sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Um Salto no Futuro de Hoje

Nessa última sexta-feira apresentei em Salvador uma comunicação no 18º encontro da ANPAP (Associação de Pesquisadores em Artes Plásticas). Sem a intenção de (improdutivamente) reproduzi-la aqui, gostaria de ocupar esse espaço com uma digressão – digressão que, muitas vezes deixada de lado em prol de nossos compromissos/objetivos supostamente inadiáveis, é capaz de renovar o fôlego em nosso cotidiano.

Assim vejo meu fim de semana prolongado na Bahia, que, da apresentação do trabalho ao mergulho/natação no mar, funcionou afinal como um revigoramento de minha existência – uma autêntica experiência estética. Sobre meu trabalho, por certo terei oportunidade de compartilhar um pouco sobre – o que, aliás, começou a ser feito, aqui, há duas semanas atrás.

Gostaria então de dividir com vocês algumas emoções dessa viagem. A começar pela Igreja de S. Francisco, bem ali no Pelourinho, uma das nossas igrejas barrocas, “forradas de ouro”, como observa o historiador francês Germaine Bazin. Ostentação, luxo incompatível com a pobreza da maior parte de nossa população (situação que persiste, ainda que em outra escala)? Mas, e lembro logo da declaração do arquiteto Lúcio Costa em entrevista, não é justamente a igreja o espaço público do Brasil colonial?

Meu passeio de sábado começou ali, seguido por visita a uma pequena mostra de arte popular da coleção da arquiteta Lina Bo Bardi, conhecida pelo projeto do MASP, que muito refletiu sobre o artesanato brasileiro. Na mostra do Centro Cultural Solar Ferrão, Fragmentos: Artefatos populares, o olhar de Lina Bo Bardi, no Pelourinho, havia desde cabeças (ex-votos) em madeira de grande impacto visual a elegantes cestos de lixo (inéditos para mim) feitos em borracha de pneu – mais de 800 peças entre utensílios de madeira, objetos de barro, pilões, santos e objetos de candomblé guardados desde 1965.

O calor era grande; e, com o dendê dos deliciosos caruru e vatapá do almoço o resultado foi uma ida, lenta, ao Solar do Unhão, o MAM de lá [1] (para ver “Cuide de você”, bela mostra da artista francesa Sophie Calle, que esteve lá para a montagem; vale a pena ser visitada, mas não faz parte dessa minha postagem). Depois de assistir à mostra, me arrastei – exausta pelo calor e pelo dendê – pelo jardim de esculturas: uma encosta à beira-mar com trabalhos de alguns de nossos grandes artistas contemporâneos, como Tunga, Waltércio Caldas, Yvens Machado. O poderoso brilho do sol no mar me fez decidir pela continuação do passeio.

Meu próximo destino: forte S. Marcelo, um forte circular do início do século XVII, e que fica a poucos minutos de barco do Mercado Modelo. Ali a capacidade de construção humana se impõe na arquitetura austera e maciça, ancorada num banco de areia. Tendo funcionado como cadeia para prisioneiros de guerra, como Cipriano Barata e Bento Gonçalves, o forte possui intensa carga emocional – sempre em circulação, porém, o que é acionado pela deliciosa brisa que embalou meu descanso sobre as paredes de 10 m de largura.

À noite, música no teatro Castro Alves, onde assisti a três grupos de música instrumental, entre os quais se destaca o trio 202, formado por Nelson Ayres (piano), Toninho Ferragucci (acordeón) e Ulisses Rocha (violão), que tocou uma versão lindíssima de “Ponteio”, de Edu Lobo.

(E esse mar verde-azulado maravilhoso foi devidamente explorado no domingo, com mergulho e natação de uma hora).

Nota

[1] Construído no século XVII, o Solar do Unhão, que passa a ser conhecido com esse nome no final do século XVII, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1943, sendo depois adquirido e restaurado pelo Governo do Estado da Bahia no início da década de 60, com projeto arquitetônico de Lina Bo Bardi, para instalar o Museu de Arte e Tradições Populares. A partir de 1966 passa a sediar o Museu de Arte Moderna da Bahia.



Fernanda Lopes Torres, historiadora da arte, graduada pela ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial) da UERJ, mestre e doutora em História pela PUC-Rio, pesquisadora de arte da Multirio (Empresa Municipal de Multimeios) escreve às quintas-feiras quinzenalmente no ContemporARTES.

fernandalopestorres@uol.com.br

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