Imprensa alternativa - colaboração do leitor
O movimento de contracultura foi muito importante nos anos 60 e 70 e tomou diversas formas de expressão, entre as suas mais conhecidas, a do movimento hippie que tinha os ideais de paz e divulgava os livres costumes e uma crítica a sociedade capitalista ocidental da Guerra Fria que se via envolvida em uma grande corrida armamentista e em conflitos sangrentos como a Guerra do Vietnã e da Coréia.
A expressão brasileira do movimento de contracultura teve nos tropicalistas e nos novos baianos o seu grande denominador e proporcionou uma forte influência na música e no modo de vestir. Marcelo Pimenta, jornalista e nosso convidado de hoje, explica as repercussões desse movimento na imprensa brasileira.
Ana Maria Dietrich, historiadora, é coordenadora da Contemporartes- Revista de Difusão Cultural.
Jornalismo brasileiro na contracultura
Por Marcelo Pimenta e Silva
jornalista
Durante o período histórico dos anos 60 e 70 a comunicação alternativa foi mais que um canal de expressão para os mais diversos grupos e movimentos sociais, serviu também para fomentar novas abordagens na cultura ocidental. A contracultura era uma corrente à margem da cultura tradicional e da própria comunicação feita pelo sistema mainstream e comercial dos grandes conglomerados de mídia. Para divulgar esse contexto, a comunicação alternativa abriu espaços com uma vontade de fazer guerrilha cultural através da palavra. Essa produção ficou conhecida como imprensa marginal ou “nanica” e tinha o ideal de traduzir a revolução de costumes que aflorava em diversas partes do globo, numa espécie de “antena parabólica” da juventude, muito antes do advento doméstico da internet.
No Brasil, vivia-se a linha dura do regime militar, momento de repressão e de violências aos direitos sociais. O governo usava a máquina estatal para vender um país grande e rumo ao progresso. Gerava uma ilusão de que a ditadura era benéfica a todos os brasileiros. Os grandes jornais, revistas, emissoras de televisão e rádio viviam sob a égide da censura, porém muitos apoiavam descaradamente o governo pelo interesse financeiro que isso resultava. Vivia-se o milagre econômico, tempo propicio para a indústria cultural instalar-se no país e proporcionasse, através da comunicação comercial, o projeto de integração nacional do governo. Em um cotidiano além da situação política e social do que realmente acontecia no país, era vital uma resposta às “verdades” publicadas na grande imprensa, portanto assim ocorreu a proliferação de jornais com tiragem menor e com o tamanho de tablóides, em sua maioria, usando como “arma” a ironia, o humor e a crítica ferina ao país regido pelos militares.
Para que fosse possível a produção de tais veículos, uma gama de jornalistas, artistas, intelectuais, hippies e doidões formavam equipes e botavam nas ruas uma espécie de grito contracultural ao modelo de país e de mundo em que viviam. Num mundo dividido pela Guerra Fria, além das ideologias e dos radicalismos tinha-se muita vontade de viver loucas utopias, de experimentar novas práticas e costumes, enfim de estabelecer um novo modelo do viver em sociedade. Por isso, nesse tempo de quebra de tabus e de contestação, a imprensa marginal foi a porta-voz de toda uma geração.
Duas publicações de cultura e comportamento jovem se notabilizaram nesse período: Flor do Mal e Rolling Stone.
Como a maioria dos jornais alternativos, Flor do Mal teve uma periodicidade ínfima, uma tiragem pequena e um tratamento artesanal que seguia os princípios hippies de ir contra a domesticação do homem pelo uso da tecnologia. Uma frase de Baudelaire e a foto de uma menina chamada Ninon - segundo o jornal raptada em Belfort Roxo - estampavam a capa da primeira edição (foto Flor do Mal). Com as chamadas escritas na capa para que o leitor percorresse uma espécie de “caminho” Flor do Mal anunciava: “Isto não é um jornal para ser lido; é para ser curtido”. O jornal tinha como público cativo os “transbundados” – gíria dada pelos jovens envolvidos com política para aqueles que pertenciam ao movimento hippie tupiniquim e não aderia à luta armada – com seus temas comportamentais e ainda tabus, o impresso foi um fracasso além dos círculos alternativos.
O projeto de Torquato Neto, em parceria com o jornalista Luis Carlos Maciel (conhecido como o “guru” do underground brasileiro), é o exemplo de jornal marginal que causou impacto pelos temas que abordava, bem como pela sua apresentação visual, mas como a maioria dos 150 jornais que circularam durante a ditadura militar não teve vida longa.
A versão brasileira da Rolling Stone publicada em 1972 foi um dos primeiros veículos de comunicação impresso a discutir o feminismo, as drogas, o movimento ambientalista, a macrobiótica e, claro, o rock n’ roll, na época uma forma de contestação juvenil. Contudo, a revista nunca deixou de lado a música nacional ainda influenciada pela tropicália como atesta a capa da edição de número zero com Gal Costa. Na época, Gal era a musa dos hippies nacionais, os transbundados. A Rolling Stone também durou pouco. Versão pirata produzida por jornalistas como Luis Carlos Maciel, Ezequiel Neves, Ana Maria Bahiana, a revista circulou por quase dois anos sem nunca ter pagado os royalties para a matriz americana, conforme os jornalistas da revista, numa típica atitude contracultural de ir contra o sistema.
Nessas idas e vindas, o único veículo que sobreviveu com sucesso os anos românticos da contracultura foi o Pasquim, ironicamente o veículo entrou em decadência com o fim da ditadura militar e a redemocratização política. Num tempo “barra pesada” o lema “proibido proibir” fomentou uma produção ativa do jornalismo alternativo, produção de caráter utópico que influencia novas propostas de comunicação até os dias atuais.
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