quinta-feira, 29 de julho de 2010

A FOTOGRAFIA ABSTRATA

    
"Las obras de arte nacen desnudas como cualquier criatura : ausentes de significados y símbolos. Después los adquieren cuando crecen, o ne crecen y caen en el olvido. No se debe juzgar nunca con ligereza una obra reciente. Hay que mirarla como a un recién nacido : "Mira que ojos más bonitos. Se parecen a los de su padre".  (Alfredo Crespo - fotógrafo espanhol)

Em certo sentido, não há fotografia abstrata. A imagem sempre tem a sua origem no mundo que nos rodeia. E o fotógrafo é alguém que pode ver o que não vemos. Mas para entender aquilo que se convencionou chamar de fotografia abstrata, é preciso compreender a interpretação do real feita pelos fotógrafos através da própria história.  O olhar sobre o mundo, feito pela fotografia, em um primeiro momento, em meados do século XIX, deu continuidade ao modo com que a pintura representava não só a sociedade, como todo o mundo real que a cercava.


"Ya no puedo mas"- Alfredo Crespo


A fotografia nasce com sua linguagem associada à função social que a pintura desempenhava naquela época. Assim a linguagem, neste momento, não só se utiliza da composição originada da pintura, como também apresenta-se empenhada em representar a realidade tal qual ela se apresentava. O movimento artístico denominado pictorialismo é o maior exemplo da ligação inicial da fotografia com a pintura.


Através de várias formas de manipulação da imagem fotográfica, o fotógrafo procurava inserir a fotografia no universo das artes visuais, ao mesmo tempo distanciando da então imagem fotográfica documental e, aproximando-a da linguagem pictórica.


Com o desenvolvimento da tecnologia, os equipamentos tornaram-se mais leves e as emulsões mais rápidas, permitindo uma maior mobilidade do fotógrafo, facilitando assim, a busca por ângulos inusitados e recortes que fugissem da intenção de representação fiel da realidade.


                                                              Foto de László Moholy-Nagy

 

Com o construtivismo russo, movimento  surgido no início do século XX, nasce também a pintura abstrata. Alexander Rodchenko, e László Moholy-Nagy, principalmente, ampliaram as possibilidades da fotografia, desafiando o fotógrafo a fim de mostrar o mundo de uma forma diferente e inusitada. Modificando o imaginário fotográfico, Rodchenko e Moholy-Nagy, iniciaram propriamente a história da fotografia abstrata, propondo novos ângulos em imagens que con contribuíram para o abstracionismo na fotografia.


Os surrealistas, representados na fotografia principalmente por Man Ray, dão à  fotografia abstrata um espaço de destaque. May Ray, colaborando com Marcel Duchamp em alguns de seus trabalhos, propõe novos elementos estéticos na fotografia, saindo do figurativo e mergulhando em um universo fotográfico descompromissado com a representação da realidade. 

May Ray retoma a técnica criada por Henry Fox Talbot, no início da história da fotografia, rebatizando-a de Rayografia, técnica hoje conhecida por fotograma. A idéia é colocar objetos diretamente sobre o papel fotográfico, no laboratório, sem o uso do negativo, pesquisando composições abstratas em gradações de cinzas, luzes e sombras variadas.


                                                              "Fotograma"- Man Ray      

As fotografias aéreas, em alguns casos, são imagens abstratas, assim como fotos de água, pois as referências do mundo real se dissolvem, assim como nas fotografias feitas por microscópios. El Lissistsky e Kasimir Malévitch, segundo Phillipe Dubois, pintores do movimento artístico chamado Suprematismo, se inspiraram em fotografias aéreas para produzirem suas imagens abstratas.


Fazendo um pequeno paralelo entre a fotografia abstrata e a pintura abstrata, Meyer Schapiro, ao contrário do que alguns dizem sobre a pintura abstrata, esta não é fruto de um excesso de racionalismo e ausência de sentimentos, e sim, o auge da dimensão humana no processo criativo. É no abstrato que o artista coloca todo o seu potencial para criar uma imagem que não traga em sua percepção referência de figurativo. Existe uma comparação com a fotografia abstrata, com a ressalva que sem o referente real a fotografia não existe.


A fotografia traz consigo, sempre, um rastro do real, definida por alguns como uma imagem de natureza indicial. Isto coloca a fotografia abstrata em uma situação de ambigüidade. Ao mesmo tempo que procura negar uma representação figurativa da realidade, por outro lado, até por sua gênese por projeção luminosa sobre a material fotossenssível, não pode nascer desassociada de algo real que esteve diante da câmera.

                                                  "Nancy, Place Stanislas" - Bernadette Labadie

Há também o desafio que o fotógrafo se impõe de ser original, em função da grande quantidade não só de fotografias mas também de todos os tipos de imagens, sempre na busca de ter em suas fotografia uma abordagem diferente nunca antes vista. Isto o instiga na procura por abstrair o real, e propor imagens que mesmo geradas a partir de referentes reais negue esse mesmo real.


Muitas vezes não interessa saber a partir de qual objeto foi feita uma fotografia abstrata. Mas para o espectador, em geral, isto é importante, pois a fotografia traz esta ligação indissociável com o real. Como é fotografia então há um objeto para onde a máquina fotográfica esteve apontada por um átimo de segundo que seja. É a ambigüidade do abstracionismo na fotografia. Melhor que o julgamento do resultado não esteja condicionado ao conhecimento de qual porção do real aquela imagem partiu, mas o espectador é livre em suas considerações e julgamento.


"Água"- Izabel  Liviski

Nessas imagens, a fragmentação dos objetos dá origem a composições abstratas, que privadas do seu significado real assumem uma dimensão poética. Da mesma forma, o enquadramento é surpreendente, o parâmetro da escala, relacionada com o reconhecimento do objeto, desaparece. Na tentativa de reconhecer, identificar, o espectador começa então a imaginar, a sonhar. As metáforas que se usa para descrever estas imagens são os de pintura, desenho, caligrafia, etc. Mas está se falando sobre a fotografia, e a liberdade que ela tem tomado em sua relação com a realidade. 

A questão que se coloca diante dessas imagens deve ser " O que é isso?", que se refere ao objeto representado pela fotografia , ou "O que eu vejo?", que pára na superfície do papel, sem tentar penetrar mais além. Neste espaço definido entre o sujeito que vê como espectador, e a imagem, produto da criatividade do fotógrafo, existe uma área frágil e mal definida, com limites de deslocamento, onde surge a poesia.


                                                "Paysages matériographiques"- Jean-Pierre Sudre




Fonte:
Bibliothèque Nationale de France
Dubois, Philippe - "O ato fotográfico"





                                     
Izabel Liviski, Mestre e Doutora em Sociologia pela UFPR, é professora e fotógrafa, co-editora da Revista ContemporArtes.                                                                                      

1 comentários:

Paulo Chagas disse...

Obrigado, essa foi minha introdução à Fotografia Abstrata. Aqui aprendi o básico e agora vou à cata de outros autores para aprimorar meus conhecimentos sobre o tema. Até mais!

27 de fevereiro de 2016 às 01:40

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