Novo Aeon (Cícero Barbosa)
Sábado à noite, fim de verão. O calor intenso fez com que no final daquela tarde houvesse um pequeno temporal. Agora o calor era até suportável. Tamanha a minha sorte que uma leve brisa me alentava, e que unida à cerveja barata e gelada que comprei de um ambulante amenizavam a ansiedade de ficar na fila de espera para entrar no bar. Tinham umas vinte pessoas do lado de fora e pela movimentação do local deveria ter esse mesmo número lá dentro.
No Novo Aeon tocaria uma banda punk chamada Distorção Social, e provavelmente teria mais umas duas ou três bandas antes. Tinha comigo uma fita K7 que um amigo havia gravado. Escutava ela com freqüência no meu walkman com um volume consideravelmente alto.
Minha vez de entrar no lugar havia chegado, quando surge um ônibus carregado de punk sujos. Fiquei sabendo depois que com o cachê que ganhariam o pessoal da banda alugou o ônibus, mas parece que até hoje não receberam a tal grana. O lugar tocava uma música barulhenta e que eu não conseguia distinguir a voz, a guitarra ou a bateria, muito menos o contrabaixo. A quantidade de cerveja que havia tomado me fez ir direto para o banheiro, onde encontrei um cenário de guerra: pichações em todos os espaços possíveis, a privada sem tampa e a descarga era daquelas de puxar a cordinha (e que não tive coragem de tocá-la).
Embaixo tinha um porão, que foi fechado pelo dono do lugar depois que um garoto foi ferido por arma branca numa briga de gangues. O lugar onde teria o show estava praticamente lotado, fazendo com que a maioria transpirasse. Muito pelo fato do bar não ter muitas janelas e porque o segurança ficava de guarda na porta com medo que as pessoas saíssem do lugar sem pagar.
Para conseguir pegar uma bebida tinha que chegar ao pequeno balcão disputando espaço com “chega pra lá, por favor” em forma de cotoveladas e dizendo e/ou “não empurra, porra”. Era um esforço muito desgastante, mas que era logo esquecido quando saiam com um largo sorrizo e com vários tipos de drinks nas mãos. A precária iluminação dava ao lugar um clima de insanidade coletiva. Os cantos da casa eram usados para os casais se conhecerem melhor. Vez ou outra tinha que desviar de garotos embriagados que desmaiavam e deitavam no chão imundo.
Para se divertir, alguns garotos pegaram um de seus colegas para Cristo: apanharam-no pelas pernas e iam de encontro a uma das vigas que sustentavam o lugar, dando a impressão que queriam aleijar o rapaz. De repente um tumulto: empurrões e cadeiras voando, garrafas e copos sendo usados como armas. Parece que alguém mexeu com uma garota que namorava um cara que veio com o pessoal do ônibus. Mas foi bom, porque faltavam poucos minutos para a banda começar a tocar e como a briga foi lá para fora o lugar esvaziou pela metade.
Foi a última coisa que me lembro, pois bebi tanto naquela noite que não me recordo muita coisa do show, menos muito como cheguei em casa.
Cícero F. Barbosa Jr., mestrando em História pela PUC/SP, músico e artista, escreve às quartas-feiras quinzenalmente no ContemporARTES.
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