Poesia de todos os dias!
Ontem foi também o dia da poesia, mas hoje (que é o dia da poesia) apresentamos um poema em prosa da professora mineira Ivana Ferrante que, sensibilíssima, aproveita-se da saudade para nos presentear com uma poesia emanada e irmanada da lua.
Na sequência um poema do fascinante e polêmico poeta carioca Bruno Tolentino, falecido recentemente, que trata do prodigioso e triste ofício de tentar dizer o indizível. Uma pequena homenagem atrasada à poesia ou ao dia da poesia? Nada! Homenagenzinha sim, mas aos poetas. Estes bichos estranhos que nascem e morrem para tentar manter a poesia viva por todos os dias-santos e por todos os santos dias. Estejam bem!
Ivana Ferrante:
Professora de Língua Portuguesa pela UNIMONTES/ MG, Universidade Estadual de Montes Claros, em Minas Gerais, há dez anos, onde participa de um grupo de pesquisadores da obra de Guimarães Rosa. Tomou emprestado do texto rosiano o nome de uma personagem encantadora, Rosalina, a moça-velhinha, que seduz por meio da arte de contar estórias. Este é o pseudônimo que usa para escrever. Criada no interior mineiro, ouvindo “causos”, contados sob o lume da lua dos gerais, cresceu acreditando que a literatura acalenta a alma e devolve ao homem a ternura perdida pelo tempo.
Ao lume da lua
Bobagem, ele me disse. Vira pro lado e tenta dormir.
Naquela noite ele não teve culpa. Ninguém assistiu à derrisão silenciosa da nossa casa. Havia uma flor em nosso jardim.
Levantei-me. Ao abrir a janela fui flagrada pela cara redonda da lua. Espiei debaixo da cama, mas nenhum monstro viera visitar-me nesta noite. Tudo parecia docemente calmo. E sobre tudo pairava o lume de prata da noite.
Despi-me. Pelo espelho, uma mulher olhava-me entediada.
Saí. A noite acolheu-me em veludos duvidosos. Não sabia para onde iria. xx
Não deixei bilhete ou qualquer sinal. Levei apenas aquele vestido volátil e suas pregas indisciplinadas.
Hoje escrevo do outro lado do mundo. Cato mariscos na areia e os vendo aos bares. Descobri recentemente o prazer de caminhar descalça. E colho risos dos desavisados. Quando me perguntam de onde vim, aponto para a lua. Agora dei pra ser de poucas palavras. Às vezes me pego em longa contemplação do nada. Especialmente à hora em que ele se põe. Sinto um arrepio de prazer pelo corpo. A beleza me toma.
Na casa que deixei, as formigas fazem seu trabalho cotidiano. Deixam apenas os vestígios da sua pequena tragédia. Quando ele me amava, era um pouco como as formigas em seu trabalho: iam sempre onde havia um resto de doce.
Na sua rotina, ele deve ter sentido um pouco de saudade. Mas eu sei que tudo isso é bobagem. A lua cheia reaparece em turnos de poesia. Vira pro lado e tenta dormir.
Ivana Ferrante
Para saber mais sobre Ivana, escreva-lhe: ivanaferrante@hotmail.com
***
PRODÍGIOS II
Cantar é acreditar num impossível;
que o possível, seu pobre ramalhete,
insiste em desfolhar-se, tarde ou cedo.
Nem a aranha se fia do visível,
até ela prefere o seu segredo.
Eu também faço o mesmo: a cada nível,
vou perguntando o que não cabe neste
nem talvez noutros mundos, o indizível,
o canto espuma em chamas, rumorejo,
gorgeio inacessível a olho nu.
Não me fio do olhar porque o que eu vejo
é sempre transparente, como tu,
que me ofuscas, libélula ou arpejo,
luz que sopras as flautas do bambu...
Bruno Tolentino, In: "O Mundo Como Idéia" editora Globo.
Quem foi Bruno Tolentino?
Bruno Tolentino nasceu no Rio de Janeiro em 1940, conviveu desde criança com intelectuais e escritores, entre eles Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Foi vencedor do prêmio "Revelação de Autor" em 1960 e, com o advento do regime militar, o poeta foi para europa em 1963, sendo acolhido pelo poeta italiano Giuseppe Ungaretti. Trabalhou como tradutor-intérprete junto à Comunidade Econômica Européia, foi professor nas universidades de Bristol e de Essex e, em 1973, assumiu a direção da "Oxford Poetry Now". Publicou alguns livros de poesia na Europa onde foi saudado como "um desses poucos que fazem a cultura de uma época" (Le Vrai Le Vain - actuels, Paris - 1971 e "About the Hunt", OPN Oxford - 1978). O poeta foi elogiado também por autores como W. H. Auden, Saint-John Perse, João Cabral de Belo Neto, Ferreira Gullar, etc.
Voltou ao Brasil em 1993 e publicou aos poucos a sua extensa obra: "Anulações e outros Reparos", "As Horas de Katharina", "Os Deuses de Hoje", "Baladas do Cárcere", "O Mundo como Idéia" e "A Imitação do Amanhecer". Bruno tolentino foi agraciado com os prêmios: Cruz e Souza, Abgar renault, Prêmio Jabuti (3 vezes) e prêmio José Ermínio de Moraes.
Adoecido, o poeta viveu os últimos anos de sua vida numa Ermida na Serra da Piedade, Caeté - MG, próximo a Belo Horizonte, e morreu em São Paulo no dia 27 de junho de 2007.
Para saber mais sobre Bruno Tolentino: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bruno_Tolentino
Eventos Poéticos da Semana no Rio de Janeiro:
- Segunda, 15/03/2010
1- "Arte em Andamento" - 20h à meia-noite - Art Hostel Rio - R. Silveira Martins, 135 - Catete - RJ;
2- "Corujão da Poesia e da Música" - Universo da Leitura - das 20h30 às 3 hs - Botequim São Nunca, na Praia de Icaraí - Niterói - RJ
- Terça, 16/03/2010:
1- "Um Brinde à Poesia" 19h30 às 22h - Niterói Abraça o Rio - Centro Cultural Paschoal Carlos Magno, rua Lopes Trovão - Campo de S. Bento - Icaraí - Niterói - RJ
2 - "Corujão da Poesia" - Universo da Leitura (vigília poética) - meia-noite às 5hs - Livraria Letras & Expressões - Av. Ataulfo Paiva, 1292 - loja C - Leblon - RJ
- Quarta, 17/03/2010:
1- "POLEM" – Poesia no Leme – 19 hs às 22:30 hs - Quiosque Estrela da Luz – Praia do Leme (em frente ao Fiorentina).
- Quinta, 18/03/2010:
1- "Leminski Revisitado" - 18 hs às 20hs - bate-papo sobre Leminski e performance com o grupo Elllas & os Monstros - Estação das Letras – R. Marquês de Abrantes, 177 – Flamengo - RJ
2- "Conversa Proibida" - 20 hs às 23 hs - Up Turn Bar - Av. das Américas - Freeway Shopping - Barra da Tijuca – RJ
- Sexta, 19/03/2010:
1- "Happy Hour Poético" - 18:30 às 22 hs - Brechó de Salto Alto - Shopping dos Antiquários - R. Siqueira Campos, 143 – 2º andar -(ao lado da estação Siqueira Campos do Metrô).
- Sábado, 20/03/2010:
1- "Santa Poesia" - das 16 hs às 19 hs - Subida de bondinho até o Largo dos Guimarães – Sarau no Largo - Retorno às 19h.Concentração: Estação Carioca - Rua Lélio Gama (ao lado da Petrobrás)
- Domingo, 21/03/2010:
1- "O Amante do Girassol" – 19 hs - com Daniel Lobo e João Carlos Assis Brasil, Direção: Xarlô.
Centro Cultural Justiça Federal - Av. Rio Branco 241, Cinelândia – RJ.
Ilustrações: 1- detalhe do painel do Colégio Medianeira, do pintor paranaense Cláuldio Kambé.
2- Foto de uma escultura de Sayaka Kajita Ganz.
Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul), Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).
5 comentários:
Poesia Comovida de Ivana Ferrante.
16 de março de 2010 às 19:07Lindissima, adorei....
Simplismente.
Oi Altair. Lembrei de você lendo aquele poema do monstrengo, do "Baladas do Cárcere" do Tolentino. Bons tempos...
21 de março de 2010 às 19:55Ivana nos traz uma leitura confortável, sempre bem-vinda neste cotidiano de caos.
21 de março de 2010 às 20:40Que belo texto Ivana, delicado para tratar de assunto tão pungente quanto uma separação!
9 de abril de 2010 às 12:02Sutil e elegante!!!!
parabéns e continue a nos brindar com mais dessas belezas!!!!
Altair,que bom te-lo conhecido.E através do seu trabalho ficar conhecendo
27 de abril de 2010 às 02:25estes poemas tão interessantes e estes poetas,para mim desconhecidos, tão
consistentes e sensíveis.
Postar um comentário
Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.