quarta-feira, 28 de julho de 2010

Memória do cangaço na “palavra cantada” de Sérgio Ricardo no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol (parte 1)







"A fome latina, por isto, não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de sua própria sociedade. Aí reside a trágica originalidade do Cinema Novo diante do cinema mundial: nossa originalidade é a nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida". Glauber Rocha (fonte: Tempo Glauber)



A Comunidade Sonora, através das ondas eletromagnéticas do pensamento, materializada nessas linhas, continua sua programação normal. Sintonize aí direito o Mhz da nossa estação no seu dial. Hoje vocês vão ficar (atenção, aumentem o volume!) com um texto que foi publicado no 1º Simpósio de História Oral e Memória, o GEPHOM 2010. Na seqüência da primeira parte desta publicação, vocês continuem ligados pois tem a programação do Seminário Vozes da Globalização - Módulo III - Identidades e Religiões (com direito a certificado presencial de horas).



Memória do cangaço na “palavra cantada” de Sérgio Ricardo no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol (parte 1)

Cícero F. Barbosa Jr.[1]




O tempo de Glauber




Trazer à tona a memória do cangaço por meio da análise do filme de Glauber Rocha, “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (filmado entre 1963 e1964) representada entre outros elementos, pela canção de Sérgio Ricardo e letras do próprio Glauber. Na busca de retratar o drama social nordestino, a trilha sonora expressa por meio da “palavra cantada” – aglutinadora de lembranças e memórias – a proposta revolucionária do Cinema Novo e resume as questões do messianismo (na figura de Sebastião) e do cangaço (principalmente com Corisco). Um filme cheio de uma selvagem beleza que na época excitou a todos com a possibilidade de um grande cinema nacional (VELOSO, 1997, p.99).

Glauber Rocha tinha apenas 24 anos quando lançou Deus e o diabo na terra do sol em nossos cinemas em 1964, meses depois do Golpe de Estado que derrubou o governo de João Goulart e que colocou no poder o marechal Castelo Branco, período que iniciaria a Ditadura Militar e somente se encerraria em 1985.

No elenco do filme, nomes como Othon Bastos, Maurício do Valle, Geraldo Rey, Yoná Magalhães, entre outros. Foi considerado por muitos como o principal trabalho do cineasta e um dos que melhores representam a estética do Cinema Novo. Sendo reconhecido internacionalmente em festivais, conquistando o prêmio de melhor diretor em Cannes e sendo indicado a Palma de Ouro. Isso acontecia mesmo o Cinema Novo assumindo uma forte recusa ao que era produzido pelo cinema industrial:

“era um terreno do colonizador, espaço de censura ideológica e estética. Foi a versão brasileira de uma política de autor que procurou destruir o mito da técnica e da burocracia da produção, em nome da vida, da atualidade de criação. Aqui, atualidade era buscar uma linguagem adequada às condições precárias e capaz de exprimir uma visão desalienadora, crítica, da experiência social. Tal busca se traduziu na ‘estética da fome’, onde a escassez de recursos técnicos se transformou em força expressiva e o cineasta encontrou a linguagem em sintonia com os seus temas”(XAVIER, 1985, p. 14).


O filme é uma livre interpretação da peça teatral O diabo e o bom Deus, de Jean-Paul Sartre. Repercutiu muito bem entre os cineastas estrangeiros: Fritz Lang disse, depois de ver o filme: “é uma das mais fortes manifestações cinematográficas que já vi”. Enquanto Luis Buñuel declarou: “é a coisa mais bela que vi nos últimos anos” (SILVA NETO, 2002, p. 258).

Uma época em que o cinema ainda não era visto como parte de uma industrial cultural, conquista que se efetivará concretamente na economia do país durante a década de 1970, com “a implementação de uma política institucional ditada por agências governamentais voltadas para o mercado e centralizados pelo regime” (ABREU, 2006, p. 16).

Glauber Rocha também usou para compor o filme, além da peça do Sartre, lendas populares para mostrar outro aspecto do drama nordestino:

Manoel, vaqueiro miserável, mata o patrão e parte com a mulher em busca da salvação mística aos pés do Santo. Perdendo o Santo, segue em busca da verdade e acaba cabra de um cangaceiro. Morrendo o cangaceiro perde a fé em tudo, enlouquece, larga a mulher e corre para um mar entrevisto em delírio libertário (ROCHA, 2004, p. 141).


Glauber então escreveu algumas letras para Sérgio Ricardo musicar e interpretar. As músicas seguem basicamente o roteiro do filme: 01. Abertura; 02. Manuel e Rosa; 03. Sebastião; 04. Discurso de Sebastião; 05. A Mãe; 06. Antonio das Mortes; 07. Corisco; 08. Lampião; 09. São Jorge; 10. Monólogo; 11. A Procura; 12. Reza de Corisco; 13. Perseguição/Sertão Vai Virar Mar.



[1] Mestrando em História na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, bacharelando em Letras na Universidade de São Paulo, possui graduação em História pela Universidade Ibirapuera (2001). Atualmente leciona na Rede de Ensino do Governo do Estado de São Paulo, também participo como professor da atividade de extensão universitária na Escola Livre de Literatura de Santo André/SP. Email: cicerofbj@gmail.com.




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Seminário Vozes da Globalização - Módulo III - Identidades e Religiões (com direito a certificado presencial de horas)




Uma série de oito palestras que analisam a diversidade religiosa na contemporaneidade e sua interface com a Literatura, História e Teologia. Privilegiaremos o diálogo da questão religiosa com questões socioculturais. Especialistas - professores universitários e literatos - farão incursões sobre grandes problemáticas como o antissemitismo moderno, a representação de minorias religiosas na sociedade, a herança hegemônica católica do Brasil colonial, manifestações de espiritualidade na poesia e interelação das múltiplas diversidades de gênero, sexual e religião. Propõe-se uma reavaliação das representações religiosas em uma sociedade globalizada e plural sempre em mutação.

Apoio
Associação Cultural Morro do Querosene
Realização:
Casa da Palavra - Escola Livre de Literatura
Prefeitura Municipal de Santo André

Local - Praça do Carmo, 171, Santo André - SP.
Sábado das 10h30 às 12h30
31 de julho a 25 de setembro de 2010








1.

31/07
Nancy Cardoso
Teóloga e Profa. Dra. Universidade Severino Sombra - RJ

O sexo dos anjos: identidades de gênero e religiosidade
2.
07/08
Cláudio Willer
escritor


Poesia e Ocultismo.
3.
14/08
Fernanda Lopes Torres
Doutora em História da Arte/ PUC - RJ

Michelangelo e a “busca ansiosa de Deus na alma humana”
4.
21/08
Vanessa Molnar
historiadora e poeta


A literatura libertina do século XVIII. Marquês de Sade contra a religião
5.
28/08
Micheliny Verunsckh
escritora

Religiosidade e Erotismo na Poesia Contemporânea.
6.
11/09
Verah D’Osún
escritora


Religião africana – faces do candomblé
7.
18/09
Ana Maria Dietrich
Historiadora e Profa. Dra. Universidade Federal do ABC
Profa. Colaboradora do Mestrado em História - Universidade Severino Sombra (RJ)


Judeus e o anti-semitismo moderno: a continuidade na descontinuidade
8.
25/09
William Martins
Historiador e Prof. Dr. Universidade Severino Sombra - RJ

Modelos e práticas de santidade feminina na época colonial

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