quinta-feira, 15 de julho de 2010

UM MITO FEMININO DO PARANÁ: DIDI CAILLET

     

Em março de 1929, despontou uma superstar em Curitiba, com a eleição de Didi Caillet como a primeira Miss Paraná. Inteligente, articulada, e reconhecidamente bela, Didi brilhou intensamente na etapa nacional do concurso, realizada no Rio de Janeiro. A Capital Federal, que vivia os últimos tempos do governo Washington Luís, tomou-se de amores pelas beldades reunidas neste primeiro concurso, que entrou para a pauta de jornais, rádios e da intensa vida social carioca.


                                                                Retrato de Didi Caillet

Enquanto a maioria das meninas da cidade sonhava em conseguir um bom marido e lindos filhos, na Curitiba de 80 anos atrás, uma jovem de 19 anos largou o noivo e foi para o Rio de Janeiro, como a primeira paranaense a disputar o concurso de Miss Brasil. Voltou solteira, mas foi recepcionada na estação ferroviária com festa, banda e mais de 30 mil pessoas. Em uma movimentação que acabou virando um filme.

Quando se pergunta o que ela tinha de tão especial, as respostas de quem a conheceu parecem não ter fim. Ela era bonita, culta e ainda dava palpites na política. Filha de uma italiana com um francês, era a mais bonita entre as três irmãs, falava vários idiomas e tinha um carisma incomum. Foi a primeira mulher a gravar um disco de poesia no Brasil e não se tem registro de quantas músicas e poemas foram compostos em sua homenagem. Seu nome, Marie Delfine Caillet, mais conhecida como Didi Caillet.

Dona de personalidade cativante, Didi logo se tornaria uma preferida do grande público, arrastando multidões por onde passava. A etapa final, realizada no campo do Fluminense, em abril daquele ano, lotou o estádio e exigiu presença policial para conter os ânimos da massa. Classificada em segundo lugar pelo júri, em decisão contestada, a linda Didi tomou a faixa nas mãos e num gesto considerado de extrema fidalguia colocou-a na escolhida, a carioca Olga Bergamini.

                                                        Jornal Progresso de São Paulo- 1928

Didi virou mito e acontecimento cívico no Paraná. O psicanalista e pesquisador Paulo Koehler também se encantou com a personalidade desta mulher e juntamente com o compositor e publicitário Paulo Vítola há anos vem preparando materiais para um livro e um DVD, projeto aprovado pela Lei de Incentivo à Cultura de Curitiba. Paulo Koehler resume a saga de Didi sob o prisma de suas relações com o mundo do cinema de então. “Os cine-teatros centralizavam as atividades sociais da época”. A história de Didi se passa em boa parte nas salas do cinema mudo, às vésperas da introdução dos filmes falados”.

Nas entrelinhas da pesquisa, um dos achados mais surpreendentes pode alterar a história do cinema no Brasil. Contrariando toda a historiografia cinematográfica, que sempre localizou no Rio de Janeiro a primeira exibição de um filme sonoro, os dados levantados para a história de Didi Caillet atestam que esse acontecimento teve lugar em São Paulo.

O trabalho de Koehler e Vítola se vale de inúmeros registros de imprensa, como os desenhos de grandes chargistas nacionais, a exemplo de Alvarus, Nássara e J. Carlos, filmes, partituras, esculturas, além de fontes primárias que incluem documentos pessoais, colocados à disposição dos pesquisadores por Luis Gil de Leão Filho, filho de Didi Caillet. O lançamento do livro e DVD não tem data para o lançamento, mas os autores pretendem lançar ainda em 2010, quando se completa o centenário de nascimento da musa.

Quando o Rio de Janeiro ainda era a capital do país, ela ajudou o Paraná a ser reconhecido como um estado emergente, segundo Koehler, pesquisador da história da Miss Paraná. “Ela promoveu a imagem do estado, que era considerado um sítio, uma extensão de São Paulo”, diz. Didi era a preferida para o título de Miss Brasil e, quando anunciaram a filha do dono do jornal patrocinador do evento como vencedora, um dia depois do previsto, houve tumulto e confusão. “O público não se conformou. Houve um momento em que todos ficaram pasmos e sem reação, e a Didi é quem teve a iniciativa de pegar a faixa e coroar a primeira colocada. Isso foi mais uma prova de sua nobreza”, afirma o pesquisador.
Em Curitiba, Didi era a personalidade ideal para promover artigos de luxo – fossem carros, perfumes ou tecidos finos – e sabia alimentar sua imagem na mídia, participando de eventos da alta-sociedade ou lançando argumentos sobre assuntos polêmicos, como o voto feminino. Na moda, também teve papel significativo. Até então, ou se usava cabelo longo, ou curtinho. O cabelo dela era de cumprimento médio e serviu de modelo para muitas jovens.

Além de frequentar as conversas masculinas sobre política e economia, Didi também se destacava por desfilar pelas ruas em sua “baratinha”, um carro importado da Nash que havia ganhado do pai, numa época em que era incomum as mulheres dirigirem.

Nas homenagens da época, um registro gaiato, porque os automóveis adotaram uma buzina que em acordes e notas “dizia”: “Di-di- Cai-llet”, ao que a rapaziada de então emendava “levanta a saia que eu quero ver”...

                                                    "Baratinha" da Nash que ela dirigia pela cidade

Em 1933 ela casou-se com Luís Ermelino de Leão e teve filhos, passando a se dedicar à família. O passado glamuroso, estampado em três grandes livros com recortes de jornal, ficou de lado. Viúva de Luís, casou-se com o banqueiro e empresário José Gonçalves de Sá, em 1953. Ela e os filhos foram morar no Rio de Janeiro e por lá ficaram durante 22 anos. Quando o segundo marido faleceu, Didi retornou a Curitiba, onde passou seus últimos oito anos e escreveu três livros.

Na cidade, a praça que leva o seu nome e onde foi eternizada com a escultura “Vênus Paranaense”, continua sob a sombra de uma imponente e centenária nogueira, uma das árvores protegidas de corte de Curitiba. Ela não ganhou o concurso Miss Brasil, mas sua “belleza paranaisíaca” conquistou o coração nacional.
                                                     Praça Didi Caillet no Centro Cívico em Curitiba



Fonte:
Paulo Soares Koehler
Jornal Gazeta do Povo

Izabel Liviski, é professora e fotógrafa, doutora em Sociologia pela UFPR, escreve desde 2009 a Coluna INcontros, e é co-editora da Revista ContemporArtes.

1 comentários:

Anônimo disse...

Maravilha! Conhecia de nome a Miss, nos anos 40, quando vivia em Curityba ainda com Y, através de minha mãe, que era sua grande admiradora. Era famosa como declamadora, mas nunca cheguei a vê-la, nem ao menos em fotos, embora, certamente, tenha cruzado pela rua com essa mulher maravilhosa. Suas informações são tão valiosas quanto as preciosas fotos.

22 de agosto de 2012 às 12:11

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