções nas relações complexas e inquietantes. A fotografia compõe o eixo artístico e temático do filme. O amor de Cauby por Lavínia perpassa pelo olhar da objetiva. Fotos de Lavínia povoam a casa do fotógrafo e os olhos dele são os da própria objetiva da câmera. Como em Crime Delicado, em que o pintor necessita das  tintas e telas para amar sua musa. Em Eu Receberia as Piores Notícias... Lavínia se deixa fotografar por Cauby e aceita seu fetiche posando para ele como uma musa eterna. Nada na relação dos dois faz algum sentido fora dos corpos que se procuram, se roçam e se amam. Seus diálogos são vazios e seus corpos ardentes. Há algo de lacônico em seus encontros. Com o decorrer do filme e alguns flashbacks depois, começamos a entender de onde veio Lavínia e entendermos a relação dela com o pastor Ernani. Neste filme os diálogos do casal são raros.


A falta de diálogo entre Lavínia e Cauby deixa um ar de mistério que se resolve, um pouco, com a amizade insólita que Cauby mantém com o jornalista,  Viktor Laurence, uma espécie de amigo que tem como intuito fazer o contraponto entre  poesia e a realidade, amizade e traição.
Em Eu Receberia as Piores Noticias de seus Lindos Lábios, o diretor articula de forma mais complexa a espacialidade fílmica intercalando tramas que ocorrem em espaços externos e internos. Neste, os espaços são mais trabalhados do que em seus outros filmes de amor. A atuação de Camila Pitanga, como Lavínia, ajuda a história deslanchar, mais pela beleza de seu corpo  e pertinência da atriz com o personagem do que pela atuação em si, mesmo assim, foi a melhor Camila Pitanga que já vi em cena. Gostei muito de rever  o ator Gero Camilo, diga-se de passagem pouco aproveitado na dramaturgia nacional, fazendo o papel do jornalista Viktor Laurence. Vi o Gero se formando na EAD – USP, há uns 7 anos atrás e depois o vi em Bicho de sete Cabeças e em outros filmes de Brant. Uma pena vê-lo tão pouco, ótimo ator. É incrível a cena da piscina em que Viktor contracena com Cauby, reparem.

Gero Camilo, impecável 

Vejam o trailer:


Ótimo filme, vale muito a pena conferir.


Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.
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ROBERT FRANK, O FOTÓGRAFO BEAT



“Robert Frank extraiu da América um poema triste diretamente para a película, cravando seu nome entre os grandes poetas trágicos do mundo”. (Jack Kerouac no prefácio da primeira edição do  livro The Americans em 1959).

Fotografia e Sociologia nasceram quase ao mesmo tempo no século XIX, e embora percorrendo trajetórias distintas, têm grande relação entre si, pois a fotografia serviu de ferramenta de análise social desde cedo, nas mãos dos primeiros fotógrafos que construíram a sua história.
Temos Lee Frielander e Garry Winogrand que fotografaram comportamentos no espaço público como exemplos de fotógrafos que se dedicaram a abordar algumas das grandes questões da Sociologia, tratados nas obras de Georg Simmel e de Erving Goffman.

Também Robert Frank usou sua câmera no projeto de conhecimento da sociedade norte-americana, contribuindo para a visão fraturada da sociedade americana. Frank viajou pelos EUA entre 1955 e 1956, retratando as suas mais profundas contradições como discriminações raciais e desigualdades sócio-econômicas contrastando com os símbolos do patriotismo americano. Obviamente seu trabalho foi muito mal recebido pelos norte-americanos, já que colocava a nu as questões mais candentes da sua sociedade. Em seu projeto, o fotógrafo refletiu as influências dos trabalhos de Tocqueville, Margaret Mead e Ruth Benedict.

Filho de judeus, Frank nasceu em 1924 em Zurique, na Suíça. Seu pai se tornou sem pátria após a Primeira Guerra Mundial e teve de lutar para conseguir cidadania suíça para Robert e seu irmão, Mandred. Apesar da família estar em segurança durante a Segunda Guerra Mundial, a ameaça nazista afetou Frank profundamente — e seu interesse por fotografia nasceu da vontade de expressar este sentimento. Para escapar do foco em negócios característico de sua família, treinou com alguns fotógrafos e designers até criar seu primeiro livro de imagens feito à mão, 40 fotos (1946).


Um ano depois, Frank emigrou para os Estados Unidos. Foi morar em Nova Iorque, onde conseguiu um emprego como fotógrafo na Harper’s Bazaar, que logo deixou para viajar pelos continentes europeu e sul-americano. Retornou aos EUA em 1950, ano em que conheceu Edward Steichen participou da exposição coletiva 51 American Photographers no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) e se casou com a artista Mary Frank (antes Mary Lockspeiser), com quem teve dois filhos, Andrea e Pablo.



Ainda que sua visão inicial da sociedade e da cultura norte-americana fosse otimista, sua perspectiva mudou quando entrou em confronto com o acelerado ritmo de vida do país — o que interpretou como uma valorização exagerada do dinheiro. Frustrado, também, com o controle exagerado dos editores sobre seu trabalho, ele passou a ver os Estados Unidos como um lugar triste e solitário, o que se tornou evidente em sua fotografia.



Permaneceu viajando, mudou-se com sua família para Paris por um breve período e, em 1953, começou a trabalhar como jornalista freelancer para revistas como Vogue, Fortune e McCall. Sua união com fotógrafos como Saul Leiter e Diane Arbus fez com que se tornasse parte do movimento de vanguarda que a curadora Jane Livingston classificaria como The New York School.



Em 1955, sob influência do fotógrafo americano Walker Evans, que registrou os efeitos da Grande Depressão de 1929 no país, Frank conseguiu uma bolsa para viajar pelos Estados Unidos e fotografar todos os estratos de sua sociedade. Visitou cidades como Detroit, Miami, Reno, Utah e Chicago, quase sempre acompanhado de sua família. Ao longo de dois anos, e sempre de carro, tirou mais de 28 mil fotos. Oitenta e três delas foram selecionados para The Americans.


Com a publicação, Frank se tornou um dos principais artistas visuais a documentar a cultura Beat. No retorno a Nova Iorque, conheceu Kerouac e Allen Ginsberg, afinado com seu interesse em registrar as tensões entre o otimismo da década e a realidade norte-americana, cheia de contrastes como as diferenças entre classes e as tensões raciais. Frank captou essa ironia com imagens contrastadas e enquadramentos e focos pouco tradicionais.


Na época do lançamento da obra, Frank abandonou a fotografia para se concentrar em fazer vídeos. Em seu portfólio está o curta Pull My Daisy (1959), escrito e narrado por Kerouac e estrelado por Ginsberg e outros poetas. Seu filme mais famoso é Cocksucker Blues, um documentário sobre a turnê mundial dos Rolling Stones de 1972. Quando viu o resultado, Mick Jagger falou: “É um filme muito bom, Robert, mas se você mostrá-lo nos Estados Unidos, nunca mais vai poder entrar no país novamente”.



 O fotógrafo e curador Jim Casper fez o seguinte comentário sobre a frase de Kerouac que abre a coluna desta semana: O texto do mais icônico escritor da Geração Beat complementa perfeitamente as imagens, ainda que forte e poderoso, é triste e inocente, como o Jazz dos anos 1950.


“É sempre a reação instantânea a si mesmo que produz uma fotografia.” (R.F.)




Referências:
Ferro, Lígia (2005), “Ao encontro da sociologia visual” in Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, n.º 15, pp. 373-398.










Izabel Liviski é Fotógrafa e Professora, doutora em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e da Cultura, e Linguagens Visuais.  Escreve a coluna INcontros desde 2009 e é também co-editora da Revista ContemporArtes.

















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A tragédia da serenidade





Mas ele respondeu a seu pai: Há tantos anos que te sirvo, sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para eu me regozijar com os meus amigos;
mas quando veio este teu filho, que gastou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado.
Replicou-lhe o pai: Filho, tu sempre estás comigo, e tudo o que é meu é teu;
entretanto cumpria regozijarmo-nos e alegrarmo-nos, porque este teu irmão era morto e reviveu, estava perdido e se achou.
 (Lucas, 4: 29-32)

Após repartir seus bens entre dois filhos, um pai assiste o mais novo partir em uma viagem plena de prazeres carnais e efemeridades. O outro, enquanto isso, fica junto da figura paterna e segue a trabalhar. No momento em que o filho “pecador” retorna com fome e sem dinheiro, o pai, indo contra uma expectativa vingativa por parte do leitor, o recebe de braços e portas abertas com um banquete, novas roupas e uma festa. Sentindo-se injustiçado, o filho mais velho profere as palavras aqui citadas e questiona o julgamento paterno que se justifica moralmente como um ato de perdão e misericórdia. Há aqui uma metáfora para o famoso ditado popular que diz que “Deus escreve certo por linhas tortas”, ou seja, foi preciso que o filho mais novo tivesse um comportamento arredio e materialista para que ele mesmo enxergasse a necessidade do amor no seio da família – tão bem representado pelo abraço e beijo imediatamente dado pelo pai quando há o reencontro.

Ao adentrar a exposição “De Chirico – o sentimento da arquitetura”, em cartaz no MASP entre 22 de março a 20 de maio, admito que fiquei impressionado. Nunca me interessei particularmente pela sua obra e nem mesmo passei pela experiência de, por exemplo, ter aulas durante a formação acadêmica sobre os seus trabalhos. A sensação de estranhamento perante aquelas pinturas de formatos nem tão pequenos tomou conta do meu olhar: como adentrar essas fachadas de arquitetura clássica que mais parecem maquetes montadas sobre os costumeiros “terrenos baldios” de sua pintura? E esses raios tímidos de sol que insistem em tocar esse espaço? E quando o pintor insere um discreto trem que solta fumaça ao fundo? Quais relações podemos estabelecer entre prédios e objetos que parecem, vez ou outra, tão díspares, tão “colados” e mesmo “apropriados” sobre a tela?

De Chirico me deixa com mais perguntas do que respostas e o tom misterioso, quase noir, de algumas de suas pinturas me desconcerta e torna vão qualquer esforço interpretativo por engaveta-lo historiograficamente. Como ele mesmo escreve no manifesto “Sobre a arte metafísica”, de 1919, “A questão da compreensão nos preocupa muito hoje; amanhã ela já não perturbará mais. Ser ou não ser compreendido é um problema de hoje”. Poderíamos afirmar, assim como as enciclopédias, que foi o criador de uma “pintura metafísica”, como ele mesmo intitula, preocupada em olhar por uma segunda vez, transcendental, para as criações do homem. Parece-me ser uma pintura que se preocupa em desmantelar a relação entre significado e significante; aquela coluna é uma “coluna”? O que é “ser uma coluna”? Ou devemos interpretá-la “apenas” como cores e linhas sobre uma superfície? E a sua justaposição a estas formas claras e escuras que parecem com arcos? Quais os limites entre ser e parecer, existência e lembrança, concretude e miragem na poética de De Chirico?

Ao final do percurso da exposição, fica clara uma recorrência em sua produção pictórica: o filho pródigo por mais de uma vez vai ao reencontro de seu pai diante dos olhos do espectador. Em uma versão de 1924, pai e filho se encontram ao centro da composição, com a mesma estatura e com pinceladas que dão a impressão de movimento. Os rostos estão ocultos devido ao abraço que, por sua vez, sacramenta a estrutura da imagem e sugere o formato de uma cruz a esses corpos. O corpo deste filho é construído por objetos geométricos não identificáveis que contrastam com o tom pétrico da figura paterna que parece ter saído de sua base à direita. A narrativa bíblica é dada através de um encontro de diferentes gerações: a tradição clássica, esculpida no mármore e de costas para o público abarca um indivíduo sem rosto e fragmentário. Uma frágil estrutura cuja tonalidade se assemelha à madeira mantém esse abraço possível e de pé; se houver a iminência de uma ventania, este manequim voará ou se desmontará e seu pai ficará ali, estático e de braços abertos, pendendo para baixo, com o peso da História.

Em versões posteriores, a configuração especial passa por alterações. Em uma pintura de 1965, o cenário arquitetônico ao fundo ganha maior notoriedade, ao passo que a pintura de De Chirico se torna mais “objetiva” e menos “veloz” quanto às pinceladas, contribuindo com seu maior silenciamento. Parte do rosto do filho aqui é visível, mas se encontra vazio, emudecido perante a inesperada recepção de seu pai. Já em 1975, pai e filho são deslocados do centro e são transformados em arquitetura fantasmática. Se do ponto de vista proposto pelo artista há, ao fundo, uma estátua equestre ladeada por pequenas figuras humanas, é possível concluir que se estivéssemos a olhar de modo oposto, o retorno do filho pródigo que se tornaria um detalhe compositivo. Como em um outdoor, as estruturas de madeira engrossam e recebem maior complexidade geométrica; cavaletes destruídos e remontados? Um dia vazia, a base agora tem como protagonista uma coluna – quebrada ou incompleta? Teria esse pai saído daí de cima e migrado rumo ao filho? 

No mesmo texto de 1919, De Chirico comenta o modo como a tradição clássica pensava a arquitetura:"Os gregos tinham um cuidado particular nessas construções, guiados pelo seu senso estético-filosófico: pórticos, passeios à sombra, terraços construídos como auditórios antes os grandes espetáculos da natureza (Homero, Ésquilo); a tragédia da serenidade". Esta interpretação pode ser ampliada da arquitetura para o próprio modus operandi destas pinturas: se o artista é capaz de dar certa serenidade a este episódio que se passa num contexto privado, em contrapartida empurra o espectador que necessita de respostas prontas para um poço de mudez em que os dicionários tem suas linhas vazias. A "nobre simplicidade e grandeza serena" que Johann Winckelmann via na arte grega pode estar presente também em De Chirico, mas nunca desprovida de uma grande melancolia daquilo que é inapreensível.




(a exposição "De Chirico: o sentimento da arquitetura" fica em cartaz no MASP entre 22 de março e 20 de maio de 2012)






Raphael Fonseca é crítico e historiador da arte. Bacharel em História da Arte pela UERJ, com mestrado na mesma área pela UNICAMP. Professor de Artes Visuais no Colégio Pedro II (RJ). Curador de mostras e festivais de cinema como “Commedia all’italiana” (Caixa Cultural de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, 2011) e "Cinema pós-iugoslavo" (Caixa Cultural de São Paulo, 2012). Membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP).
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DICA DE LEITURA PARA OS TEMPOS MODERNOS

 

DICA DE LEITURA PARA OS TEMPOS MODERNOS

Nada como a concisão para acompanhar o ritmo frenético dos tempos modernos. Então, além do poema “Cir.concisão”, segue também uma grande dica para leitura: o livro do premiadíssimo amigo Edweine Loureiro, que tive a honra de participar, em sua contracapa, com um microdepoimento.


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LANÇAMENTO: “EM CURTO ESPAÇO”, de Edweine Loureiro 

Amigos, no dia 27 de Abril, foi lançado meu livro “Em Curto Espaço” (Editora Multifoco, Selo 3x4), um conjunto de sessenta microcontos, muitos premiados em Concursos Literários.


Eis o anúncio do livro, pela 3x4 (também no Facebook):
Os melhores microcontos de Edweine Loureiro reunidos para caber em seu bolso. A maioria dos textos recebeu premiação em diversos concursos do gênero. Mais um lançamento do selo 3X4, da Multifoco Editora.

Um livro que vem realizar mais um sonho nestes 20 anos de trajetória literária. Agradeço a todos os amigos que, direta ou indiretamente, têm me apoiado nesta caminhada. Deus abençoe a todos.
O livro estará disponível, para a venda, a partir de Maio, nos sites da 3x4 e da Multifoco:

Muito me honraria – e desde já agradeço – a leitura e divulgação, por parte dos amigos, destes minicontos que foram feitos com muito carinho para refletirmos (e rirmos, por que não?) sobre este curto espaço de tempo a que chamamos VIDA.
Saudaçoes Literárias do amigo no Japão,
Edweine Loureiro
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SUCESSO AO AMIGO EDWEINE,
ABRAÇOS LITERÁRIOS A TODOS E ATÉ +.

 
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Você se lembra de Jane Fonda? Jane sempre foi uma pessoa muito dedicada à sua evolução espiritual. Polêmica, afirmou ter visto discos voadores. O que mais impressiona nessa mulher é sua serenidade.

Assisti a uma entrevista com ela dias desses, na qual ela classificava a vida em três atos. O primeiro acontece até os 29 anos, quando pensamos que sabemos tudo e não sabemos nada. O segundo, até os 59 anos, quando somos produtivos e nos dedicamos a agradar os outros. O que se aprende, segundo ela, no terceiro ato, é exatamente a impossibilidade de sermos perfeitos.

O terceiro ato é quando nos tornamos completos. Aceitamo-nos finalmente, inclusive com os muitos defeitos. Deixamos de viver o personagem criado no primeiro e segundo atos e percebemos que não vale a pena fazer tempestade em copo d’água. É o período da calmaria, quando não nos estressamos mais e, através da nossa própria aceitação, somos capazes de nos oferecer aos outros totalmente, com todo nosso bem, sem ignorar que também temos um lado mau. Isso, quando amadurecemos e evoluímos, é claro. Muitos vivem no primeiro ato a vida toda. Os evoluídos não querem mais agradar aos outros e, sim, ser úteis.

Realçando a importância da saúde física, afirma categoricamente que somente a vida ativa é capaz de nos manter jovens na mente e no coração até o final. Mas não adianta vestir-se como jovem, falar como jovem, o que pode ficar ridículo. Tem que ser jovem no coração, sem amarguras, e ter saúde para trabalhar, pensar e ajudar ao próximo. Aconselha que sejamos curiosos. Em vez de afirmarmos para nós mesmos que já sabemos tudo, admitirmos que ainda temos muito que aprender. E termina dizendo que o que importa na vida não é ser interessante aos olhos dos outros, mas ser interessado nos outros.

É na maturidade da terceira idade que somos plenos, e é somente na plenitude que aprendemos a perdoar a nós mesmos e ao próximo. Perdoar não significa ignorar falhas. E controlar os pensamentos é o maior objetivo da raça humana, já que pensamentos podem nos trazer saúde e felicidade, ou doença e tristeza. Palavras de Jane Fonda, uma linda menina de 74 anos.






Simone Pedersen é escritora de contos, crônicas e poemas para adultos e crianças.
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Boas idéias têm endereço




Pode confessar: toda vez que você posta algum conteúdo na internet, espera retorno ou repercussão. Uma frase, opinião sobre política ou foto que exigiu empenho e um pouco de genialidade. Talvez o sucesso de um perfil online ou um site esteja justamente no caráter inédito e surpreendente. Em meio a um sem fim de links e redes sociais, a novidade só é compartilhada se realmente for nova.
Aí entramos no mérito da cauda longa, conceito criado na década de noventa por Chris Anderson para abordar a força de pequenas marcas na democracia da web. Em resumo: a aposta em nichos, em público menores, mas cativos.
Se juntar a vontade que todo mundo tem de ser formador de opinião, somado aos pequenos públicos e as opções infinitas da web, temos, como conseqüência, boas idéias. Muitas delas vem de uma plataforma de blogging criada em 2007 e que conta hoje com mais de 3 milhões de usuários. O TUMBLR (lê-se tâmbler) é um meio-termo entre o twitter e o wordpress e o blogger. Os usuários podem seguir outros, favoritar e até compartilhar em blogs semelhantes. O conteúdo: imagens, fotos, vídeos, links...tudo que for permitido e que agrade.
Em pouco tempo, o Brasil se apropriou com criatividade do tumblr. Diariamente, usuários mais dedicados atualizam as páginas. E tem de tudo, para todos os gostos (lembram da “Cauda Longa”?). Para quem se interessar, o Drops Cultural segue agora a tendência da web, e compartilha com os leitores alguns endereços de boas idéias!

As melhores – e mais inusitadas – capas de discos nacionais de várias épocas. Idéia de uma jornalista mineira, a @priscilabrito. Vale pelo arquivo, os clássicos e a breguice de alguns artistas.

A cidade se comunica com os pedestres através de mensagens e frases escritas nos muros. Os seguidores podem mandar fotos para incrementar o belo acervo do @olheosmuros.

@marcelocidral traduz os sentimentos e reações frente à diversas situações de forma bem-humorada, com gif’s e fotos.

E se um trecho da sua música favorita extrapolasse as notas e sons. @sarapateo transforma em ilustrações bem criativas os refrões e frases das melhores músicas do cancioneiro popular nacional e internacional. Alguns posts viraram até camisetas.

Felipe Menicucci é jornalista, formado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Atualmente trabalha como repórter da TV Integração, emissora afiliada da Rede Globo em Juiz de Fora, MG.


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