Entrevista: João Luiz de Souza
O Ativista de uma Política Poética
por Altair de Oliveira e Rodolpho Saraiva.O poeta que apresentamos hoje não se diz poeta, pelo menos não se apresenta como tal, nunca tive a oportunidade de ler seus poemas, mesmo assim ele é uma das pessoas mais envolvidas e comprometidas com a poesia que já tive a oportunidade de conhecer.
João Luiz de Souza é professor de literatura na Universidade Salgado de Oliveira (Universo) em Niterói –RJ, criador e maestro de um delicioso encontro de poesia falada denominado “Corujão da Poesia e da Música” que acontece semanalmente em vários “points” do Rio de Janeiro e também do projeto “Biblioteca Solidária” que, através de doações de livros, possibilitou que mais de 80 bibliotecas pudessem ser instaladas em escolas, hospitais, presídios e comunidades carentes do Grande Rio.
Enfim, João Luiz é uma pessoa grande, verdadeiro ativista de uma política poética e cultural, como ele mesmo gosta de ser chamado. Gentilíssimo, ele nos concedeu esta bela entrevista que aqui compartilhamos.
Um pouco sobre o “Corujão da Poesia e da Música”.
Conhecido simplesmente como “Corujão da Poesia”, o sarau cultural promovido por João Luiz reúne poetas, músicos, atores e amantes da poesia, num encontro cultural que é um verdadeiros show em homenagem à poesia. Ali, num ambiente descontraído, além da possibilidade de se falar e ouvir bons poemas, pode-se ouvir boas músicas ou até assistir a performances teatrais e ainda informar-se sobre eventos culturais que estão acontecendo na cidade.
Não raro, há edições especiais do “Corujão da Poesia” para homenagear determinado autor ou para fazer lançamento de livros de poemas ou de CDs.
Em sua edição do Leblon, na Livraria Letras & Expressões, o Corujão assume um caráter de vigília poética e atravessa a madrugada feito um farol, indo até às 06:00 h. da manhã. É uma rara maneira que os artistas, boêmios e amantes da poesia em geral encontram para terminar ou iniciar o dia com alguma poesia!
Para participar deste sarau declamando ou fazendo leitura de poemas, a inscrição pode ser feita na hora, junto aos organizadores. Para auxiliar nestes eventos, o João conta sempre com um pequeno grupo de amigos, solidários poetas e músicos e que também participam das apresentações, contribuindo para que o evento mantenha sempre um bom nível.
Quem participa do Corujão da Poesia ganha carinhosamente e automaticamente o simbólico título de “coruja”. Se assumido, este título pode ser levado para sempre, calado e colado junto ao coração. Ser “coruja” significa que a pessoa foi uma vez marcada pela poesia e que agora está vigilante para nunca mais permitir que a poesia venha a perecer neste mundo. Grandes nomes da literatura, da música e da dramaturgia brasileira, se tornaram afiliados de João Luiz e hoje são orgulhosos “corujas”!
A Entrevista
PC- João, inicialmente gostaria de pedir-lhe para falar-nos um pouco de como foi esta tua trajetória de menino de São Gonçalo que, com muita poesia, um dia veio fazer os olhares ascenderem e acenderem-se no baixo Leblon e daí para o mundo, como bem disse a nossa amiga poeta Natália Parreiras!?
JL- Nasci 1961, em São Gonçalo, cidade do Grande-Rio, com população de maioria operária e de classe média modesta. Estudei em boas escolas nas quais a literatura eram privilegiadas. Levei do Jardim de Infância à sétima série, a vida numa escola particular no meu bairro, onde éramos tratado pelos pré-nomes e sobre nomes. Isto me conferiu uma identidade forte. E nessa escola, havia muito espaço para poesia. E eu o ocupava, movido pelas professoras, por minha mãe e por minha madrinha. Em seguida, fui para o Instituto de Educação Clélia Nanci, escola estadual, que era um centro de excelência. Lá, a cultura, mesmo em período de ditadura militar tinha um espaço sagrado e desde então tornei-me ativista. Daí para frente, fosse na UFF, UERJ ou UNIVERSO, universidades nas quais sentei nos bancos de aprendizagem, sempre fui um agitador literário. Eu era um leitor compulsivo e, naturalmente, falava do que lia. E estas falas foram abrindo portas, até que em 2003, invadi a Zona Sul do Rio com os projetos de POESIA FALADA que desenvolvi coletivamente desde os 17 anos em São Gonçalo e Niterói. Hoje, moro em Niterói, mas devo tudo à São Gonçalo, pois foi lá que aprendi a fazer. A realizar. Mesmo que não houvesse recursos ou equipamentos.
PC- E está idéia do projeto "Corujão da Poesia", poderia contar-nos como tudo começou e como está o projeto agora?
JL- Ah, o Corujão da Poesia e da Música-Universo da Leitura nasceu de minha insônia e da insônia de outros poetas e artistas. Ficava matutando sobre como poder ter um projeto profissional, via Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), onde sou Assessor de Cultura, que contemplasse as minhas horas insones e que pudesse atender às expectativas de outros insones.
Escrevi o projeto, submeti à Magnífica Reitora Marlene Salgado de Oliveira, que o aprovou e propus a parceria à Livraria Letras&Expressões, no Leblon, que funciona 24 horas por dia. Toparam. Era o casamento perfeito. Daí surge um projeto de extensão universitária bastante original e que tornou-se a única vigília de periodicidade semanal de poesia, leitura, música e literatura de toda a América. Quando fizemos um ano de existência, começamos a arrecadar livros usados e novos e já montamos 84 Bibliotecas Solidárias, que são as nossas maiores alegrias e realizações, pois o principal compromisso do projeto é com a difusão do prazer da LEITURA.
PC- Quem milita nas artes poéticas há algum tempo em nosso país sabe o quanto é difícil reunir um grupo de bons poetas num sarau de poesia, ainda mais se fizer a apresentação destes eventos por longo tempo. A falta de incentivo, a indisponibilidade de tempo, os interesses políticos, a competição, o conflito de egos, o estrelismo, etc; enfim, há uma porção de fatores que normalmente fazem estes eventos de poesia serem esporádicos e de curta duração. Gostaria que você nos revelasse qual o segredo que faz com que você mantenha o Corujão da Poesia como um evento de sucesso e com bons poetas se apresentando por tanto tempo e em tantos lugares?
JL - A razão de nosso reconhecimento social e cultural e de nossa permanência é porque somos uma OFICINA aberta para qualquer um que venha apresentar-se, sem roteiro prévio e com um profundo sentimento de acolhida a todo os que chegam. Em novembro de 2010 faremos 5 anos e não para de chegar pessoas. Nós as abraçamos e dizemos "És coruja!" e muitas delas ficam. Outras não. Isto nos permite a continuidade da grande maioria e a permanente renovação dos novos talentos independentemente da idade ou do estilo de obra. Somos uma oficina viva, dinâmica e aberta aos que queiram militar em nossas fileiras poéticas ou sociais.
PC- Gostaria que agora você falasse como o professor de literatura que é; sabemos que quem morre são os poetas, não a poesia. Mas, que tipo de poesia sobrevive ao seu autor? Ou seja, que a poesia precisa ter para conquistar a sua longevidade?
JL- Para ser longeva, a poesia carece de ser atemporal. No mais, os caminhos que os poemas fazem são misteriosos. Quem dera se um professor pudesse definir os rumos dos poemas e o que fazem eles sobreviverem. Nem os poetas podem imaginar o que de suas obras será lembrado no futuro. São mistérios. É o território sagrado da POESIA.
PC- Agora, por favor, esqueça que o professor de literatura que é, e fale-nos desta vez como leitor. Quais os grandes autores deste país, aqueles cuja leitura te tocam e te trazem deleite, crescimento e aprendizado e que, com certeza, você recomendaria?
JL - Meus poetas amados são Manuel Bandeira, Cruz e Sousa, Manoel de Barros, Hilda Hilst, Solano Trindade, Eugénio de Andrade, Adélia Prado, Baudellaire, Gonçalves Dias, Mário de Sá Carneiro, Federico Garcia Lorca, Fernando Pessoa e muitos outros. Dos vivos não direi os nomes, mas o Antônio Cícero é uma de minhas paixões. Chega!
PC- Muitos poetas populares são questionados nas universidades. Há críticos que enaltecem autores acadêmicos, de escrita hermética e há também poetas populares que desconsideram os cânones da crítica. Afinal, qual é a importância da crítica literária na formação da Poesia Brasileira?
JL- A crítica é necessária pois é um exercício de conhecimento e pesquisa, compartilhado nos meios especializados, mas, nós sabemos que ela não é definidora daquilo que o público consagra. A academia pode consagrar um autor e o povo desmerecê-lo ou vice-versa. O importante é que haja espaços de reconhecimento e leitores para todos. E aí entram os saraus, os eventos, os blogs etc.
PC- Muitos poetas afirmam escrever por catarse. Fazer poesia pode ser terapêutico?
JL - Tudo pode ser terapêutico, especialmente, o exercício de escrever-se ou a tentativa de cometer alguns poemas. Não sei julgar esta questão. Sei que a poesia é mais libertária do que qualquer terapia.
PC- A poesia inevitavelmente é influenciada por sua época. Qual é a cara da poesia dos dias atuais? Do que ela trata?
JL - A poesia dos dias de hoje é tão plural. Ela não tem cara nos dias de hoje. Ela é um movimento de infinitas faces. Está tudo aí. Só precisamos ter antenas plugadas para percebermos, o que também é uma atitude poética. Estar aberto para perceber a poesia do hoje é uma atitude poética. É dialógica.
PC- A internet, blogs e redes sociais são uma realidade. Muitos críticos afirmam que essas tecnologias ameaçam a literatura. Você concorda?
JL- A teconologia tem ajudado a literatura e a poesia até aqui. Nós, os seres das palavras é que precisamos invadir com nossos conteúdos o mundo da internet. E vamos lá. Estamos fazendo isto aqui agora quando eu respondo-lhe estas perguntas. Vamos invadir às redes sociais com poesia e literatura. E com o afeto que nos caracteriza.
PC- Você é um estudioso da realidade brasileira, principalmente das grandes cidades, o que você acha que ainda falta para o Brasil se tornar realmente um grande país?
JL - O Brasil é um grande país. Precisamos acertar mais na educação pública e privada. Precisamos ler mais. Precisamos resgatar as idéias do Mestre Darcy Ribeiro. Precisamos defender a escola de horário integral e rica de imaginação criativa para todas as crianças e adolescentes, de modo que elas apaixonem-se pelo aprender coletivamente e por produzir conhecimentos. No mais, a sociedade vem avançando e o Brasil nos últimos anos disse ao mundo: PRESENTE!
PC- Nos eventos do Corujão, a participação é aberta a todos. Para alguém de fora, que esteja de passagem no Rio de Janeiro, como proceder para assistir ou para participar deste eventos?
JL- É só acessar o www.corujaodapoesia.com e conferir a nossa agenda. Ou ainda: http://corujaodapoesiaedamusica.blogspot.com/. No Leblon, é toda madrugada de terça para quarta, na Letras&Expressões, da Rua Ataulfo de Paiva, 1292. Começamos meia noite e terminamos às seis da manhã de quarta. Toda semana, enquanto Deus e a História nos permitirem.
PC- Gostaria que você informasse-nos como proceder para fazer doações de livro para o teu projeto de bibliotecas, quem contar e se é possível enviar-lhe livros também de outras cidades ou de outros estados?
JL- Todo livro é recebido com festa. Muita festa. Podem entrar em contato conosco pelo e-mail corujicespoeticas@gmail.com, sempre com cópia para a.cultura@nt.universo.edu.br. Será um prazer responder aos e-mails e conversarmos sobre como faremos para procedermos a retirada da doação. Gratidão. Muita gratidão sempre.
* Fotos de vários eventos do Corujão da Poesia, por Júlio Pereira: 1- João Luiz; 2- panorama do Corujão da Poesia na Barra da Tijuca; 3- panorama do Corujão da Poesia no Leblon; 4- João Luiz e a atriz Letícia Sabatela.
Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul), Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).
14 comentários:
Muuuuito bom tudo, Altair!
7 de junho de 2010 às 09:27A escolha do entrevistado, colocando-o em evidência para leitores d'além Rio com todo esse belo trabalho que ele faz, a trajetória dele...
E novamente esse ótimo bate bola entre entrevistador (vc tá danadinho nisso, hein?!) e entrevistado! Ótimas perguntas e dão margem a respostas idem, principalmente de quem tem mesmo algo a dizer, e que diz tão bem!
Muito interessante! Parabens pros dois!
Abração!
Excelente e merecida matéria Altair, João é poesia nuca e crua!
7 de junho de 2010 às 10:52beijo da Marisa com muitois aplausos!
João é uma das pessoas mais gentis que tive oportunidade de conhecer.
7 de junho de 2010 às 16:14Seu abraço tem a capacidade de envolver a todos numa acolhida tão carinhosa,
que é impossível não amar a pura poesia que ele representa.
Toda minha admiração.
Beijos da Ceiça Esch
No Corujão da Poesia e da Música pude participar dos momentos mais interessantes da minha vida nos últimos 2 anos e meio, seja com as participações de artistas ou de anônimos que passaram por lá nas noites e madrugadas. E por isso agradeço ao João Luiz, uma das pessoas mais inteligentes e carismáticas que já conheci!Que o projeto continue por muitos e muitos anos para nosso deleite!
7 de junho de 2010 às 18:01Abraços
Leila Oli
Legal! Parabéns!
7 de junho de 2010 às 21:45Inteligente e elegante, bom de gostar e aprender!
7 de junho de 2010 às 22:19PARABÉNS JOÃO!!
7 de junho de 2010 às 23:44Parabéns pela entrevista! O Corujão da Poesia é um presente na minha vida e na vida de muitas pessoas. Mais do que incentivar a cultura e descobrir novos talentos, é um lugar onde poetas descobrem a si mesmos. Toda semana. Meu beijo e meu carinho, João. Já te disse da importância que você e o Corujão têm para o meu verso. Flávia
8 de junho de 2010 às 09:20Que privilégio contar com alguém tão dinâmico como João Luis. E parabéns ao Altair de Oliveira e Rodolpho Saraiva, que conseguiram, com um ótimo texto, nos passar a vontade de fazer poesia também. Abração a todos. Sandra
8 de junho de 2010 às 18:55É um grande privilégio poder ser sua amiga Altair, isso me possibilitou ler esta maravilhosa entrevista com João Luiz...e aprender tbém, pq são pessoas assim como vcs dois, q nos deleitam e nos ensinam cada vez mais a admirar a poesia, a nossa literatura, q prá muitos passam sem sentido!!O que é uma pena!As almas sensíveis ainda existem...portanto...nós temos ainda a sensação q o nosso "mundinho" ainda tem cura, apesar de tudo q tem acontecido por aí!!!
9 de junho de 2010 às 00:25Parabéns meu amigo!!!!!
Neu Barddal - Bal.Camboriú
Adorei tudo, parabéns Altair! Grande beijo!
11 de junho de 2010 às 00:24CORUJA MOR
11 de junho de 2010 às 06:32Celso de Lanteuil
11/06/2010
João Luiz é o inventor do Corujão
É um furacão
Tempestade que sopra poesia
Ventos em rima ou disritmicos
Ele é o tsuname da literatura
Maremoto que trás livros em ondas
Varrendo não só o litoral
Atingindo terras distantes
Comandante Coruja
Enfrenta noites sem dormir
Guiando-se na busca de novos criadores
Sempre um generoso anfitrião
João é padrinho de muitos
E nessa meteorologia louca, sem previsão
Ele é o melhor representante do tema
Ler é diversão, libertação, remédio contra exclusão
Abraços de um Coruja.
Como è bom ler, principalmente palavras como essas, que alimentam a alma!Parabéns Altair! Abração! Márcia Regina.
13 de junho de 2010 às 22:56Postar um comentário
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