segunda-feira, 24 de maio de 2010

Três Poemas de Eucanaã Ferraz


Uma Cinemateca Poética!
                    por Altair de Oliveira

É com grande prazer que apresentamos hoje um pouco da poesia do poeta e professor  carioca Eucanaã Ferraz, do livro "Cinemateca", uma de nossas mais recentes leitura, o livro "Cinemateca" (editora Companhia de Letras - 2009), que sinceramente nos proporcionou momentos de rara beleza. Cinemateca é o quinto livro do autor, foi um dos 10 finalistas do prêmio Portugal Telecom e confirma o poeta como uma das grandes vozes da poesia brasileira na atualidade. Confiram, pois!

O ATOR

Pensei em mentir, pensei em fingir,
dizer: eu tenho um tipo raro de,
estou à beira,

embora não aparente. Não aparento?
Providências: outra cor na pele,
a mais pálida; outro fundo para a foto:

nada; os braços caídos, um mel
pungente entre os dentes.
Quanto à tristeza

que a distância de você me faz,
está perfeita, fica como está: fria,
espantosa, sete dedos

em cada mão. Tudo para que seus olhos
vissem, para que seu corpo
se apiedasse do meu e, quem sabe,

sua compaixão, por um instante,
transmutasse em boca, a boca em pele,
a pele abrigando-nos da tempestade lá fora.

Daria a isso o nome de felicidade,
e morreria.
Eu tenho um tipo raro.



  ***

MANIFESTO 


Sim ao prazer sem custo.
Acatar, beber, dividir o bom
que venha feito o sol, gratuito.


Quem sabe se o dom, o sem-razão
e o sem-motivos possam mais
do que exigimos. Nem se duvide


do que  é capaz a coincidência
entre as coisas. Nesse mundo
em que gênios são servos de si mesmos,


pratique-se o descanso, para
que o povo nunca esteja frio
e o coração passeie seus cavalos.


  ***

ÁGUA-FORTE


À beira de você, toda a paisagem
se resume a isto: nenhuma urgência


que seu rosto brilhe, mas que ele arde
como se quisesse compensar em luz


o seu silêncio. Gastaria a vida assim,
à orla do céu que se reflete


na água quieta que brota no intervalo
entre nós. Demoro-me aqui,


à roda deste engano,
deste infinitamente triste alegria.


E quanto mais me sinto afogar,
mais permaneço,


se o amador a nadar para fora
prefere morrer na coisa amada.

Poemas  de Eucanaã Ferraz, In: Cinemateca - Ed. Cia das Letras - 2009

.
Um Bicho Poético Quase Infantil 


Quem é fã de grandes poetas que nunca renunciaram suas infâncias como (leiam-se aqui Bandeira, Cecília e Mário Quintana), com certeza também irá apreciar esta pequena jóia infantil de Eucanaã, do livro "Bicho de Sete Cabeças e outros Seres Fantásticos", que também publicou outro livro de poesia infantil (Poemas da Iara - 2008).


ONSTRO

Por que um monstro
sem cabeça?


Pior do que um monstro
de duas cabeças!


Muito pior do que um monstro
sem rabo!


Mais feio do que um monstro
com fome!


Pior do  que tudo isso:
a palavra monstro


sem cabeça, só rabo,
só o resto...


e a letra M
vagando por aí...

Eucanaã  Ferraz - In: Bicho de Sete Cabeças - Cia das Letras - 2009


Um pouco sobre Eucanaã Ferraz

Eucanaã  Ferraz nasceu no Rio de Janeiro (18/05/19610, é poeta professor  de literatura brasileira na faculdade de letras da UFRJ,  escreveu, entre outros, os livros de poemas "Martelo" (Ed. 7Letras, 1997); "Desassombro" (Ed. 7Letras, 2002, prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Fundação Biblioteca Nacional); publicado em Portugal (Quasi, 2001); "Rua do mundo (Cia. das Letras, 2004), publicado em Portugal (Quasi, 2006), Bicho de Sete Cabeças e outros Seres  Fantásticos (Ed. Cia das Letras - 2009) e Cinemateca (Ed. Cia de Letras - 2009).

Organizou os livros "Letra s ", com letras de Caetano Veloso (Cia.das.Letras, 2003), publicado em Portugal (Quasi, 2002); "Poesia completa e prosa de Vinicius de Moraes" (Nova Aguilar, 2004),a antologia "Veneno antimonotonia — Os melhores poemas e canções contra o tédio", (Objetiva, 2005) e "O mundo não é  chato", com textos em prosa de Caetano Veloso (Cia. das Letras, 2005). Publicou, ainda, na cole  o "Folha Explica", o volume "Vinicius de Moraes (Publifolha, 2006).


O que Já Disseram dele


"Ferraz é hoje um artesão de palavras. Não que as construa, mas porque vê nelas ligações insuspeitadas. Seus poemas, de fato, tem forma, e despertam no leitor imagens que são possíveis de tatear. Nunca buscou a perfeição das palavras. Pelo contrário, sabe que, se perfeito, um poema seria inexistente. Palavra é risco, é susto, é alumbramento. Como ele mesmo escreve em "A Mesa de Trabalho" (In "Desassombro"), "Toda palavra é defeito".  Tereza Chaves - Folha de São Paulo Online.




Para saber mais sobre o poeta:

Para ver uma entrevista com o poeta:  http://www.saraivaconteudo.com.br/artigo.aspx?id=212
Para ver o site do poeta:  http://eucanaaferraz.com.br




Ilustrações:1: Capa do livro Cinemateca; 2- Trabalho do artista plástico japonês/brasileiro Manabu Mabe; 3- Trabalho dos artistas plásticos paulista Os Gêmeos (Otávio e Gustavo Pandolfo); 4-Foto do poeta Eucanaã Ferraz.


Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul),  Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).

2 comentários:

Leo disse...

Puxa, muito legal!! Adorei todos os poemas!
Por essa amostra, já dá pra perceber de cara, que se trata de um escritor consistente e dos de marca própria!!
Parabens, por mais essa entre as suas ótimas e cuidadosas escolhas, Altair!

Abração!

24 de maio de 2010 às 22:57
Anônimo disse...

Maravilhoso!!! Grande Eucanaã. Belíssimos poemas! Ai que me deleito com isso...

Obrigadaaaaa!

28 de maio de 2010 às 17:20

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