sexta-feira, 21 de maio de 2010

CADA HOMEM TRAZ DENTRO DE SI SUA TRAGÉDIA SEXUAL


Em 2002 criei junto com os atores André Carvalho e Adriana Rabello o que chamamos “a menor companhia de teatro do Brasil”, a Ateliê Voador, nome claramente inspirado na peça homônima de Valère Novarina, cujas palavras foram referência para o espetáculo de estreia, O Lustre, de Antonio Hildebrando.

O Lustre viajou o país, foi visto por mais de 40.000 espectadores em 35 cidades brasileiras e hoje cumpre temporada internacional em Barcelona, no Teatro La Riereta. Sua versão em espanhol, intitulada La Lámpara, ainda terá seu registro cinematográfico em julho, no Teatro Underground, também na cidade espanhola. Nosso espetáculo de estreia é, sem medo de hipérboles, um desses fenômenos anônimos do teatro brasileiro.

Depois, em temporadas menores, vieram Vodka com maçã e Eu sempre tive a ilusão de que um dia você ia me abraçar. Nesses oito anos persegui um objetivo o de manter um repertório permanente através de uma Companhia estável, mas como sonhos, sonhos são, o que conseguimos foi uma lógica de repertório e estética com atores convidados a partir de um núcleo comum.

Hoje, em 2010, graças à FUNARTE através do Prêmio Myriam Muniz, a Ateliê Voador estreia mais um projeto: a peça O melhor do homem. Man at his Best chegou a minhas mãos por causa dos meus estudos de Pós-Doutorado e serviria como mais uma peça a ser lida e discutida, mas, muito rápido percebi que era ali que queria navegar, nessa, que foi a primeira gay-play brasileira.

Quando, em fins do século XIX, Lord Alfred Douglas afirmou, em seu poema Dois Amores, “Eu sou o Amor que não ousa dizer seu nome” não apenas trouxe ao discurso as relações entre homens, mas o fez no registro do elo amoroso. Assim, tomou como referência a definição do apóstolo São Paulo sobre a sodomia como o pecado que não devia ser nomeado e a reverteu da esfera das práticas sexuais para a dos sentimentos. Feito similar pode ser creditado à peça O melhor do homem, de Carlota Zimmerman que, quinze anos depois de sua estreia no Brasil, continua inquieta e provocativa, porque embora reconheça a sexualidade como um dos territórios mais livres de nossa época, discute e denuncia a heteronormatividade conservadora moralista e repressora que a “aprisiona” e a coíbe.

Intertextualizando com O segredo de Brokeback Montain – a novela de Annie Proulx –, O melhor do homem também volta seus olhos para os losers da sociedade americana, para as margens – espaço possível para transgressões e errâncias. É um duo outsider de corpos marcados pela masculinidade e põe em revista as fragmentações pelas quais a sociedade pós-moderna e, especificamente, o individuo passa nesses últimos 30 anos. Dean e Skyler experimentam tudo em grau extremo, seja a violência, a ameaça de morte, a projeção de desejos proibidos, a angústia, a posse e a sujeição, mas, sobretudo, o pavor constante de doenças transmissíveis como a AIDS; são duas personagens que ajudam a sociedade a compreender a sexualidade como fenômeno cultural e histórico.

Não é uma experiência comum a todas as pessoas constatar que seus sentimentos mesclam o desejo amoroso com o medo de ser rejeitado e perseguido. Um amor que não pode ser declarado e tem como lugar o segredo, o armário, a “prisão” é vivenciado como contradição diante da sociedade. O melhor do homem mostra que o importante não é saber quem você é, mas quem você deixou de ser nessa sociedade estruturada no jogo do visível e do invisível, do dito e do silenciado, do plenamente vivido e do que é mantido em segredo: o desejo, aqui – duas vezes maldito – transitório e mediado pela fantasia, pela performance e que ocorre entre pessoas do mesmo sexo.


Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.

1 comentários:

Diana Balis disse...

Adorei o texto, e postei link em blog redirecionamento a Revista.
www.jogosexo.blogtok.com
Abraços
Gisele S Lemos

28 de fevereiro de 2011 às 07:23

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