sábado, 31 de julho de 2010

Contribuição do leitor: Entre a sorte e o azar




Nas situações entre a sorte e o azar é que surgem os bons textos e é por isso que a coluna Escritos Contemporâneos contemplará hoje a contribuição de Raphael Oliveira, especialista em Políticas Públicas e Gestão Social (UFJF), graduado em História (UFJF), agente de Suporte Acadêmico (CAED-UFJF) e tutor de Espanhol (UFJF).



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Entre a sorte e o azar.


Azevedo, homem de negócio, queria logo em seu ímpeto de lucro, instalar sua companhia de bonde no velho arrabalde argentino, cujo nome fiz o favor de esquecer. Para isso, teria que fazer o bom e velho jogo de aparências: jantar com o caudilho da região, o coronel Isidoro Rosas, filho de outro caudilho famoso, L. Rosa. O acréscimo do “s” em seu nome foi devido a um erro de registro. Convidado pelo caudilho, foi ter com este, ao embalo do bom charuto cubano e de garrafas de uísque, vinte e cinco anos, uma conversa para instalação da companhia de bonde na região. Na verdade, nem introduziram o assunto, aquela noite ficou reservada aos jogos de baralho. Para uns, sorte; para outros, azar.







O caudilho Isidoro, dentre as centenas de defeitos que adquirira ao longo da vida, o pior era, certamente, a jogatina. Tal mau-humor poderia custar o azar na vida para aquele que o ganhasse. Fato, válido lembrar, que o único que o vencera numa partida em jogo de truco, nunca mais apareceu no arrabalde; dizem que foi ter com alguns parentes uruguaios, ninguém mais o viu, nemm esmo os parentes uruguaios.


Azevedo que nada sabia, exímio jogador e conhecedor de artimanhas da jogatina, só naquela noite derrotou o caudilho dezenas de vezes, o que fez a este exalar um grande suspiro, de que não estava nada gostando. Todos na mesa estavam preocupados e silenciosos. O único galhardo era Azevedo.


Depois da décima terceira rodada foi ao banheiro, seguido por um dos assessores do caudilho, eufemismo para capanga. Os dois, já dentro do mictório fétido, entre olharam-se no suspense que pairava no ar.


Azevedo percebeu, enfim, que havia algo de errado. Gentilmente, o capanga disse-lhe em tom de alerta: se você quer, realmente, instalar uma companhia de bonde aqui, comece a perder. Pensou Azevedo: se eu ganhar mais umas cinco rodadas, vou estar com tanto dinheiro que nem precisarei instalar companhia nenhuma aqui. Faço meus negócios em outros lugares.


Assim o fez. Ganhou mais cinco rodadas; estava lotado de dinheiro e ouro. Zombava, em seus pensamentos mais secretos, de como aquele caudilho era ruim com as cartas. Talvez, o que sabia fazer de melhor era gastar o dinheiro público com coisas vis.


O caudilho levantou da mesa; pigarreou; saiu sem pronunciar nada. Azevedo fez o mesmo, foi para o seu hotel mais rico de que quando chegou.

No dia seguinte, um amigo, chamado Daniel, o qual estava hospedado no mesmo hotel que Azevedo, foi ter com este. Chegando ao quarto do amigo viu-o morto. Estava baleado por toda parte. Pegou um projétil ao chão; observou que era uma arma Remington, arma nova no país que somente a elite local tinha o poder para tal armamento.

Décadas mais tarde, o neto de Azevedo, Suárez, pôde conhecer esta história por completo através de sua avó e pela carta do amigo do avô, Daniel.




Dona Maria, em seu leito de morte, beirando os noventa anos, chamou o neto. Com voz baixa, sussurrou: – não passo de uma velha morrendo muito, muito devagar. Não há nada de notável nem de interessante nisso. Logo entregou uma carta amarelada pelo tempo que carregava no bolso do paletó. Era a carta de Daniel contando minúcias do que havia acontecido com Azevedo.


Suárez leu a carta com atenção e entendeu o porquê das desgraças financeiras da família e o destino da pobreza que lhes reservou. Ficou com sede de vingança: lavar a honra e o nome da família. Afinal, o nome e memória do caudilho Isidoro Rosas ainda corria no arrabalde, através de seu filho, Martin Rosas.

Seu inimigo estava no poder. Burilou planos mirabolantes para acabar com aquele que representava o algoz do avô. Aquietou-se. Não lhe trazia prazer algum em recordar o que estava escrito na carta que sua avó lhe entregara.

Fazia um esforço para recordar a fisionomia do avô, mas sem sucesso. Talvez, só o reconhecesse pelas fotografias; embora o rosto do caudilho a tivesse em imagem nítida. Já, menos tenso, foi afeitar a barba. Reparou que a marca da gilete era Remington, a mesma que retirou a vida do seu avô no passado. Maravilhou-se com esse fato, seguido de um desassossego.

Pela manhã, as manchetes dos jornais anunciavam que o caudilho Martin Rosas, filho de um dos maiores coronéis da história da região, o caudilho Isidoro Rosas, havia morrido na madrugada. Encontraram o corpo de Martin no banheiro de sua residência com um corte fatal na jugular. No chão uma gilete Remington.



Os jornais se perguntavam: teria sido um assassinato ou suicídio?

3 comentários:

Paulo Tostes disse...

Olá Raphael,

parabéns pela publicação do conto!

Abços,

Paulo.

31 de julho de 2010 às 14:57
LeoGrav disse...

Raphael, parabéns!

Depois vou te perguntar umas curiosidades sobre o conto.

Abraço.

Léo Gravina

6 de agosto de 2010 às 15:42
Gabriel Lopes Garcia disse...

Muito legal o conto!
E também descobrir esta tua veia literária.
Desejo sucesso pra você e mais contos pra nós.
Gabriel.

19 de agosto de 2010 às 17:28

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