Sobre nosso humor
Coisa engraçada, dia
desses peguei uma televisão emprestada com um amigo por que eu iria receber algumas
visitas que não ficavam sem isso. Como as visitas não vinham (e não vieram até
hoje), num certo dia, liguei o aparelho. Qual não foi meu susto assistir ao
programa “Zorra total”. Fiquei pasmada, boquiaberta e pensei comigo: o que é
isso? Estou exagerando? Talvez. Certo é que sem o aparelho há quase dois anos,
acabei me desacostumando dele: deu nisso. Lógico que nesse tempo vi que muita
coisa estranha (ou previsível) ainda acontecia nos “bastidores” televisivos.
Tenho e-mails do Yahoo, site que sempre faz questão de me deixar a par dos
“babados”. Além dos vários amigos do facebook, que além de não me deixarem
esquecer que a sexta está próxima, ou que infelizmente já é segunda, ou que
ainda o feriado não durou o suficiente, também me fazem saber de Carminhas e
Ninas. Enfim! Fiquei pensando o que teria acontecido para chegarmos ao nível de
um programa como o Zorra total ser exibido em rede nacional. Ora, não vou ser
hipócrita para falar que nunca assisti programas idiotas na (da) TV. Alguém já
disse que todo mundo precisa de um momento de alienação e eu, particularmente,
adoro essa deixa. Gostava muito dos programas e desenhos infantis, como Caverna
do Dragão (clássico!), Cavaleiros do Zodíaco, Cocoricó (qual marmanjo nunca
cantou numa bateria ou guitarra invisível: “o Júlio na gaita e a bicharada no
vocal, fazendo rock rural, cocoricó”?), Castelo Rá-tim-bum, Sítio do pica-pau
amarelo, Os trapalhões... Fui seguidora assídua de algumas novelas, como Roque
Santeiro, por exemplo. Mas algo mudou. Seria o humor ou o nosso humor?
Corrijam-me, por favor, se eu estiver errada, mas acredito piamente que algo
mudou. Eu me divertia tanto com Mussum e Zacarias, mas sequer consigo ouvir por
um minuto aquele programa novo do Didi. E o esporte atual? Uma coisa é fazer um
programa esportivo um pouco menos técnico, menos “duro”, outra coisa é achar
que somos idiotas para assistir piadinhas idiotas, ideológicas e sem motivos
esportivos (ou talvez sejamos mesmo idiotas). Nem vou entrar na questão de
programas como Pânico na TV porque isso já é vergonhoso demais para mim.
Adelaide – personagem do Zorra Total
Falando sério,
sempre me considerei uma pessoa otimista e não sou dessas que dizem “antigamente
era melhor”, até por que meu antigamente é bem recente e é isso que me assusta.
Gostava de fazer comparações do tipo: pelo menos hoje, nós mulher, podemos
lutar pelos nossos direitos e não sermos queimadas em praça pública (pelo menos
em alguns países). Podemos mandar a polícia, a religião, os políticos, e cia.
Ltda. pra onde quisermos, pelo menos por palavras. Sim, doce ilusão essa tal
liberdade. Mas estou sendo sincera, é o que eu pensava. Hoje, penso numa
temível teoria: será que atingimos em algum momento um ápice na escala
evolucionista e agora estamos em decadência? Será que a raça humana está
próxima à sua extinção e seres mais evoluídos tomaram nosso espaço? Então, ao
pensar assim, chego a uma conclusão: não.
Máscara da comédia grega. Por volta de 350 a.C
Somos uma raça
muito estranha, mas sempre fomos. Somos capazes de produzir a nona sinfonia e o
holocausto; sete ou oito peças para um ballet e as bombas nucleares; doze
girassóis numa jarra e a chacina da Candelária; a Vênus de Milo e o genocídio
ruandês; Hamlet e o apartheid, Dom Quixote e Chernobyl, Ladrões de bicicleta e
o Holodomor, etc., etc., etc.. Sempre fomos assim. Mas será que precisamos
continuar sendo? Precisamos continuar aceitando programas como Zorra total de
braços abertos e nos obrigando a rir disso? Precisamos procurar a graça onde
ela não está?
Sorriso de Sheldon Cooper
Faço uma confissão
que muito me magoa: tenho consumido excessivamente cultura estadunidense,
principalmente em se tratando de comédias. Gosto de assistir a The Big Bang
Theory e Community, várias vezes. E o pior, não me canso. Rio infinitas vezes
do sorriso medonho de Sheldon Cooper e das bizarrices do Señor Chang, mas só
consigo sentir vergonha naquele quadro do metrô do já citado programa global.
Julguem-me, apontem-me críticas nas comédias que eu citei. Mostrem-me nelas
preconceitos escondidos (ou não), ideologias capitalistas, nazistas, fascista,
o que for. Por favor, eu peço isso, pois tenho sido alienada nesse ponto.
Existe o preconceituoso Pierce em Community: ninguém ri de suas piadas, riem
dele, por ser preconceituoso. No Zorra total riem de tudo (que não tem graça) e
riem de nós, pretos, brancos, homossexuais, bissexuais, transexuais,
heterossexuais, mulheres feias, mulheres loiras, mulheres “gostosas”, mulheres
banguelas, etc. Tudo se torna motivo de riso onde falta humor. E vejam que não
estou falando de humor bom e humor ruim, que isso não existe. Bakhtin
acreditava que o caráter crítico e autocrítico, um dos componentes principais
do romance, gênero moderno por excelência, só poderia ter vindo do riso, do
riso que familiariza objeto e ser para que este possa examiná-lo de perto,
revirá-lo, desmembrá-lo. Onde ficou esse riso? Enfim, há tempos não vejo humor
no Brasil e o fato de que não tinha televisão não é o motivo. Que me perdoem,
de todo o coração, os que ainda o fazem, mas, o que tenho visto hoje, no humor
brasileiro, aproxima-se mais do horror. Aquele horror sussurrado pelo coronel
Kurtz.
Ana Luíza Duarte de B. Drummond
nasceu em Ferros, Minas Gerais, em 1988. Atualmente cursa Bacharelado em
Estudos Literários e Licenciatura em Língua Portuguesa pela Universidade
Federal de Ouro Preto. Publicou recentemente o conto “O pio da coã”, na antologia
de contos fantásticos Fantasiando.
Possui artigos publicados na área de Educação e Literatura. e-mail:
analuizadrummond@yahoo.com.br
A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.