segunda-feira, 5 de abril de 2010

ENTREVISTA: BÁRBARA LIA, POETA PARANAENSE



Apresentação e Entrevista
por Marilda Confortin.

Bárbara Lia é definitivamente poeta até quando proseia. Tem um suspiro dobrado e profundo como se todo o ar da terra fosse insuficiente para alimentar sua alma. Escreve para leitores formados cujo paladar já esteja habituado a degustar a linguagem poética. Ex-professora de História, tímida e discreta, vive em Curitiba e se dedica à poesia e prosa em tempo integral.


Apesar de não lhe dar o retorno merecido, Bárbara optou por viver com a poesia um delicioso romance.

De tempos em tempos, entra um terceiro elemento nessa história. Aí meus amigos... o bicho pega. Bárbara apaixonada, escreve como louca, ama como se fosse a última vez e mergulha de cabeça. É pura emoção. Nessa arena, a sensibilidade dá de dez a zero na razão. Então é assim: Quando está amando, Bárbara escreve porque está amando. Quando acaba, Bárbara escreve porque acabou.

Assim é essa escritora, que de vez em quando encontro num bar, café, sarau, evento literário e que agora tenho a satisfação de apresentar à vocês.

M: Bárbara, qual seu último trabalho publicado?

B: Solidão Calcinada. Romance finalista do Prêmio Nacional SESC Literatura – 2005. Foi publicado pela Sec. da Cultura do Estado do Paraná/Imprensa Oficial. O livro foi impresso como um título de 2007, pois foi neste ano que o conselho de editoração leu e aprovou meu livro, mas, efetivamente foi lançado em agosto de 2008.

Digo último trabalho publicado, sem considerar o projeto - edições 21 gramas – produção artesanal com 7 títulos que abrange minha produção poética que ainda não estava em livro.

M: É um belo romance. Izabel Liviski publicou uma ótima análise desse livro. Mas, e essa edição 21 gramas? Que sugestivo esse nome...

B: Há alguns anos pensei em separar minhas poesias em livros com no máximo 21 poesias cada. Acho muito poética aquela idéia de que nossa alma pesa 21 gramas. Consta que 21 gramas é o peso médio de um beija-flor. No ano passado comecei a separar meus poemas publicáveis e coloquei em um arquivo. Os poemas que ainda não estavam em livros. Uma infinidade de poesias inéditas ou não. Alguns estão no blog, nem todos. No início do ano comecei a separar as poesias por tema e o resultado é esta coleção – 21 gramas, composta por:


Os Livros da Poeta Bárbara Lia:

- Adamare (O livro Antigo)
- Chá para as borboletas (O livro da Infância)
- Cigarras no Apocalipse (O livro das Interrogações)
- Noon (O livro do meio-dia)
- Nyx Nua (O livro do desejo)
- O rasurado azul de Paris (Poesias para Rimbaud)
- Para Camille, com uma Flor de Pedra (Diálogo com vida e obra de Camille Claudel)



Adamare – uma palavra que encontrei em um livro de História – sobre os cátaros que foram julgados por heresia em uma aldeia francesa no século XIV. O termo está nos arquivos da Inquisição e achei muito interessante como nominavam o amor. Amare significava apenas gostar. Diligere – gostar muito. Mas o amor verdadeiro tinha apenas um significado – Adamare.


Chá para as Borboletas é uma reunião de poesias que falam da infância. Cigarras na apocalipse é uma interrogação sobre a degradação da natureza. Cada livro se concentra em um assunto, como está no resumo acima.


O rasurado azul de Paris traz poesias em homenagem ao poeta Rimbaud.


Dans L’air

Tínhamos a mesma idade
Quando vimos o mar
Este mistério de impaciência
Tínhamos a mesma impaciência
Rimbaud e eu –


Por isto
Pisamos telhados
Ao invés do chão

Por isto
Machucamos nossos amores
Com nossas próprias mãos


Por isto
As velas acabam na madrugada
Antes que o poema acabe


Por isto, tão pouca a vida para tanta voracidade.


M: Bárbaro, Bárbara. Muitos dos seus poemas e até mesmo os romances, citam ou se baseiam em grandes nomes da literatura ou das artes. É sua maneira de homenagear esses ícones? Você faz uma releitura ou busca inspiração nos clássicos universais para produzir a sua própria obra? Sua formação em História tem alguma coisa a ver com isso ou você sempre foi uma leitora compulsiva?

B: Eu dialogo com o Universo inteiro e suas adjacências. Uma loucura este querer abarcar o mundo e todas as galáxias. Posso dialogar com grandes vultos da História, da mesma forma como dialogo com a flor na esquina e os sentimentos diversos que me arrebatam. Acho que marcou muito o fato do meu primeiro livro estar focado em Leonardo da Vinci. Ou, ser Professora de História. Sempre fui curiosa, leitora compulsiva e aquela pessoa que segue o fio. Quando leio um livro e algo naquele livro desperta minha atenção eu sigo como uma trilha em um bosque. Se um pássaro raro surge e me atrai, vou atrás dele. Foi assim que li muita poesia e fui descobrindo grandes poetas e escritores. O momento atual, esta vida alucinada sem tempo pra muitas coisas, está tirando isto de mim. Sinto falta. Ontem pensei seriamente em desaparecer da Internet e voltar ao século passado, morar dentro da Biblioteca. Existe uma imensidão de coisas inúteis puxando a gente pra longe deste bosque de encanto. Os livros magníficos que ainda não li, os autores que ainda não conheci. Foi este arsenal que permitiu o nascimento da minha poesia de uma forma mais rica, que permitiu ter os instrumentos pra escrever alguns livros.

M: Não desapareça da internet, não, Bárbara. Ela é uma grande biblioteca universal. O problema é que vivemos longos anos de ditadura imposta por bibliotecários e editores que só disponibilizavam aquilo que queriam, o que lhes dava lucro ou o que a religião ou o sistema permitia. Não estamos acostumados a exercer a liberdade de escolha que a Internet nos propicia. Distraímos-nos com pop-ups, hiperlinks, imagens, propagandas, besteiras, mas enfim, como você mesmo disse “Se um pássaro raro surge e me atrai, vou atrás dele”. É assim no mundo real e no virtual também. Daqui a pouco a gente acostuma e não perde mais o foco.

Tenho uma curiosidade: Você gosta mais de escrever poesia ou romance? Você é mais poeta, romancista ou não faz diferença?

B: Não faz diferença. Mesmo quando escrevo um romance a poesia toma conta. Atualmente é proibido falar em inspiração. Já que a inspiração foi banida, eu falo do estado de arrebatamento. Aquele que muitos místicos viveram. Esta ligação orgástica com a fonte criadora. Que eu chamo de Deus. Não o deus-fake. O deus-simples apresentado com mil rostos. São Lucas define esta Força Absoluta como Algo que nós mortais não alcançamos - O Deus Desconhecido. Ele opera por meios diversos. E penso que Ele opera na mente dos poetas. É pretensão? Talvez. Mas, é surpreendente a quantidade de poesias que não recordo como escrevi. Sei que a prosa é invenção que nasce da vontade de contar algo e criar personagens e enredos. A poesia está em um território que desconheço. Meus poemas são mil maçãs de uma árvore meio a neblina, frutos que colho. Talvez um dia eu veja – a árvore da criação - e este lugar inacessível. Morro de medo de enfrentar o rosto deste Deus Desconhecido.

M: Nossa! Que imagens fantásticas. Então, na poesia as palavras conspiram, uma puxa a outra ou você escolhe cada uma das palavras que povoarão suas poesias?

B: Na minha casa as palavras raras sempre foram usadas. Tinha esta convivência com a Língua Portuguesa e quando quero falar sobre algo as palavras se apresentam, muito atrevidas. Metáforas que caem como frutos daquela árvore que citei antes. Eu evoco uma cena ou emoção ou revolta e encontro os sinônimos e os signos. Já fiz este exercício de escrever a partir das palavras apenas. Há o risco de construir aquelas catedrais inúteis, ocas, sem vida dentro. Há um risco muito grande é como querer pintar uma bela tela com tintas inócuas. Gosto de palavras pelo seu som, pela sua raiz e significância, por sua origem, por seu segredo guardado. Mas, quando você lê - Tabacaria - vê a grandeza do Fernando Pessoa. O “simples” derramando o encanto metafísico - poesia nua e crua em seus versos – ele tinha algo a dizer. Poesia é - sobretudo - ter algo a dizer.

M: É... Dizem que poesia é a arte de dizer o indizível. Você já publicou livros com várias editoras. São elas que divulgam, promovem e distribuem seus livros? Como é esse processo? Tem retorno financeiro? Dá pra viver da palavra numa cidade que não consome seus escritores?

B: Nem todas as editoras publicam seus livros e divulgam, promovem, distribuem. O projeto inicial da Kafka edições baratas era poesia pura. Era bonito pois era uma resistência. Publicar belos poemas a preços acessíveis. Mas, era um empréstimo do selo. O livro de bolso era pago pelo autor. Mas, era bem viável, pois o custo da publicação era mínimo. O segundo livro – Noir – optei pela edição independente – fiz 300 exemplares e vendi todos. O sal das rosas é efetivamente o livro meu que foi bancado por um editor. Pelo Francisco dos Santos da Lumme – que divulga o livro em seu site e que colocou o livro na Livraria Cultura. Como direito do autor recebi alguns exemplares e com eles realizei o lançamento do livro aqui. A última chuva foi uma parceria com a editora de Minas – Tânia Diniz. Não existe retorno financeiro expressivo. É uma batalha poética mesmo, por puro amor e com muita coragem. Quando passo nas grandes livrarias fico pensando em algo que o Eleotério (Burrego) fazia quando era livreiro e quando trabalhou na Ghignone aqui em Curitiba – ele criava uma estante dos autores paranaenses. São raras as pessoas como o Eleotério. Não há como um leitor saber que existe um livro teu se ele está lá entre os mil livros em uma estante à direita dentro de uma livraria imensa. Na chegada, no entanto, uma bancada com toda a parafernália vampiresca e os livros do Paulo Coelho. A crueldade da auto-ajuda espelhada em títulos piegas. É isto que o leitor consome. Os poucos que existem por aí. Se eu pudesse propor uma lei municipal ou estadual seria bem simples - Que as livrarias colocassem em evidência as obras dos autores do seu Estado e de sua Cidade.

Na verdade vivo franciscanamente com minha aposentadoria. Espero ter mais livros publicados, mais leitores, mas, sei que é um movimento lento, lentíssimo.

M: Gostaria que você comentasse o poema abaixo:


Meu pai amava


A amada do poeta
Quando nasci
Ele cavou mistérios
Usou critérios
De Neruda
Pra convencer
Sua musa
Que o meu belo nome
Já havia nascido


Uma montanha
Desenhada
Em meu berço


Todos os Josés do mundo
A devolver-me
A pergunta:

E agora?
Agora é tempo de mariposas
A menina escapa viva
Quando já está na boca das raposas
Menina ventania alma espinhada de rosas
Rasgando os véus do aço
Aço Aço Aço - dona das glosas
Segue cortando o inócuo
E as heras venenosas


O nome ouro de catedral
O nome sacro
De relâmpago e vendaval
O nome banido
Pela Coroa Imperial


Um patchwork mineiro dentro de mim:
Odes a Nise e restos do manto
Do Alferes
Orgasmos de Dona Beja
E água memorável
Labirintos de Rosa
Perfume de Diadorim
Um suspiro de Adélia
Um olhar de Drummond

Um dominicano a enviar-me
paz em postais
Dois poetas meninos
Vestidos de pedras e haicais


Milton voz de nuvem
cimento veludo mel
Nunca esqueci
a pedra no meio do caminho (1)
A voz do anjo torto
Sentado na pedra a sussurrar
Os sonhos não envelhecem (2)

“O cuitelinho não gosta
que o botão de rosa caia
ai ai ai”(3)

Nunca esqueci
que a festa acabou pra mim
E também pra José

Meu pai plantou-me
Em Minas
Deixou-me
Sem mar
Sem José
Sem amor
Minha herança
Sertões
Sonetos
Canções

Nunca foi meu este lugar
Nunca foi minha a minha casa
Estou só e longínqua
Meu nome é uma montanha
Minha sombra uma memória
Plantada naquela esquina




B: Esta poesia é uma homenagem a Minas Gerais, de onde veio meu nome. Meu nome seria – Bárbara Heliodora – minha mãe não deixou. Minha mãe tinha ciúmes de Bárbara Heliodora. Desde a primeira filha meu pai queria colocar este nome e ela protelava. Então ela protestou quando nasci. Disse que era um nome estranho e grande demais pra uma menininha tão bonita. Eles decidiram por Bárbara Lia. Minha irmã mais velha se chama Léa e emendaram um Lia ali pra contentar meu pai, ou para que ele colocasse – finalmente - o nome da mulher que ele tanto admirava em uma filha. Nunca vi meu pai chorar na vida até uma viagem de férias. Nem mesmo na morte de sua mãe. Fiquei muito surpresa quando fomos a Ouro Preto e ele chorou no túmulo de Bárbara Heliodora. Perguntei a razão de tanta admiração e ele disse que ela era a mulher mais fiel que ele conhecia, pois Alvarenga foi deportado pra África e ela ficou só até os 92 anos. Isto imprimiu em mim esta característica da Bárbara Bela do Norte Estrela - Sou sempre fiel a quem amo estando ou não com a pessoa. Quando escrevi esta poesia eu dialoguei com os poetas de Minas, os famosos e os jovens poetas que conheci recentemente. Os meninos vestidos de pedra (Leonardo Fernandes que vive em Pedralva) e haicais - Cássio Amaral (que escreve belos haicais) é o meu jeito de contar como nasceu meu nome. Contar que sobrevivi a duas doenças graves na infância – a menina escapa viva quando já está na boca da raposa – fala do meu nome banido pela coroa imperial. Bárbara Heliodora foi julgada louca pela coroa imperial, por ser republicana em um sistema monarquista.


Acima de tudo, esta poesia fala do lugar que nasceu meu nome, minha admiração pelos meninos do Clube da Esquina. É um diálogo com a beleza de Minas, seus poetas e suas montanhas que não vejo há muito tempo.

M: Para encerrar essa apresentação, cite seus livros, onde/como o leitor pode adquiri-los, seu email de contato e endereço do seu site.

B: Tenho somente dois livros que ainda não esgotaram:

- O sal das Rosas – lançado pela Lumme Editor – e que está a venda no site da Lumme e na Livraria Cultura.
- A última chuva – que está nas Livrarias Curitiba e que tenho também alguns exemplares comigo.
Os outros esgotaram. Nesta semana retirei da livraria os últimos exemplares de Solidão Calcinada, para um arquivo pessoal e emergências. Tenho a péssima mania de ficar sem nenhum livro e decidi que vou reter meia dúzia de livros de cada um que lançar a partir de agora. Não tenho mais – O sorriso de Leonardo – e nem o – Noir.
Ah! Sim - Os livros de poesia da coleção21 gramas. Os livros artesanais que estão neste endereço: http://edicoes21gramas.blogspot.com/

Blog e email de Bárbara Lia:
http://chaparaasborboletas.blogspot.com/
barbaralia@gmail.com

M. Muito obrigada, Bárbara. Espero que os leitores entrem em contato, adquiram e se deliciem com seus livros. Saúde e sucesso pra você, querida.




Ilistração: detalhe de "O Abraço"  do pintor austríaco Gustave Klimt.
 
Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul), Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).

5 comentários:

Unknown disse...

Não sei dizer do que gostei mais: de suas poesias, ou da poesia que emana de suas palavras, Bárbara!
Você não é poeta: você é a mãe da poesia!

Grande satisfação em ser sua mais nova amiga!
Bea Galvão

5 de abril de 2010 às 11:08
Bárbara Lia disse...

Beatriz, muito obrigada por este carinho em forma de palavras. Obrigada também ao Altair e a Marilda Confortin. Abraços!

5 de abril de 2010 às 11:35
Marilda Confortin disse...

Oi Bárbara. Li tua coleção 21 grama no feriado de páscoa... muito, muito boa. São poemas pra se reler, reler e a cada leitura redescobrir novas imagens. Parabéns, amiga.
Beijo

5 de abril de 2010 às 12:45
Marina Teixeira disse...

Bárbara. Bebo devagar tua poesia que se derrama em minha vida.
Sempre perto... Obrigada. beijos de patchouli.

Marina

11 de março de 2011 às 21:44
Prof_Sátiro disse...

CARPE DIEM

A partir de hoje
Tudo será agora.
Meus sonhos
A minha realidade constante
E as segundas e terças-feiras
Também serão fins de semana.
Amarei meus defeitos
Para que amem minhas virtudes
E farei da criança que há em mim
Um palhaço louco sempre a sorrir,
Pois não viverei como quem morre lentamente
Pedindo desculpas
Por não ter coragem de ser feliz.

Ola, Sou Sátiro Balieiro, poeta curitibano, em meu blog: prof.satiro@blospot.com tem um pouco de meu trabalho!

14 de janeiro de 2012 às 12:29

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