É claro que muito já foi dito a respeito do processo de criação do texto
literário; não se pode ler uma obra pensando apenas como um reflexo do próprio
autor, porque se assim o fosse, o que seria a literatura se não um simples
recontar de próprias experiências, um mero espelho que refletiria apenas as
próprias memórias? Não, definitivamente, literatura é muito mais do que isso. Por outro lado, não deixo de perceber que, muito do que escrevo diz sobre o que
sou, o que leio, o que ouço, o que gosto e, enfim, revela a matéria de que sou
constituída. Sendo assim, quando leio uma obra e me reconheço nela, é porque,
de alguma forma, aquilo que leio está me lendo também.
Margarida de Souza Neves (2004)
considera que "[...] prenhe de seu autor, o texto nos leva, a cada passo,
ao encontro da figura humana (...), de suas idiossincrasias, do estilo do
escritor, dos temas que lhe são caros, de seus interlocutores intelectuais, de
sua peculiar forma de ler o mundo".
Isso tudo me faz pensar que, se por um lado, não devemos restringir a
literatura às experiências pessoas de cada autor, por outro, essas mesmas
experiências devem ser consideradas como elementos fundadores da criação
literária. E não é só no campo das letras que essa questão se aplica; há que se
considerar também a música, as artes plásticas, a arquitetura e tantas outras
formas de expressão.
Será que Cazuza, ao compor suas músicas com letras ousadas e com um certo
teor de ousadia, somado às diversas críticas sociais e políticas, de alguma
forma, não estaria demonstrando seu próprio posicionamento diante da sociedade
brasileira, diante da vida?
E quanto aos escritores que, inconfundivelmente envolvidos com seus
contextos regionais, com seus pequenos mundos, produziram obras que nos dão um
verdadeiro panorama histórico, social, político e cultural de seus lugares de
origem? O leitor mais atento, com certeza, lembrará de alguns nomes, como João
Guimarães Rosa, Erico Veríssimo e Jorge Amado, pro exemplo. Com esses autores,
é possível visitar o Rio Grande do Sul, Minas Gerais e a Bahia, apenas através
das páginas de seus livros... E eles não estariam, de alguma forma, nos
devolvendo aquela matéria de que permeia a própria vida deles?
É claro que, como leitores, sabemos o lugar da literatura. Não olhamos
para uma obra, apenas com os olhos de quem procura conhecer a pessoa que
escreve. Contemplamos a obra para que, através da ficção, do relato
memorialístico, possamos construir nossa própria idéia do que seja o estilo do autor
e, quem sabe, numa dessas entrevistas que vira e mexe eles nos contemplam, a
gente possa descobrir que uma paisagem, um acontecimento, um personagem, foi
fruto de uma experiência rica e verdadeiramente pessoal. E isso tudo para quê?
É simples; para descobrir que, além de nos sentirmos acolhidos pela obra que
escolhemos ler, possamos ser também lidos por aquele que escreve e, quem sabe,
estabelecermos um diálogo com o livro (ou com o compositor, ou com o pintor)
que diz, artisticamente, aquilo o que nós realmente sentimos. E como nos
adverte Jorge Luiz Borges (2004), “toda literatura é, finalmente,
autobiográfica”.
Thaís
Fernanda da Silva é aluna do Mestrado em Letras da Universidade Federal de
Viçosa. E-mail:
thaisfsilva@ymail.com
Referência Bibliográfica
A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.