Três Poemas de Eucanaã Ferraz
Uma Cinemateca Poética!
por Altair de Oliveira
É com grande prazer que apresentamos hoje um pouco da poesia do poeta e professor carioca Eucanaã Ferraz, do livro "Cinemateca", uma de nossas mais recentes leitura, o livro "Cinemateca" (editora Companhia de Letras - 2009), que sinceramente nos proporcionou momentos de rara beleza. Cinemateca é o quinto livro do autor, foi um dos 10 finalistas do prêmio Portugal Telecom e confirma o poeta como uma das grandes vozes da poesia brasileira na atualidade. Confiram, pois!
O ATOR
Pensei em mentir, pensei em fingir,
dizer: eu tenho um tipo raro de,
estou à beira,
embora não aparente. Não aparento?
Providências: outra cor na pele,
a mais pálida; outro fundo para a foto:
nada; os braços caídos, um mel
pungente entre os dentes.
Quanto à tristeza
que a distância de você me faz,
está perfeita, fica como está: fria,
espantosa, sete dedos
em cada mão. Tudo para que seus olhos
vissem, para que seu corpo
se apiedasse do meu e, quem sabe,
sua compaixão, por um instante,
transmutasse em boca, a boca em pele,
a pele abrigando-nos da tempestade lá fora.
Daria a isso o nome de felicidade,
e morreria.
Eu tenho um tipo raro.
***
MANIFESTO
Sim ao prazer sem custo.
Acatar, beber, dividir o bom
que venha feito o sol, gratuito.
Quem sabe se o dom, o sem-razão
e o sem-motivos possam mais
do que exigimos. Nem se duvide
do que é capaz a coincidência
entre as coisas. Nesse mundo
em que gênios são servos de si mesmos,
pratique-se o descanso, para
que o povo nunca esteja frio
e o coração passeie seus cavalos.
***
ÁGUA-FORTE
À beira de você, toda a paisagem
se resume a isto: nenhuma urgência
que seu rosto brilhe, mas que ele arde
como se quisesse compensar em luz
o seu silêncio. Gastaria a vida assim,
à orla do céu que se reflete
na água quieta que brota no intervalo
entre nós. Demoro-me aqui,
à roda deste engano,
deste infinitamente triste alegria.
E quanto mais me sinto afogar,
mais permaneço,
se o amador a nadar para fora
prefere morrer na coisa amada.
Poemas de Eucanaã Ferraz, In: Cinemateca - Ed. Cia das Letras - 2009
.
Um Bicho Poético Quase Infantil
Quem é fã de grandes poetas que nunca renunciaram suas infâncias como (leiam-se aqui Bandeira, Cecília e Mário Quintana), com certeza também irá apreciar esta pequena jóia infantil de Eucanaã, do livro "Bicho de Sete Cabeças e outros Seres Fantásticos", que também publicou outro livro de poesia infantil (Poemas da Iara - 2008).
ONSTRO
Por que um monstro
sem cabeça?
Pior do que um monstro
de duas cabeças!
Muito pior do que um monstro
sem rabo!
Mais feio do que um monstro
com fome!
Pior do que tudo isso:
a palavra monstro
sem cabeça, só rabo,
só o resto...
e a letra M
vagando por aí...
Eucanaã Ferraz - In: Bicho de Sete Cabeças - Cia das Letras - 2009
Um pouco sobre Eucanaã Ferraz
Eucanaã Ferraz nasceu no Rio de Janeiro (18/05/19610, é poeta professor de literatura brasileira na faculdade de letras da UFRJ, escreveu, entre outros, os livros de poemas "Martelo" (Ed. 7Letras, 1997); "Desassombro" (Ed. 7Letras, 2002, prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Fundação Biblioteca Nacional); publicado em Portugal (Quasi, 2001); "Rua do mundo (Cia. das Letras, 2004), publicado em Portugal (Quasi, 2006), Bicho de Sete Cabeças e outros Seres Fantásticos (Ed. Cia das Letras - 2009) e Cinemateca (Ed. Cia de Letras - 2009).
Organizou os livros "Letra s ", com letras de Caetano Veloso (Cia.das.Letras, 2003), publicado em Portugal (Quasi, 2002); "Poesia completa e prosa de Vinicius de Moraes" (Nova Aguilar, 2004),a antologia "Veneno antimonotonia — Os melhores poemas e canções contra o tédio", (Objetiva, 2005) e "O mundo não é chato", com textos em prosa de Caetano Veloso (Cia. das Letras, 2005). Publicou, ainda, na cole o "Folha Explica", o volume "Vinicius de Moraes (Publifolha, 2006).
O que Já Disseram dele
"Ferraz é hoje um artesão de palavras. Não que as construa, mas porque vê nelas ligações insuspeitadas. Seus poemas, de fato, tem forma, e despertam no leitor imagens que são possíveis de tatear. Nunca buscou a perfeição das palavras. Pelo contrário, sabe que, se perfeito, um poema seria inexistente. Palavra é risco, é susto, é alumbramento. Como ele mesmo escreve em "A Mesa de Trabalho" (In "Desassombro"), "Toda palavra é defeito". Tereza Chaves - Folha de São Paulo Online.
Para saber mais sobre o poeta:
Para ver uma entrevista com o poeta: http://www.saraivaconteudo.com.br/artigo.aspx?id=212
Para ver o site do poeta: http://eucanaaferraz.com.br
Ilustrações:1: Capa do livro Cinemateca; 2- Trabalho do artista plástico japonês/brasileiro Manabu Mabe; 3- Trabalho dos artistas plásticos paulista Os Gêmeos (Otávio e Gustavo Pandolfo); 4-Foto do poeta Eucanaã Ferraz.
Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul), Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).
2 comentários:
Puxa, muito legal!! Adorei todos os poemas!
24 de maio de 2010 às 22:57Por essa amostra, já dá pra perceber de cara, que se trata de um escritor consistente e dos de marca própria!!
Parabens, por mais essa entre as suas ótimas e cuidadosas escolhas, Altair!
Abração!
Maravilhoso!!! Grande Eucanaã. Belíssimos poemas! Ai que me deleito com isso...
28 de maio de 2010 às 17:20Obrigadaaaaa!
Postar um comentário
Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.