quinta-feira, 17 de junho de 2010

A FOTOGRAFIA E OS ESPAÇOS DE REPRESENTAÇÃO


A coluna Incontros traz o depoimento e algumas imagens do fotógrafo Marcus SantAnna, que não é fotógrafo profissional, mas que faz do exercício imagético, mais do que uma experiência estética, uma busca pela compreensão da ocupação dos espaços urbanos para além do seu significado meramente físico:

Comecei a fotografar em 1998, depois que meu avô me deu de presente de aniversário uma Zenit 11, soviética. Dias antes, ele me viu namorando aquela máquina pela vitrine da loja. Na verdade, não tinha a menor intenção em aprender a fotografar. Era a câmera que me chamava a atenção, com aquele tamanho todo e um painel cinza quadriculado que depois me disseram ser o "fotômetro de selênio"!

No início achei um pouco complicado, era difícil revelar e aparecer alguma imagem visível, então desanimei. Só depois de iniciar o curso de Arquitetura (UFV, 2000), comecei a ter interesse em aprender os fundamentos da fotografia. Em pouco tempo já estava usando uma Canon digital, que me serviu, acima de tudo, para compreender o quanto era mais prazeroso, para mim, a fotografia analógica.

Como não sou fotógrafo profissional e não tenho uma formação tão específica no campo das artes, fico sempre com a impressão que ainda estou aprendendo. Tudo ainda é muito experimental e mesmo que atualmente eu não esteja mais preocupado com os cânones da "boa fotografia", muitas vezes ainda anoto no papel a abertura e velocidade! No meu caso, utilizo equipamento de baixa qualidade, como uma Lomo Smena8M, isso acaba sendo fundamental. Dominar uma câmera dessas, que é um equipamento "imprevisível", é sempre um desafio. Isso pode parecer contraditório, mas mesmo não me preocupando muito com a "regra dos terços", não sou do tipo empolgado com lomografia(1): Don't think, just shoot... não dá.

Filme slide é caro e difícil de encontrar! Me divirto até mesmo com câmeras melhores. Uso muito também uma Olympus XA, XA2 e uma Pen, que são subcompactas consagradas e mesmo assim nunca sei como ficaram as imagens. Quantas sobreposições? Quantos vinhetas? Quantas películas queimadas? Esses defeitos são surpreendentemente prazerosos. Fico ansioso quando vou ao laboratório buscar as revelações, muitas vezes em processo cruzado com slides vencidos. Eu mesmo faço o scan das fotos e só uso photoshop para ajuste do tamanho. Dispenso qualquer tipo de pós-processamento. Por isso ainda faz sentido fazer anotações quando se quer alto contraste e saturação. Acho que é essa falta de instantaneidade que me faz gostar de fotografia. É meu momento de "tempo lento", como diria Milton Santos!

Mais que um exercício estético, fotografar pra mim é uma forma pessoal de experimentar o espaço, e assim, acabo produzindo uma leitura pessoal onde esse ato fotográfico se confunde com minhas preocupações acadêmicas.

Olhar a cidade, a rede de interesses e relações, a vida ou a falta dela na paisagem urbana tem sido minha principal temática desde a graduação. Isso se intensificou muito depois que me mudei para Belo Horizonte, onde fui fazer meu mestrado na área de Geografia Humana, em 2006. Ainda hoje, continuo com as mesmas preocupações, de ultrapassar a barreira da espacialidade física, e poder captar as relações sociais que subsistem no espaço. Para ser mais específico, me preocupo com os aspectos da produção do espaço que tem lugar no físico, no concreto, os chamados "espaços de representação", e que vão ser definidos por várias categorias: lugares, territórios, espaço diferencial, territórios de subjetivação, espaços liminares...enfim, são eventos, definidos pela forma de uso e apropriação de uma determinada espacialidade. E quando me refiro a usos, não há como não registrar seus "usadores". Isso não exclui o seu oposto, os não-lugares e os "usuários de espaço". (M.S.)

P.S.:
(1) A Lomografia é um fenômeno fotográfico que é produzido por uma câmera automática, de alta sensibilidade, capaz de registrar cor e movimento sem necessidade de flash e sem deformação. O processo consiste no recebimento contínuo de luz que é feito através do sistema de exposição automático, que chega a durar 30 segundos. Outro efeito, dependendo do modelo e da lente, é o olho de peixe, no qual a foto fica com uma moldura circular. O nome é uma referência ao modelo LOMO LC-A, uma câmera compacta que começou a ser produzida a partir de 1980.
Atualmente, as câmeras LOMO são objetos de culto. Originaram uma comunidade internacional de seguidores, a Sociedade Lomográfica Internacional. A sua prática é considerada um modo de vida, e os lomógrafos convivem com um conjunto de dez regras básicas:
  1. Leva a tua Lomo onde você for.
  2. Fotografe a qualquer hora do dia ou da noite.
  3. A Lomografia não interfere na sua vida, ela é parte dela.
  4. Aproxima-te o mais possível do objeto a ser fotografado.
  5. Não pense.
  6. Seja rápido.
  7. Você não precisa saber antes o que fotografou.
  8. Nem depois.
  9. Não fotografe com os olhos.
  10. Não se preocupe com as regras.
(Fonte: Wikipédia)

Legendas:
Foto 1- “Sem Título”
Foto 2- “Não-Lugares”
Foto 3- “Usadores”
Foto 4- “Entre Lugares


Izabel Liviski, Mestre em Sociologia na linha de Imagem e Conhecimento pela UFPR e consultora da Contemporâneos, escreve quinzenalmente às 5ªs. no ContemporARTES.

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