...palavras on the rocks, bacos e apolos, poetas e prosadores, anjos e demônios fazem encontros marcados para essa conversa de bar virtual. Sempre às 3a. feiras no ContemporARTES
CARA DE BRONZE : UM TUTORIAL DE POESIA?
Por Altair de Oliveira.
DOS TUTORIAIS DE POESIA
Não é segredo nenhum que o mineiro Guimarães Rosa tenha iniciado na literatura escrevendo contos esparsos para participar de concursos literários e que, já aos 21 anos, em 1929 teria ganho uma quantia de 100 contos de réis e tido seus primeiros trabalhos publicados na extinta revista “Cruzeiro”. Mas o autor escrevia também poemas e em 1936 ele os reuniu em um volume chamado “Magma” para participar de um concurso de poesia da Academia Brasileira de Letras, que também ele “papou”. Apesar da aparição do livro Magma ter sido exaltada com honras, Rosa nunca o publicou. A edição que temos é de 1989, trinta anos após sua morte. Aparentemente Rosa teria abandonado a poesia, pois o que veio a publicar depois só veio a ser prosa. Ele tornou-se talvez um dos maiores contadores de histórias da história da literatura brasileira, mas quem o lê com atenção percebe logo que este prosador incomum nunca deixou de ser um grande poeta.
Reafirmo aqui que um poeta aprende a escrever ao ler outros poetas, principalmente os seus poemas, mas também entrevistas e os textos críticos que ousaram escrever. Alguns poetas, entretanto, vão além do exercício de escreverem poemas e se põem a serviço da crítica e da didática da arte da palavra e, a partir de suas próprias experiências e de experiência de outros poetas, acabam deixando escrito os seus conselhos ou verdadeiras listas de itens de “como fazer” ou de “como não fazer” para se escrever um bom poema. Com o transcorrer do tempo, estes conselhos acabam se transformando em verdadeiras receitas de bolos que são usadas nos cursos e capacitações de produção de textos ou em oficinas de poesia, tão comuns nos nossos dias!
Livros como “A Arte da Poesia” (de Ezra Pound), “Como Fazer Versos” (de Wladimir Maiakóviski), “Cartas a um Jovem Poeta” (de Rainer Maria Rilke) e outros, ou textos recolhidos de poetas como Arthur Rimbaud, Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes são exemplos destes amuletos ou destas muletas para aqueles que buscam avidamente um atalho para os aposentos da musa – a poesia.
Observem que não afirmo aqui que estes ensinamentos ditados acima são inúteis, eu apenas diria que nada prova que seguir estritamente as regras que eles recomendam vai capacitar quem quer que seja de cometer bons poemas. Mesmo porque, a maioria destes tutoriais poéticos não foram escritos para tal fim. Na verdade, adquiriram este grau de “bizuário” por circunstâncias, digamos, mais financeiras, do que exatamente poéticas, uma vez que poderiam virar fonte de renda. Para editores, idealizadores de cursos de “‘formação de futuros poetas” e afins. “Cartas a um Jovem Poeta”, por exemplo, só veio a se tornar livro após a morte do autor, quando o destinatário destas cartas (Franz Xaver Kappus) decidiu torna-las públicas para compartilhar estes ensinamentos com o resto do mundo.
Frases como “Nenhum verso é livre para quem quer escrever um bom poema!” (de T.S. Eliot) ou “Confesse a sua alma: morreria, se não fosse permitido escrever!?” (de Rilke) mais cedo ou mais tarde irão aparecer como pedras no caminho de quem realmente quer escrever poemas. Isto mostra que estes ensinamentos, quando buscados nas fonte (livros, resenhas cartas) e não nas tábuas de leis dos cursos de poeta, podem ser úteis sim!
Voltado ao nosso homem que fez o seu nome florir na prosa brasileira, ele também conscientemente ou não, acabou deixando a suas dicas de como escrever poesia numa das novelas de “Corpo de Baile”. Recordo-me que anos atrás, quando lia pela primeira vez o “Cara de Bronze” percebi subitamente que estava ali implícito um belo e sutil “receituário” de um fazer poético, uma verdadeira aula acontecendo ali por trás da cortina bordada do texto de Rosa!
DO CARA DE BRONZE
A novela “Cara de Bronze” (o autor chamou de conto), que se encontra no volume “No Urubuquaquá, no Pinhém” e que faz parte da obra “Corpo de Baile”, é considerada como um dos mais enigmáticos texto do autor, mas é também um dos mais estrategicamente elaborados e com alto teor poético. Na verdade, não é um texto de fácil compreensão, pois requer um alto nível de percepção do leitor - e preferencialmente, que esse já tenha uma certa intimidade com o universo roseano – uma vez que ele foi composto explorando várias formas de estrutura da linguagem (narrativa, diálogo, canção, teatro, poesia, etc) num formato pouco usual. Porém, nada que impeça ao avanço prazeroso de um bom amante das palavras.
O texto se desenvolve em torno do personagem “Cara de Broze”, o seu Segisberto, um rico fazendeiro entrevado numa cama e assim, com seu mundo agora restrito às quatro parede de seu quarto, em uma grande fazenda de gado encalacrada nos cafundós das Gerais. Mas este personagem principal não aparece, é apenas mencionado todo o tempo. A ação é toda voltada para a chegada de Grivo, um dos vaqueiros que havia sido enviado a uma grande viagem por ordem do patrão, o seu Segisberto. Este, queria poder “ver” e estar à par das belezas da fazenda por meio de relatos. Desta forma, envia vários de seus vaqueiros com esta missão. Grivo, por ter se destacado ao mostrar algum diferencial de percepção e de expressão poética entre os companheiros, parece estar então predestinado a uma grande recompensa, possivelmente a tornar-se o herdeiro daquele mundo de terra que o dito “Cara de Bronze” gastou toda uma vida para construir. Aparentemente o “Cara de Bronze”, a partir de sua cama de doente, orquestra todo o reboliço na fazenda que constitui o dia do retorno do vaqueiro Grivo à fazenda e de sua presumível premiação. Mas na verdade o grande maestro é o próprio Rosa, incorporado no texto através do personagem “Moimeichego”, alter-ego do autor, nominado e assinado: moi=eu; me=eu; ich=eu; e ego=eu.
Pois bem, no texto, o vaqueiro Grivo foi premiado pelo patrão com esta grande viagem pelo mundo em função dos seus relatos. Mas para mim, foi um verdadeiro “concurso de poesia” que o velho “Cara de Bronze” instituiu entre seus rudes vaqueiros. Na verdade, o próprio fazendeiro foi aos poucos ensinando a arte da poesia aos seus peões à medida que lhes despertava à sensibilidade. Assim foi selecionando-os, de modo que um dia encontrou neste Grivo uns olhos preparados para traduzir as leituras das coisas que ele, entrevado, desejaria de ver lá fora.
A seguir os meus apontamentos, citando primeiramente o texto de Rosa, seguido de possível interpretação (em itálico) para a montagem, desta vez, do meu tutorial de poesia:
1- “O Grivo era de boa inclinação, sem raposia nenhuma. Nunca foi embusteiro.” Honestidade – O artista (o poeta) deve ser honesto consigo, com os outros e com a sua obra;
2- “O vaqueiro Calixto. – Aprendeu porque já sabia em si, de certo. Amadureceu...” Vocação, dom. O poeta necessita ter jeito para a coisa. Alguns poetas, como Gullar, por exemplo, afirmam que o sujeito já nasce poeta;
3- “O vaqueiro José Uéua. – O velho ensinou.” O poeta tem que ter a humildade de aprender com os que vieram antes dele. Por mais que uma obra de arte deva ser uma invenção, esta invenção deve começar de princípios já dominados e conhecidos para que ela possa ser entendida e vir a agregar algum valor.
4- “Carecia de se abrir a memória.” - O poeta tem que libertar a sua mente de todas as peias, utilizar-se de coisas aprendidas, memorizadas e imaginadas para compor uma nova leitura.
5- “E ver o que no comum não se vê: estas coisas de que ninguém não faz conta.” O poeta precisa ter uma sensibilidade de fazer abrir os olhos das pessoas, dar novos significados às coisas já conhecidas.
6- “Ensinava a gente: era a mesma coisa que se desenvolver um cavalo.” O poeta precisa a aprender a caminhar nos campos da escrita, pegar um ritmo,um dia conseguirá trotar e se seguir adiante terá chances de executar seus galopes.”
7- “Mandava-os por perto, a ver e ouvir e saber – e o que ainda é mais do que isso, ainda, ainda. Até o cheiro de planta e terra se espiritava. “Buriti está tocando!” “ O poeta tem que ter um sexto - sentido, um sétimo, um oitavo... Se não tiver, terá que inventar um! Desenvolver a sua própria semiótica.
8- “Isto é ofício, tem que falar e sentir, até amolecer a casca da alma.” O poeta precisa ser obstinado, agir como profissional, suar a camisa para conseguir dar realmente o sentido sentido ao poema
9- “Tirar a cabeça, nem que seja por uns momentos: tirar a cabeça, para fora do doido rojão das coisas proveitosas.” Apesar de ser uma pessoa comum, o poeta necessita de seus momentos de ócio, de brincadeiras, de loucuras e devaneios.
10- “Tudo tinham que transformar, ter em outras retentivas.” O poeta não deve cantar as coisas como elas são, mas como elas foram retidas e retintas pelos seus olhos.
11- “Queria é que se achasse para ele o quem das coisas!” - O poeta precisa nomear precisamente as coisas, dar-lhes nome e nume. Só em suas próprias palavras, as coisas passam a existir, ávidas e vívidas, dentro do poema!
Evidentemente o texto acima não tem qualquer valor científico, muitos estudiosos da língua portuguesa, muito mais preparados e mais argutos que eu, já perscrutaram esta caranca do “Cara de Bronze” e chegaram a veredictos mais eficientes que este. O que aqui quis foi, num tom lúdico, prestar uma pequena homenagem para um grande mestre da prosa, mas que fez muito e mundos pela poesia brasileira. Mas não posso duvidar, de maneira nenhuma, que este referido tutorial de poesia roseano, já não tenha sido descoberto antes de mim, e nem que já esteja sendo usando com eficácia pela poesia industrial. Pois na poesia, os senhores já sabem, as coisas nunca são tão somente o que as coisas são!
Poema do Grivo
Sabiá na muda: ele escurece o gorgeio...
Bentevi gritou,
Papinho dele de alegria de amarelo
Tanto quase não rebentava...
Pássaro do mato em toda parte voa torto
- por causa de acostumado
Com as grandes árvores...
João Guimarães Rosa – In: “Cara de Bronze” do “No Urubuquaquá, no Pinhém”.
altair.de.oliveira@gmail.com(foto: sarau Casa das Rosas - SP)
Por Altair de Oliveira.
DOS TUTORIAIS DE POESIA
Não é segredo nenhum que o mineiro Guimarães Rosa tenha iniciado na literatura escrevendo contos esparsos para participar de concursos literários e que, já aos 21 anos, em 1929 teria ganho uma quantia de 100 contos de réis e tido seus primeiros trabalhos publicados na extinta revista “Cruzeiro”. Mas o autor escrevia também poemas e em 1936 ele os reuniu em um volume chamado “Magma” para participar de um concurso de poesia da Academia Brasileira de Letras, que também ele “papou”. Apesar da aparição do livro Magma ter sido exaltada com honras, Rosa nunca o publicou. A edição que temos é de 1989, trinta anos após sua morte. Aparentemente Rosa teria abandonado a poesia, pois o que veio a publicar depois só veio a ser prosa. Ele tornou-se talvez um dos maiores contadores de histórias da história da literatura brasileira, mas quem o lê com atenção percebe logo que este prosador incomum nunca deixou de ser um grande poeta.
Reafirmo aqui que um poeta aprende a escrever ao ler outros poetas, principalmente os seus poemas, mas também entrevistas e os textos críticos que ousaram escrever. Alguns poetas, entretanto, vão além do exercício de escreverem poemas e se põem a serviço da crítica e da didática da arte da palavra e, a partir de suas próprias experiências e de experiência de outros poetas, acabam deixando escrito os seus conselhos ou verdadeiras listas de itens de “como fazer” ou de “como não fazer” para se escrever um bom poema. Com o transcorrer do tempo, estes conselhos acabam se transformando em verdadeiras receitas de bolos que são usadas nos cursos e capacitações de produção de textos ou em oficinas de poesia, tão comuns nos nossos dias!
Livros como “A Arte da Poesia” (de Ezra Pound), “Como Fazer Versos” (de Wladimir Maiakóviski), “Cartas a um Jovem Poeta” (de Rainer Maria Rilke) e outros, ou textos recolhidos de poetas como Arthur Rimbaud, Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes são exemplos destes amuletos ou destas muletas para aqueles que buscam avidamente um atalho para os aposentos da musa – a poesia.
Observem que não afirmo aqui que estes ensinamentos ditados acima são inúteis, eu apenas diria que nada prova que seguir estritamente as regras que eles recomendam vai capacitar quem quer que seja de cometer bons poemas. Mesmo porque, a maioria destes tutoriais poéticos não foram escritos para tal fim. Na verdade, adquiriram este grau de “bizuário” por circunstâncias, digamos, mais financeiras, do que exatamente poéticas, uma vez que poderiam virar fonte de renda. Para editores, idealizadores de cursos de “‘formação de futuros poetas” e afins. “Cartas a um Jovem Poeta”, por exemplo, só veio a se tornar livro após a morte do autor, quando o destinatário destas cartas (Franz Xaver Kappus) decidiu torna-las públicas para compartilhar estes ensinamentos com o resto do mundo.
Frases como “Nenhum verso é livre para quem quer escrever um bom poema!” (de T.S. Eliot) ou “Confesse a sua alma: morreria, se não fosse permitido escrever!?” (de Rilke) mais cedo ou mais tarde irão aparecer como pedras no caminho de quem realmente quer escrever poemas. Isto mostra que estes ensinamentos, quando buscados nas fonte (livros, resenhas cartas) e não nas tábuas de leis dos cursos de poeta, podem ser úteis sim!
Voltado ao nosso homem que fez o seu nome florir na prosa brasileira, ele também conscientemente ou não, acabou deixando a suas dicas de como escrever poesia numa das novelas de “Corpo de Baile”. Recordo-me que anos atrás, quando lia pela primeira vez o “Cara de Bronze” percebi subitamente que estava ali implícito um belo e sutil “receituário” de um fazer poético, uma verdadeira aula acontecendo ali por trás da cortina bordada do texto de Rosa!
DO CARA DE BRONZE
A novela “Cara de Bronze” (o autor chamou de conto), que se encontra no volume “No Urubuquaquá, no Pinhém” e que faz parte da obra “Corpo de Baile”, é considerada como um dos mais enigmáticos texto do autor, mas é também um dos mais estrategicamente elaborados e com alto teor poético. Na verdade, não é um texto de fácil compreensão, pois requer um alto nível de percepção do leitor - e preferencialmente, que esse já tenha uma certa intimidade com o universo roseano – uma vez que ele foi composto explorando várias formas de estrutura da linguagem (narrativa, diálogo, canção, teatro, poesia, etc) num formato pouco usual. Porém, nada que impeça ao avanço prazeroso de um bom amante das palavras.
O texto se desenvolve em torno do personagem “Cara de Broze”, o seu Segisberto, um rico fazendeiro entrevado numa cama e assim, com seu mundo agora restrito às quatro parede de seu quarto, em uma grande fazenda de gado encalacrada nos cafundós das Gerais. Mas este personagem principal não aparece, é apenas mencionado todo o tempo. A ação é toda voltada para a chegada de Grivo, um dos vaqueiros que havia sido enviado a uma grande viagem por ordem do patrão, o seu Segisberto. Este, queria poder “ver” e estar à par das belezas da fazenda por meio de relatos. Desta forma, envia vários de seus vaqueiros com esta missão. Grivo, por ter se destacado ao mostrar algum diferencial de percepção e de expressão poética entre os companheiros, parece estar então predestinado a uma grande recompensa, possivelmente a tornar-se o herdeiro daquele mundo de terra que o dito “Cara de Bronze” gastou toda uma vida para construir. Aparentemente o “Cara de Bronze”, a partir de sua cama de doente, orquestra todo o reboliço na fazenda que constitui o dia do retorno do vaqueiro Grivo à fazenda e de sua presumível premiação. Mas na verdade o grande maestro é o próprio Rosa, incorporado no texto através do personagem “Moimeichego”, alter-ego do autor, nominado e assinado: moi=eu; me=eu; ich=eu; e ego=eu.
Pois bem, no texto, o vaqueiro Grivo foi premiado pelo patrão com esta grande viagem pelo mundo em função dos seus relatos. Mas para mim, foi um verdadeiro “concurso de poesia” que o velho “Cara de Bronze” instituiu entre seus rudes vaqueiros. Na verdade, o próprio fazendeiro foi aos poucos ensinando a arte da poesia aos seus peões à medida que lhes despertava à sensibilidade. Assim foi selecionando-os, de modo que um dia encontrou neste Grivo uns olhos preparados para traduzir as leituras das coisas que ele, entrevado, desejaria de ver lá fora.
A seguir os meus apontamentos, citando primeiramente o texto de Rosa, seguido de possível interpretação (em itálico) para a montagem, desta vez, do meu tutorial de poesia:
1- “O Grivo era de boa inclinação, sem raposia nenhuma. Nunca foi embusteiro.” Honestidade – O artista (o poeta) deve ser honesto consigo, com os outros e com a sua obra;
2- “O vaqueiro Calixto. – Aprendeu porque já sabia em si, de certo. Amadureceu...” Vocação, dom. O poeta necessita ter jeito para a coisa. Alguns poetas, como Gullar, por exemplo, afirmam que o sujeito já nasce poeta;
3- “O vaqueiro José Uéua. – O velho ensinou.” O poeta tem que ter a humildade de aprender com os que vieram antes dele. Por mais que uma obra de arte deva ser uma invenção, esta invenção deve começar de princípios já dominados e conhecidos para que ela possa ser entendida e vir a agregar algum valor.
4- “Carecia de se abrir a memória.” - O poeta tem que libertar a sua mente de todas as peias, utilizar-se de coisas aprendidas, memorizadas e imaginadas para compor uma nova leitura.
5- “E ver o que no comum não se vê: estas coisas de que ninguém não faz conta.” O poeta precisa ter uma sensibilidade de fazer abrir os olhos das pessoas, dar novos significados às coisas já conhecidas.
6- “Ensinava a gente: era a mesma coisa que se desenvolver um cavalo.” O poeta precisa a aprender a caminhar nos campos da escrita, pegar um ritmo,um dia conseguirá trotar e se seguir adiante terá chances de executar seus galopes.”
7- “Mandava-os por perto, a ver e ouvir e saber – e o que ainda é mais do que isso, ainda, ainda. Até o cheiro de planta e terra se espiritava. “Buriti está tocando!” “ O poeta tem que ter um sexto - sentido, um sétimo, um oitavo... Se não tiver, terá que inventar um! Desenvolver a sua própria semiótica.
8- “Isto é ofício, tem que falar e sentir, até amolecer a casca da alma.” O poeta precisa ser obstinado, agir como profissional, suar a camisa para conseguir dar realmente o sentido sentido ao poema
9- “Tirar a cabeça, nem que seja por uns momentos: tirar a cabeça, para fora do doido rojão das coisas proveitosas.” Apesar de ser uma pessoa comum, o poeta necessita de seus momentos de ócio, de brincadeiras, de loucuras e devaneios.
10- “Tudo tinham que transformar, ter em outras retentivas.” O poeta não deve cantar as coisas como elas são, mas como elas foram retidas e retintas pelos seus olhos.
11- “Queria é que se achasse para ele o quem das coisas!” - O poeta precisa nomear precisamente as coisas, dar-lhes nome e nume. Só em suas próprias palavras, as coisas passam a existir, ávidas e vívidas, dentro do poema!
Evidentemente o texto acima não tem qualquer valor científico, muitos estudiosos da língua portuguesa, muito mais preparados e mais argutos que eu, já perscrutaram esta caranca do “Cara de Bronze” e chegaram a veredictos mais eficientes que este. O que aqui quis foi, num tom lúdico, prestar uma pequena homenagem para um grande mestre da prosa, mas que fez muito e mundos pela poesia brasileira. Mas não posso duvidar, de maneira nenhuma, que este referido tutorial de poesia roseano, já não tenha sido descoberto antes de mim, e nem que já esteja sendo usando com eficácia pela poesia industrial. Pois na poesia, os senhores já sabem, as coisas nunca são tão somente o que as coisas são!
Poema do Grivo
Sabiá na muda: ele escurece o gorgeio...
Bentevi gritou,
Papinho dele de alegria de amarelo
Tanto quase não rebentava...
Pássaro do mato em toda parte voa torto
- por causa de acostumado
Com as grandes árvores...
João Guimarães Rosa – In: “Cara de Bronze” do “No Urubuquaquá, no Pinhém”.
Altair de Oliveira é poeta, autor de vários livros. Adquira o seu pelo email :
altair.de.oliveira@gmail.com(foto: sarau Casa das Rosas - SP)
8 comentários:
Não existe um tutorial de poesia, Octávio Paz já nos alerta para isso em "O arco e a lira", mas muita gente que diz que não precisa aprender nada, e que se se acha já feito, cai em uma poesia repetitiva e piegas quase sempre.
12 de outubro de 2009 às 17:38Altair, interessante essa sua "sacada" lúdica de extrair seu tutorial pessoal de poesia de um texto que não se propõe a isso e nem é, a princípio, de poesia em sua forma. Coisa de percepção de poeta mesmo: um tutorial por inspiração acendida e não por ou para catequisação!(Sim, entendi que é também uma crítica aos tutoriais-receita-de-bolo dos cursos de "capacitação" de poetas!)
14 de outubro de 2009 às 20:12Na verdade, quem tem um mínimo de leitura e intimidade com o universo roseano, percebe a poesia ali permeada, a delícia de durante a leitura, se sentir a todo momento surpreendido pelo impacto das imagens e falas de grande força poética e imaginativa. Tal como nos proporciona uma boa poesia, daquelas filtrada e esculpida via inspiração e laboração honesta de um verdadeiro poeta, que dificilmente terá se formado via cursinho/tutorial de poesia!
Parabéns e um grande abraço, meu poeta!!
adoro esta característica do poeta altair porque este está intimamente ligado à actividade cultural, à sua divulgação e ao prazer de se estar envolvido nela, actualmente contar quantos tutorias sobre poesias existem é tão difícil quanto encontrar um feito assim com periodicidade definida,como este feito pelo nosso poeta altair oliveira .
14 de outubro de 2009 às 21:18abracos
ELIZAINGLES
QUERIDO AMIGO ALTAIR CADA VEZ VOCE SURPREENDE MAIS, SUA CULTURA MARAVILHOSA. UM ABRACO CARINHOSO DA AMIGA
15 de outubro de 2009 às 08:53FATHY HEESCH
Altair, uma delicia de ler, com um tutorial assim, a vida fica mais saborosa! Um beijo grande!
15 de outubro de 2009 às 22:58Claudia
Todos sabemos da riqueza e complexidade das obras de Guimarães Rosa.Assim como o personagem citado, acredito que quem escreve deve ir atrás de inspiração e experiência.Há sim que aprimorar-se, estudar, ler e ler sempre.O Poeta deve sim, ir "buscar" poesia.Mas, há duas coisas essenciais, no meu humilde entender:- talento e sensibilidade.
17 de outubro de 2009 às 06:31É precido ter para tudo "olhar" de Poeta.
Parabéns Altair pela excelência de seu texto.
Dalvíssima (Contar).
Que texto maravilhoso! Concordo plenamente e muito me fez e fará refletir sobre o ofício de poetar...
19 de outubro de 2009 às 23:07Rilke e Maiakoviski me ensinaram muito mais com seus poemas do que com seus 'manuais'. Porém, "Carta a um jovem poeta" é uma delícia!
Por favor, me avise quando publicar mais textos.
Parabéns! Beijos
"Felicidade se acha nas horinhas de descuido." Guimarães Rosa
Não sei como explicar, G.R tornou-se para mim uma leitura gostoza, ele é um desafio, pois à medida que se (desculpe) O lê ( o ""O"em letra maiuscula)
21 de outubro de 2009 às 19:17aprende-se a sua liguagem e é super curtição. Li apenas o Grandes Sertões - Veredas, mas é pura poesia, já ouvi psicanalistas Lacanianos citando-o...
" escrever, ou psicanalisar, no caso, é pegar a palavra pelo rabo" super lindissimo, o cara é único mesmo.
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