Como parte de um grande projeto em 86 cidades, organizado pelo Instituto Psia, selecionamos dez poemas de moradores locais e os pousamos nos galhos das árvores da praça no centro de nossa cidade, Vinhedo em SP. O resultado foi a leitura por transeuntes apressados, que encontraram minutos para acariciar e alimentar nossos poemas mansos. Desde o pessoal da limpeza , motoqueiros punk , executivos e pessoas crianças e idosas, comemoramos o Dia da Árvore com muita licença poética.
I VARAL
DE POEMAS NAS ÁRVORES
CLUBE DOS ESCRITORES
DE VINHEDO
“Poema que dá em árvore, quando
amadurece não cai, pula e se agarra ao coração do leitor.”
Simone
Pedersen
Inverno das horas
Estranho seria,
Se nessa pequena distância,
Entre um segundo e outro,
Não morasse dor, nem vazio.
Bom seria se surgisse barulho,
Gritaria desordenada e calor.
Mas é manhã cálida, cinzenta,
De gotas frias e ar gelado.
E nesse inverno das horas,
Estranhamente, reside saudade.
Faz brotar na face solidão.
Taiany Caroline Veronezzi
“Resto é Resto”
Tenho
Deus na cabeça,
Tenho
Deus no coração,
Respeito
os mandamentos,
Busco
a solução,
O
resto é reza,
O
resto é conversa...
Luto
pelo pão de cada dia,
Respeito
a minha vizinha,
Amo
o próximo,
E
os não próximos,
Amo
a minha cachorrinha,
O
resto é reza,
O
resto é conversa...
Divido
tudo o que tenho,
Pela
Paz eu me empenho,
Desculpo,
sempre, nunca odeio
Quando
estou de saco cheio,
O
resto é reza,
O
resto é conversa...
Sem
preconceitos,
Viva
eu, viva as meninas e os meninos,
Viva
os direitos, viva o hino!
O
resto é reza,
O
resto é conversa...
Marlene
Cecília M. Sabatini
PROMESSA
O
caminho que seguirei
Está
repleto de lembranças
É saudade
que não cala
É
espera e é chegada...
O
caminho por onde irei
Guarda
a poesia nas flores
E
o silêncio nos espinhos.
No
pó dos meus passos
Toda
a minha esperança.
Na
distância do meu cansaço
A
ternura do amanhã...
O
caminho que farei
Está
delineado nos meus sonhos.
Não
é o antes, nem o depois
É
o agora que se eterniza
Na
paisagem de nós dois...
Vinhedo, Inverno de 2008.
Benevides Garcia
Levando a vida
o
meu caminho
às vezes escolho
às
vezes aceito
o
que a vida me oferece
às
vezes acolho
às
vezes rejeito
e
assim vou levando
o
amor eu recolho
o
resto... dá-se um jeito!
Helenice Priedols
Será que o tempo parou?
Quando vejo um quadro belíssimo,
com paisagens admiráveis,
pergunto-me:
Será que o tempo parou?
Tenho certeza! Foi em ti que o artista se inspirou.
Tua beleza radiante,
agregada a teu sorriso transparente.
- Será que o tempo parou?
És maravilhosa? Ou sinto-me tão carente?
Oh! Minha musa e fonte inspiradora,
que move meus impulsos e pensamentos,
alguma vez já amaste?
Se esse alguém fosse eu, diria: - De fato, o tempo
parou.
Aparecido Bi de Oliveira
Cinzas
Quero meus cigarros.
Dá-me e não me amoles.
Quero fumar a noite inteira.
E, já aviso, não irei à escola.
Quero ir a um lugar temido.
Por horas quero fazer amor.
Pouco me importam tuas doenças,
Se não quero prazer, mas dor.
Quero deliciar-me em teu choro,
Enquanto te conto teu problema:
Vivo contigo um romance forjado.
Nossa liberdade usa algema.
Não, não quero nada de ti.
Desta vida, só peço a morte.
Se essa me ouve, então virá,
Pois esta é minha sina, minha sorte.
Fernanda Farrenkopf
Distâncias
É a distância que nos aproxima,
Esse jogo de lua e sol, de luz e sombra,
De vento encrespando as ondas do mar
Até chegar à areia que espera solitária,
De pássaros atravessando nuvens no ar
Sem rotas traçadas no mapa astral,
Sem as linhas do destino desenhadas
Na palma das estendidas mãos.
Minhas mãos encontrando as tuas
Formando pontes à beira de precipícios.
E quando nossos corpos se encontram
As distâncias se encurtam
É como o céu beijar o mar
É se perder e não se encontrar
É como o sol e a lua estarem no mesmo lugar.
José Antonio Zechin
OLHAR
Seu olhar me fez sonhar
sonho que, como tantos
outros,
imaginava seria fugaz,
esqueceria;
mas, triste sina,
continuo a sonhar,
agora inutilmente.
MARIAS
Se um dia me virem
dormindo,
por favor, não me tragam
flores
porque, destas, perfume
já não sinto;
tragam-me recordações de
amores
e imaginem estar eu, ali,
fingindo.
Conrado
Amstalden
Confidência
Um
amigo me ensinou a voar, a abrir os braços e me lançar no espaço, sem medo e
com confiança.
Me
permiti sentir o vento no corpo inteiro e a respiração encurtada pela emoção.
Me
deixou no alto da montanha e se despediu desaparecendo no céu.
Gritei
que ele era lindo e acordei feliz para mais um dia.
Meus
amigos me presentearam no meu aniversário, com uma queda livre num espaço
coberto de estrelas e novamente o vento vestiu todo o meu corpo.
Acordei
entorpecida de emoção e acreditando no amor existente na amizade.
Já
visitei a lua e lugares coloridos e encantados.
Já
me vesti de seda branca e ouvi uma promessa de amor.
Aprendi
a acreditar nas diversas possibilidades, a seguir meu coração e viver para a
eternidade.
Decisão
Deitada na cama,
Coberta de silêncio,
Escuto o escuro
Do meu dia.
Não tento mais fugir,
Sei que a vida
Sempre me acha.
Abro minhas janelas
Permito que os sonhos
Voem longe.
Choro ofensas e saudades,
Esvazio meu oásis.
Nada mais me atinge:
Hoje sou deserto.
Simone Alves Pedersen
POEMA FONÉTICO
consoantes surdas, sonoras...e não só.
Verdes
vagas vagabundas*
vagueiam
vagamente pelas marés...
O
por do sol, poeta pintor
pincelou
de cor a prata do mar...
e
dolente, o dia, vaga vagamente
parte,
penitente...
Ilda
Regalato
Portugal
(*)
Vagabundas: varejeiras
rio sem dono
rio
sem dono rio barrento rio brando rio bravo rio da dor
rio
do amor rio das lavadeiras com suas rodilhas de pano as bacias cheias de roupas
o rio doce o rio cercando
o
rio lambendo as pedras o rio levando a vida
as
lavadeiras cantando ensaboando o cheirinho de lavanda as águas do rio correndo
o rio espumando
as roupas quarando: de vez em quando a
correnteza levando uma camisa.
eu
feito um cascudo a bater desajeitados os braços e os pés
não
fui um menino-peixe
(até
hoje não sei nadar)
nem
cacei passarinhos...
admirava-me
o balanço das águas o vai e vem sem cessar
e
o mistério escondido naquela ilha distante:
seria
habitada?
por
horas eu ficava a cismar chegava o crepúsculo a ave maria...
e
a vastidão do céu dentro do meu olhar
Jair Barbosa
Belo Horizonte/MG
Recital da Goiabeira.
Eram
cacos de acasos.
Pousados na goiabeira.
O tempo, correndo, rio abaixo.
E a sorte, feito sereia,
Riscava silhuetas de afeto
Entre bocas de areia.
Karline da Costa
Batista
www.anancara.blogspot.com
Aracati/CE
abismo.
tínhamos:
leite, luar e laço
faltava:
amor, amora e amasso
restou
um espaço.
Rafael Luiz Zen
www.rafikizen.blogspot.com.br
Brusque/SC
ENCANTAMENTO
no balde de juçaras
o homem busca
a água de que precisa
no terreno seco
procura o vento
encontra Deus
disfarçado de sabiá
Luiz Otávio Oliani
Rio De Janeiro/RJ
memória
afogada
O
passado engoliu quase tudo
Não posso nem falar, nem lembrar, nem temer
O passado me roubou a alegria
Não deixou fotos,
Nem histórias ainda por contar
Podia ter roubado minhas lágrimas
e não deixá-las secarem ao sol
e não deixá-las molharem minha alma
Podia ter sido mais condolente
e devolver o que eu perdi
e trazer o que eu amei
Mas deixou apenas a certeza
de que nem tudo se repete
e que a pedra jogada não volta
O passado engoliu quase tudo
Insensível, deixou as lembranças
O POUSO DO HAIKAI
Um
poema pousou
na
árvore do pensamento
e
logo ficou.
Francisco Cleyson de
Sousa Gomes
www.saladapoeticalia.blogspot.com
Teresina/PI
ár
vore
ar ar ar ar ar ar
árvore
foice
ar
ar ar ar ar árvor
foice
ar
ar ar ar árvo
foice
ar
ar ar árv
foice
ar
ar ár
foice
ar
á
foice
...
foi-se
Reginaldo Costa de
Albuquerque
Campo Grande/MS
Relíquia
Relíquia:
deveras é o sentimento guardado...
O
que não pode ser expressado...
Quimeras,
outroras, remakes, releases
Unidos
por pontos. E as virgulas:
Entrelaçadas...
Robson Leandro Soda
Santa Cruz do Sul/RS
Feriado
Presente
cheio de passado.
Afeto
extravasado.
Tempo
e espaço para mim.
Livro,
música, edredom, amor sem fim.
Chega
de pensar em futuro.
No
fundo, nada é seguro.
Fui
morar um tempo dentro do meu coração.
Por
favor, não me incomode não.
Tatiana Wan-Der-Maas Guimarães
Governador
Valadares/MG
Nuvens
Nuvens são crianças.
Crianças especiais.
Que um certo dia
De tanto comerem açúcar,
Se transformaram em algodão doce!
Tom Vital
Belo Horizonte/MG
ALFABETO DO VERDE
Um
lagarto carrega os desusos da tarde
ao
sol
sobre
as pedras do muro.
O
pensamento navega entre as fendas,
sob
as folhas das trepadeiras,
com
sede de entender o alfabeto do verde.
Se
o jardineiro hoje vier com a foice
para
arrancar as folhagens que dão significado à muralha,
ensinarei
a ele:
não
se matam essas pequenas paisagens individuais
que
emprestam vida aos olhos
na
leitura das coisas.
Sérgio Bernardo
Nova Friburgo/RJ
COCHICHO
Ela
veio caminhando
toda
acanhada
querendo me contar as boas novas
Aproximou-se de mim
com as mãos fechadas
diante do rosto
assim, como se trouxesse
só pra me mostrar
ao abrir dos dedos
um
vagalume
Rodrigo Domit
Rio de Janeiro/RJ
Poema
a Gonçalves Dias
A
terra onde havia palmeiras
Hoje
tem devastação;
Onde
cantava o sabiá
Reina
solta a erosão.
Que
diria o poeta
Se
vivesse para ver
Toda
a sua poesia
Neste
solo esmaecer.
Com
certeza ia chorar
Pela
triste imensidão
Pela
seca e o deserto
Desencantado
por certo
E
com dor no coração
Pediria
pra não voltar...
Valdeck Almeida de
Jesus
Salvador/BA
Transeuntes
Fingimos
que dormíamos ao anoitecer
E
nossas risadas frouxas quase nos denunciaram,
Mas
o velho mundo andava sonolento e não pode perceber
Que
o nosso fingimento foi o bastante para ele ser enganado.
Então
saímos pelos fundos sem ninguém nos ver,
E
corremos bem depressa para longe de tudo que era claro,
Habitamos
cada silêncio do desconhecido escurecer
Se
alimentando de cada mistérios que nos era dado.
E
cada esquina era um palco para você,
E
cada sorriso era uma marca que deixávamos.
Fomos
adentrando naquela noite sem perceber
Que
colhíamos tudo aquilo que nos sonhos havíamos plantado.
Então
tornamos depois de muitas voltas a entender
Que
todo esse nosso reino era limitado,
A
manhã carregada de pessoas estava prestes a aparecer,
E
colocar fim em tudo nesse nosso grande achado...
Ei,
noite, não se deixe amanhecer,
Que
é no silêncio o nosso grande carnaval,
Ei,
noite, não abra a porta para aqueles que abortam porquês,
Pois
o existencialismo é o nosso assunto principal.
Leonardo Bruno de
Araújo Santos
www.facebook.com/araujoleonardo
Arcoverde/PE
Visão Nefasta
A luz percorre a iris
E não revela a poesia
A
realidade
Corre risco
Rosana Banharoli
Santo André/SP
Simone Pedersen é escritora e escreve para a revista Contemporartes há dois anos. Em outubro publica seu vigésimo livro. Publica para crianças e adultos.
www.simonealvespedersen.blogspot.com