As três mulheres do sabonete Araxá
Hoje é um daqueles dias
em que sabemos que nossa vida exige um pouco mais de poesia. Afirmação
abrangente como essa pode nos levar a milhões de postulações e questionamentos,
mas, simplesmente, para mim, neste dia sinto-me impelido a mergulhar na obra
poética de um poeta brasileiro tão conhecido e que merece mais atenção. Manuel
Bandeira. Não nos embrenhando tanto na vida e história deste autor, nos
deixemos levar por alguns poemas que fazem parte do rol daqueles de que mais
gosto (Os interessados em saber sobre esse poeta, acessem aqui).
Porquinho-da-Índia
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.
(BANDEIRA, 1985, p. 208)
Sabem aquelas impressões de
leitura que temos à primeira vez que lemos algo que nos toca? Quando li esse
poema aos 16 anos fiquei impressionado com a amizade entre o menino e o
porquinho, mas o último verso me deixou muito curioso. Como assim, primeira
namorada? Só, anos depois desta primeira leitura, voltei ao poema e comecei a
perceber que esse poema é uma rememoração do eu lírico quanto ao momento da
infância em que ele dedicava todo seu afeto a um animalzinho de estimação, tão
arredio. O último verso surge com um tom cômico, no qual alguém relembra a infância
e os amores que ali surgiram.
Outro poema que me deixa sempre
muito apaixonado é “Irene no Céu”:
Irene no céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
— Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
— Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
(BANDEIRA, 1985, p.
220).
Esse poema também lido, primeiramente aos 16 anos, me deixou um pouco
triste na primeira vez que com ele travei contato. Pensava nas muitas Irenes
que há pelo mundo, tantas mulheres boas, bem humorada que possam a vida a
cuidar dos filhos dos outros. Essas memória do eu lírico fizeram com que
diretamente eu descobrisse as minhas próprias. Bem lembrei de tantas pessoas
que conheci de bem com a vida e sempre de bom humor, todas capazes de chagar ao
céu e pedir licença a São Pedro, bem como Irene faria.
O último poema que destacarei hoje também marca essa minha primeira
leitura de Manuel Bandeira, em uma época que eu ainda nem imaginava me
embrenhar pelos campos da literatura, mas que com certeza, a leitura dos versos
deste grande artista contribuíram, e muito, para minhas escolhas, neste caso,
profissionais e pessoais.
Balada das Três Mulheres do Sabonete
Araxá
As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me
bouleversam, me hipnotizam.
Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde!
Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde!
O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!
Que outros, não eu, a pedra cortem
Para brutais vos adorarem,
Ó brancaranas azedas,
Mulatas cor da lua vem saindo cor de prata
Ou celestes africanas:
Que eu vivo, padeço e morro só pelas três mulheres do sabonete Araxá!
Para brutais vos adorarem,
Ó brancaranas azedas,
Mulatas cor da lua vem saindo cor de prata
Ou celestes africanas:
Que eu vivo, padeço e morro só pelas três mulheres do sabonete Araxá!
São amigas, são irmãs, são amantes as três mulheres
do sabonete Araxá?
São prostitutas, são declamadoras, são acrobatas?
São as três Marias?
Meu Deus, serão as três Marias?
A mais nua é doirada borboleta.
Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, dava pra beber e nunca mais telefonava.
Mas se a terceira morresse…Oh, então, nunca mais a minha vida outrora teria sido um festim!
Se me perguntassem: queres ser estrela? queres ser rei?
queres uma ilha no Pacífico? Um bangalô em Copacabana?
Eu responderia: Não quero nada disso, tetrarca. Eu só quero as três mulheres do sabonete Araxá:
O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!
(BANDEIRA, 1985, p. 228).
Este último poema de M. Bandeira eu deixou para que
cada leitor possa degustar e, se puder, compartilhar conosco as suas próprias
impressões de leituras nos comentários. Eu só digo que daria “O meu reino pelas
três mulheres do sabonete Araxá”.
Referência :
BANDEIRA, Manuel.Poesia Completa e prosa. Volume único. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1985.
Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen.