O Poeta Antônio Lázaro de Almeida Prado.
A APRESENTAÇÃO
por Altair de Oliveira.
Apresentamos-lhes uma pequena entrevista que nos foi gentilmente concedida pelo poeta e professor Antônio Lázaro de Almeida Prado, figura brilhante e singular da poesia brasileira e que tem dedicado toda sua vida, de uma maneira profunda e sem alardes, à arte das palavras. Entretanto, só recentemente ele permitiu publicar seus escritos poéticos no livro intitulado "Ciclo das Chamas e Outros Poemas" (Ateliê Editorial - 2005), cuja leitura foi suficiente para que seus leitores logo constatassem que se tratava de um dos melhores poetas vivos em atividade no país. Para nós, está matéria de hoje, é um momento de grande orgulho e de aprendizado.
Um bardo simples e do bem, sempre amoroso às pessoas que o cercam e às comunidades que o têm, Antônio Lázaro é só aparentemente incompatível com o verdadeiro ladrão de fogo que realmente é. Elogiado, entre tantos, por intelectuais da envergadura do crítico Antônio Cândido e do poeta Thiago de Mello, seus textos carregam um centelhamento preconizado pelo francês Rimbaud e que parece ter sido alcançado pelo inglês Gerard Manley Hopkins, de quem o poeta é confessadamente admirador. Seu livro de estréia "Ciclo das Chamas", publicado aos 80 anos, é um verdadeiro execício de estética que toda obra de arte devia ter, uma obra de poesia moderna que já nasceu clássica e para celebrar o amor e a vida. Isso, acreditem, não é pouco!
COMPARTILHADO
Solitário indivíduo estendo pontes
E solidário me faço além do espaço
Exíguo deste corpo agreste e lasso,
Navegando para além dos horizontes.
Compartilhada vida só em parte
Pois que, por outra parte, fujo à ilha,
E desfruto a perpétua maravilha
De à angusta solidão fugir com arte.
Solitário, mas sempre solidário,
Fugindo ao tempo precário e repartido,
No bem do amor encontro o meu sacrário
E tudo o que é bem meu eu condivido
Não vendo noutro ser algo contrário
Mas o que faz o inferno suprimido.
Assis, 15 de junho de 2007 - Antônio Lázaro de Almeida Prado
A Entrevista
PC- O senhor tem praticamente dedicado sua vida à palavra, à arte da palavra. Poderia nos dizer que encantamento é esse?
ALAP- Agradeço, por antecipação, a sua busca das raízes da minha poesia.
Dedicar a vida à arte da palavra nasceu em mim da convicção de que das chamadas Belas Artes é a da Palavra o grau mais eminente das expressões artísticas humanas, porque é a que menos depende da Natureza. E se realiza com o sopro de nossa voz, expressão audível de meu ser.
PC- Por que evitou por tanto tempo em publicar os seus poemas ou a permitir que eles fossem publicados?
ALAP- O fato de só aos oitenta anos haver permitido a edição de poemas da minha autoria, talvez decorra daquilo que meu mestre de Literatura na USP, o Professor Fidelino de Figueiredo, chamou da voga de hipercriticismo das gerações da segunda metade do século XX.
O meu poeta maior Thiago de Mello censurou-me, amigavelmente, por isso. Para ele, não é explicável, nem desculpável haver eu silenciado a minha poesia, até porque, assim, inibi eu a tríade que mestre Antonio Candido de Mello e Souza (muito antes da tardia “Estética da Recepção” viu como indispensável no trajeto da Arte: Autor, Obra e Público.
Para dizê-lo com Freud, por razões vitais, cresceu demasiado em mim um hipercriticismo ou o super-ego, bastante exigente.
PC- Poderia falar um pouco sobre o “Ciclo das Chamas”? É um livro específico, uma coletânea de poemas de uma vida toda ou os poemas reunidos de uma fase de sua vida?
ALAP- Ciclo das Chamas, como o nome do meu primeiro livro de Poesia, que liberei aos 80 anos, pretende sugerir, é o resultado artístico-vital de um ciclo artístico fundamental de minha poesia, porque reúne e compendia a combustão de impedimentos, a que estive submetido, na esteira do que sucedeu ao invejável poeta Hopkins.
PC- O exercício de professor na área da escrita ajuda ou atrapalha uma pretensão literária? Não ocorre aí o risco de se criar aí uma consciência crítica tão forte que possa atrapalhar ou impedir a livre expressão do escrevente?
ALAP- O exercício do magistério universitário na área da Teoria Literária e de Literatura Comparada, não atrapalhou minha produção artística, primeiro porque a Poesia nasce de mim, como ocorria com o que disse o poeta latino Ovídio: “tudo quanto eu tentava dizer, resultava em verso”. Segundo porque esse magistério é coerente com o que sempre pensei dos poetas autênticos: que operam com uma lucidez decorrente das emoções, e as expressa. Ou como dizia Cesare Pavese, cuja obra analisei, como pioneiro: “poesia é um discurso humano, a respeito dos fatos humanos”.
Minhas aulas de Poesia significaram um convívio, indispensável, com os melhores poetas da literatura universal.
PC- O Brasil é um país onde sempre se cultivou a poesia, hoje no país há milhões de pessoas escrevendo poemas e li recentemente num site de poesias onde um grupo de poetas do Rio de Janeiro proclamava: “Somos um país de poetas!”. Então por que a poesia brasileira nunca teve grandes destaques no exterior, ao ponto de ser celebrada por algum crítico importante como já aconteceu com alguns de nossos autores de prosa? Eu citaria como exemplo: Machado de Assis, Clarice Lispector e Guimarães Rosa?
ALAP- Devo confessar que não me parece justo crer-se que o Brasil “país de poetas”, ainda não tenha projetado um poeta de estrutura universal.
Basta pensar-se em Murilo Mendes, muito mais conhecido fora do Brasil, do que dentro dele.
Murilo Mendes, com dois exigentíssimos prêmios poéticos na Europa, prêmio esse só concedido a gigantes da palavra poética, é um dos poetas brasileiros (e são vários) de padrão universal.
Recordo, “en passant”, outros, tais como Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, o nosso Gonçalves Dias, o Simbolista brasileiro Cruz e Sousa, João Cabral de Mello Neto, a vanguarda dos concretistas e vários outros mais.
PC- Em sua opinião quem foram os grandes poetas brasileiros? E quem hoje está fazendo uma poesia significativa ao ponto de um dia poder se unir a eles?
ALAP- A resposta anterior, se lhe acrescentarmos os nomes de Augusto dos Anjos, o de Jorge de Lima, os dos Andrades (Mário e Oswald), Cassiano Ricardo, Thiago de Mello, Ledo Ivo, os mineiros Alphonsus (pai e filho) e alguns mais, indicam o que para mim é, com seu rigor expressivo e sua luta pela “expressão” comunicativa, o que me garante a proverbial vocação poética dos brasileiros.
PC- Poderia falar-nos um pouco sobre o seu processo de escrita poética? Quando é que o senhor percebe que tem algo a ser escrito e como é que isto se configura num poema?
ALAP- Quanto a meu processo de escrita poética direi que ele sempre “procede” da raiz mais profunda do meu ser, como sugeri no poema “Desafio Orquestral” do meu livro Arte Poética para Passarinhos, a que remeto todo leitor que se ponha em contacto com a minha poesia.
Será difícil a um poeta definir o seu projeto poético. Direi, apenas, que tudo em minha vida (magistério universitário precoce, fundação das Noites de Poesia, a Catequese Musical, o Diálogo Múltiplo, etc) nasce da poesia e para ela tende.
Nisso participo da concepção poética de Giuseppe Ungaretti, vendo, com ele, na poesia “a límpida maravilha/de um delirante fermento”.
PC- Poderia fazer-nos uma sugestão de leitura de alguns livros ou de autores básicos para aqueles que desejam embrenhar-se na arte da poesia?
ALAP- Quanto a obras básicas e autores básicos vou limitar-me aos mais capazes de suscitar e aguçar o espírito crítico dos leitores:
1. Décio Pignatari: Comunicação Poética (SP, Cortez e Moraes)
2. Mário Faustino: Poesia – Experiência (SP, Perspectiva)
3. Ciro dos Anjos: A criação literária (RJ, Edições de Ouro Culturais)
4. Norma Goldstein: Versos, Sons, Ritmos (SP, Editora Ática)
5. Zemaria Pinto: O texto nu (Teoria da Literatura: gênero, conceitos, aplicações) (Manaus, A.M.)
Quanto a Autores seria muito vital ler Chomsky, Jakobson, Maiakovisk, Ezra Pound, Valérzi, Claudel.
PC- O senhor esteve recentemente na Itália para participar de um evento literário onde foi o representante brasileiro, poderia nos contar como foi esta experiência?
ALAP-Representei o Brasil e a Língua Portuguesa no 14º Congresso Internacional de Poesia de Gênova, como convidado especial.
Senti-me feliz por dialogar com os maiores poetas do mundo, ouvir-lhes os poemas e dizer-lhes poemas meus, em português, espanhol, italiano, francês e inglês.
Sinto que a convivência com poetas de expressão universal é um desafio e um incentivo.
PC- Onde podemos adquirir os seus livros? Poderia informar-nos se é possível comprá-los pelo correio, quais os títulos disponíveis e, neste caso, como se deve proceder para se fazer um pedido?
ALAP- Meus livros podem ser adquiridos nas Editoras Ateliê Editorial, Olavobrás ou na Livraria Martins Fontes de São Paulo (Capital)
Os recitais Chama Poética têm-me dado a oportunidade de contactar, ao vivo, com muitos auditórios da Capital e do Interior (neste, com ênfase para a Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, que inaugurei, com a 1ª equipe de professores)
Às vezes surpreendo-me ao ver meus livros comentados em vários países europeus e latinoamericanos e com tradutores que pedem licença para verter meus poemas para seus idiomas, inclusivo o russo.
A poesia (penso) foi feita para traduzir a alegria do ser, sendo por isso mesmo como o ar, que inspiro e respiro, como sístoles e diástoles de meu coração de poeta. Sempre aprendiz de poesia...
Só hoje me é dado atender a seu generoso inquérito, que, aliás, muito honrou a minha poesia, qual hálito vital de meu ser...
Assis(SP), 27 de março de 2010
Poemas do Livro
"Ciclo das Chamas"
LEITURA FIGURADA II
Soletro a minha vida, embevecido,
Com o espanto encantado de um infante
Às vezes transbordante e desmedido,
Outras mais, perturbado e hesitante.
Soletro está gramática de espantos
Com sílabas de ardente expectativa,
E nesta exata sintaxe de meus cantos
Tento alcançar a rocha e a sensitiva
Ao libertar em música e sentido
Meu desmedido amor, tão comedido...
CONVITE À DANÇA
Esta luz por instantes alvoroça
a palidez inerte dos instantes;
Quem pode compassar a própria vida
por tardos tique-taques dos segundos?
Mais ágil do que raio impressentido
Irrompe o amor, a imprevisível chama,
E imersos neste oceano dançarino,
somos um, somos dois, somos o mundo.
Somos em chama, Amor, somos enxame
De vibráteis fagulhas luzidias
E dança a chama saltitante e vibra
Qual nós vibramos num ressoo uníssono.
Ah! Este instante fugazmente belo
Vale e compensa o passo paquidérmico
De nosso andar tão trópego e impedido,
Quando distantes da inocência lúdica.
O mundo vale, Amor, só quando amamos
E tudo quanto é amor vale este mundo,
Onde os céleres átomos se agitam
Como chamas de amor agilizadas.
E de porções de amor se tecem fibras
E de lucidações de amor se entretecem
Corpos, cristais, crisântenos e rosas
E nós tecemos nós entrelaçados...
Esta luz por instantes alvoroça
Os lentos tique-taques dos instantes...
ANTÔNIO LÁZARO DE ALMEIDA PRADO - Nasceu em Piracicaba, em outubro de 1925. Poeta, ensaísta, tradutor e jornalista, é Doutor e Livre-Docente em Língua e Literatura Italiana pela Universidade de São Paulo, onde lecionou de 1953 a 1958. Transferiu-se para a UNESP (campus de Assis, onde fundou o Curso de Letras), aposentando-se em 1982. É Professor Emérito da Faculdade de Ciências e Letras, e ali, depois de Titular Fundador da Cadeira de Língua e Literatura Italiana, passou a Titular de Teoria Literária e Literatura Comparada. Entre as teses publicadas, destaca: "O Acordo Impossível, Ensaio sobre a forma interna e a forma externa na obra de Cesare Pavese" e "Itinerário Poético de Salvatore Quasimodo". Dentre as suas traduções cita-se a obra de Giambattista Vico, publicada pela coleção Os Pensadores da Editora Abril. Em poesia, o livro "Ciclo das Chamas" em 2005 pela Ateliê-Editorial, reunindo parte de sua produção poética. O poeta, que teve vários de seus poemas musicados, tem particado ultimamente em São Paulo do recital "Sarau Chama Poética", em São Paulo. Evento este que acontece regularmente nos espaços "Casa das Rosas", "Museu da Língua Portuguesa" e em vários espaços do SESC, promovido por sua filha Fernanda de Almeida Prado, psicóloga e articuladora cultural, grande incentivadora da divulgação da poesia do pai.
Para ler mais sobre Antônio Lázaro de Almeida Prado:
Poesia: http://ciclodaschamas.blogspot.com/
Crítica: http://www.tirodeletra.com.br/folhetim/PerfilAlmeidaPrado.htm
Ilustações: Capa do livro "Ciclo das Chamas"; foto do poeta Antônio Lázaro na Itália; "O Mordomo Cantor" do pintor escocês Jack Vettriano e foto do poeta com sua filha Fernanda e com seu neto Marco Antônio.
Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul), Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).
4 comentários:
Caro Altair,
20 de abril de 2010 às 12:40Muito obrigada por sua bela entrevista com meu pai.
Abraço,
Fernanda
Que é isto, Fernanda!? Eu quem agradeço pela gentileza e pelo carinho dele! Teu pai é realmente uma dessas raras pessoas dotadas e adotadas pela poesia!
21 de abril de 2010 às 10:02Parabéns pelo trabalho, Altair!
21 de abril de 2010 às 10:14Entrevista gostosa de se ler! Ótimo bate-bola de escritores! Quem sabe o que perguntar, dá chance de belas respostas, principalmente de quem tem realmente o que dizer!
21 de abril de 2010 às 22:21Parabens pela entrevista e pelas sua escolhas, Altair e também ao poeta e professor, Antônio Lázaro!
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