segunda-feira, 14 de junho de 2010

Quatro Poetas Virtuais?


UMA SALA DE POESIA VIRTUAL
por Altair de Oliveira.


Com a chegada da internet, antes que os sites particulares e os blogs se popularizassem, iniciou-se uma grande corrida de renomados provedores (UOL, BOL, IG, Terra, hotmail, yahoo, etc) em busca de captar o interesse dos internautas "recém-formados". Na época, além da notícias da hora e dos endereços de correspondência eletrônicos (emails), um dos principais pratos servidos nos sites destes provedores era a sala de "chat" (bate-papo). Inicialmente a divisão das salas de pate-papo por temas, fazia com que as conversações fluissem, pois permitia que reunissem alí as pessoas com interesses e assuntos afins.

O provedor "Terra" manteve por longo tempo salas de chat destinadas aos amantes das artes; alí temas como música, cinema, teatro e literatura tinha suas próprias salas.
O tema "literatura" era dividido em "poesia" e em literatura, propriamente dita, neste último reuniam-se os amantes da prosa. Tanto na sala de prosa como na sala de versos era possível postar textos ou fragmentos de textos, opinar e participar de discussões sobre os mesmos, ou simplesmente prosear.

Apesar de vários frequentadores destas salas serem autores de prosa e de poesia, ou simplesmente serem apreciadores de ambas as artes, os 2 grupos pareciam não se darem muito bem entre si. Não raro observava-se atritos entre participantes das 2 salas, principalmente quando algum desavisado postava poema na sala de prosa, ou vice-versa. Mas quem frequenta sala de chat sabe que estes atritos são comuns neste ambiente de chat, no caso da sala de "poesia" do Terra, estes atritos acabaram por desvirtuar o encontro de poesia virtual que acontecia lá e o provedor optou então por desativá-la.


UM GRUPO DE "POETAS VIRTUAIS"

Por algum tempo eu participei do chamado bons-tempos da sala de literatura e também da sala de poesia do Terra, e em ambas fiz amigos e inimigos. Estes últimos, movido pelo bomocismo, eu os esqueci. Na sala de poesia eu travei amizade com um grupo de poetas bastante ativos que denominava-se "poetas virtuais".

O grupo de "poetas virtuais" era formado por poetas que se conheceram na internet e que decidiram, em nome da poesia, reunir-se em saraus para celebrá-la. Quando os conheci, eles já haviam feito sauraus de poesia em cidades como Porto Alegre, São Paulo e Brasília e já haviam editado uma coletânea com trabalho dos participantes mais ativos. O grupo veio a promover estes saraus não virtuais dos "poetas virtuais" também em outras várias cidades como Curitiba e Florianópolis, e também publicou novas antologias. Pude então participar com eles, declamando meus poeminhas, nos saraus de poesia de São Paulo e Curitiba.

Do livro "Antologia de Poetas Virtuais de 2005" é que extraí os poemas destas 4 poetas (as gauchas Hanna Luz e Waleska Testa, e as paulistas Edna Libera e Rosí Finco) que apresentaremos a seguir. Pretendemos oportunadamente entrevistar alguns dos principais componentes deste grupo para que possam nos falar desta interessante experiência.



QUATRO POETAS



ESTOU ASSIM

Eu tenho o hábito de habitar estrelas,
de ver nascer os dias.
Vivo do encanto do brilho que deixam
quando escorregam do céu ao infinito.
Refaço este percurso,
onde conheço as margens da estrada.
Todo encanto e magia de cada encontrar.
Eu tenho o hábito de ser tua,
te habitando os sonhos quando te pego distraído,
conhecendo o teu tempo de me amar.
Eu tenho o hábito de ser sereia, mulher em tuas veias,
serena em teu pulsar.
Tenho o hábito de fazer versos quando não te vejo
e te sei a me esperar.

Estou assim:
constância em te morar.


Poema de Hanna Luz.

***

EU SOU LIVRO


Eu sou o livro,
páginas claras, letras grandes
muitos contos,
crônicas, romances e ficções.
Sou livro de receitas.
Sou livro de lembranças.
Sou livro de retratos,
arquivo, geografias e matemáticas
solto folhas
origami fênix, barco,
caixas, serpentes, cavalos, borboletas...
Sou permeável,
sou o melhor que pude guardar da vida!

Poema de Walesca Testa.


***

BONECA DE PANO

Fizeram-me boneca de pano
para dar de presente a alguém
com fios de lã nos cabelos
na boca, esmalte vermelho.

Puseram duas pedras azuis
para meus olhos imitar
e um laço de fita na cintura
para menina ficar.
Os meus olhos não se fecham
estão sempre a te mirar.
Nada digo pois não sei
o que você quer escutar.

Sou boneca de pano
recheada de sonhos
e lembranças costuradas.
Alguns defeitos, mais nada.
Num arremate, inacabada...

Teu amor é brincadeira?
E me pões na prateleira?
Brinquemos pois de adivinhar
eu sei que comigo vive a sonhar...
Pois não sou seu brinquedo,
sou seu medo, seu segredo!
E me chama de amada...
Boneca de pano tem coração? Que nada!
Sou boneca de pano por me sentir assim
porque sou feita de retalhos de mim...


Poema de Edna Libera


***

FRUTO ENIGMÁTICO

Como fazer para do cítrico sentir o mel,
se não consigo extrair seu sêmem?
Das sementes da vida escolhi um réu.
Do sêmem do seu fruto encontrei um homem.

Fruto amargo que em reticências
Expressa o doce que não procuro
Observo suas raízes e experiências
Deparo-me com cortes através de um muro.

Um tronco de camadas ásperas
Folhas que surgem ambíguas...
Expelem com ira o néctar dos deuses!


Poema de Rosí Finco.




Ilustrações: 1- a poeta Edna Libera, também conhecida por "musa"; 2- as poetas Hanna Luz, Rosí Finco e Waleska Testa (sentadas) e Penélope (em pé); 3 e 4- Trabalhos da artísta plástica curitibana Príscila Reis.


Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul), Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).

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