terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Bar ContemporARTES

A PERDA DE ÁRTEMIS



Ártemis, condenada aos amantes que não possui, foge dos odores que escavam seios e cavidades, apagados pela distância dos passos. Observada pelo séqüito dos desconhecidos, escondida em cavernas, nas quais não há olhares, acendeu velas em masculinos pavios, que queimaram sua pele, na profundidade de sete palmos, por sete dias.

Invisível, muda, sem tato, cala suspiros e confidências, desenha concubinatos, contornos perfeitos de bocas, costas e mãos, deixados nas esquinas, pendurados nas cordas, pintados nos muros, para apodrecerem as moscas, todas as réplicas das caças inúteis, que servem de modelo e obrigam a matar o caçador.

Ártemis crescida, de seios alvos e pele e boca e dentes, tem um corpo do tempo em que quase não havia tinta no mundo e as pessoas podiam viver para sempre, mas deseja o fim dos ciclos e dos cios, quebrar arcos e flechas, rasgar saias, usar saltos, deixar de cortar cabelos, unhas e de rezar para os deuses esquecidos: Baco, Vênus, Apolo. Abandonar a pele nua, o néctar dos deuses, a cama vazia, as grutas escondidas em florestas hedonistas e espreita o próprio corpo, na ânsia de preencher buracos em redomas impenetráveis.

Ártemis no fim dos dias, eclipse lunar num silêncio de arrepios, se despede da nudez provocativa, sem diários, calendários, biografias, diálogos aporéticos ou cartas, apenas veste as sandálias aladas, as pulseiras de búzios, os colares de souvenir, os anéis de saturno, um vestido e um amor, para uma última olhada no espelho, no qual Narciso se esconde e sai vestindo a blusa após decifrar a mensagem que ocultava entre os quadris.


Vanessa Molnar é historiadora e escritora. Autora do livro de contos, Crônicas de uma Tara Gentil, premiado pelo PAC/SP
vanumaga@hotmail.com

0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.