"A Duração do Dia" - de Adélia Prado.
NOVA DELÍCIA DE ADÉLIA PRADO
por Altair de Oliveira
Minha melhor notícia da semana foi saber que a poeta e educadora mineira Adélia Prado lançou recentemente, pela editora Record, o seu novo livro de poemas "A Duração do Dia", depois de mais de 10 anos sem publicar (Oráculos de Maio, em 1999). Adquirido, este livro de uma de nossas maiores poeta viva, se tornou o meu mais novo e precioso tesouro.
Primeiramente foi impacto da capa, onde um trabalho do surrealista René Magritte estampa uma vela acesa e ereta entre os ovos de um um ninho, que me fez reencontrar o signo da oscilação entre o sagrado e o erótico, tão bem trabalhado pela poesia interessantíssima de Adélia. Esta mesma oscilação que às vezes sentimos também ao ler os versos de grande santa Tereza de Ávila, a quem a poeta faz referência no livro, num poema chamado "Santa Tereza em Êxtase". Depois foi o próprio título "A duração do Dia", que pareceu-me ressaltar um certo "carpe diem", como se veladamente nos alertasse sobre a brevidade ou a transitoriedade da vida.
Nos poemas, o dia a dia ou o próprio dia da poeta e sua prodigiosa brevidade. A mesma doce Adélia, simpática e brincalhona executando o seu cotidiano com perplexidade, fé e fino humor. (Como boas senhoras brincam as marrecas,/ falsas mofinas debicando nos filhos." ou "Olho grande deve ter Deus/ para enxergar num só lance....") Como em outros livros da autora, os poemas são anunciados por epígrafes biblicas. Mas a poeta fala a partir de sua casa, de seus interiores e, como diria Quintana, a poeta mora em si. Seus arredores são apenas matéria-prima que ela molda em palavras para compor com insólita simplicidade as suas impressões. O dia do poeta é feito de imagens, de olhares, de lembranças, de suposições... Plena de religiosidade e de humanidade, aos 75 anos a poeta continua belamente cuidando de seu "si" (corpo e alma) como queria santa Tereza, que construíssimos nossa própria alma como um castelo interior. Mas neste livro a poeta parece ter voltado-se também para o seu corpo (Meu coração/ é a pele esticada de um tambor./ Como tentação a dor percute nele,/ travestida de dor, para que eu desista,/ duvide de que tenho um pai." ou "Meu corpo me ama e quer reciprocidade."). Mas ela guarda em si a menina arguta e de bem com a vida que, com muita poesia, soube um dia explorar o lado engraçado e poético para aplacar as contrariedades. Um livro delicioso de ler, sem dúvida nenhuma! Custa menos de 30 reais e realmente vale cada um deles.
Do mesmo grande rio onde foram encontrados outros grandes mineiros, como Guimarães Rosa e Carlos Drummond, surgiu a poeta Adélia Prado em 1976, aos 40 anos, com um livro de poemas chamado Bagagem que, com uma poesia moderna e brejeira, falava dos assombros e alumbramentos de uma mulher interiorana de uma cidade média do meio do Brasil. Adélia nasceu em Divinópolis-MG, cidade média localizada no início do cerrado brasileiro, em 1935. O livro já trazia na bagagem a experiência poética daquela dona de casa que revalorizou a poesia feminina brasileira e que foi saudada por Drumond como fenomenal e, em seguida, encantou os apreciadores da boa poesia no país.
O QUE JÁ DISSERAM DELA:
"O erotismo, a liberação feminina e as peculiaridades da poesia são outros temas constantes nos textos de Adélia. A abordagem é a da dona de casa que trata tudo com a mesma simplicidade das tarefas cotidianas. Ela se auto-afirma sem medo, com a força que viria de Deus. Em seu provincianismo, não há tédio ou melancolia, como em Drummond. Pelo contrário: as pequenas coisas são cheias de significado, tornando-se universais. Segundo o professor José Helder Pinheiro Alves, o veio popular também se faz presente em poemas de caráter narrativo, como a prosa tradicional mineira. O caso e a conversa constituem a estrutura da poesia, que faz uso da fala coloquial para criar a vitalidade das imagens. Nesse ponto, ressalta-se a força que a sonoridade assume na poesia de Adélia. As vozes e os sons são matéria importante para transmitir aos versos as sensações que emanam do ambiente e das coisas." - Revista Bravo.
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"Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis". - Carlos Drummond de Andrade.
POEMAS:
HARRY POTTER
Quando era criança
escondia-me no galinheiro
hipnotizando galinhas.
Alguma força se esvaía de mim,
pois ficávamos tontas, eu e elas.
Ninguém percebia minha ausência,
o esforço de levantar-me pelas próprias orelhas,
tentando o maravilhoso.
Até hoje fico de tocaia
para óvnis, luzes misteriosas,
orar em línguas, ter o dom da cura.
Meu treinamento é ordenar palavras:
Sejam um poema, digo-lhes,
não se comportem como, no galinheiro,
eu com as galinhas tontas.
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DEVE SER AMOR
É preciso fé para cortar as unhas,
cuidar dos dentes como bens de empréstimo.
O cobrador invisível bate à porta.
Não durmo, ele também não.
Deve ser amor o que nos deixa unidos
neste avesso de mística.
Por orgulho de pobre
dou por bastante a pouca claridade
eprefiro a vigília
antes que ter repouso.
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ALCATÉIA
Você reza demais, Luzia.
Que aborrecimento esta sua pressa
em fugir pro jardim com seu rosário.
Quem me dera, mesmo, dia e noite rezar,
estou oca de medo.
É admirável que com palpitação e boca seca
eu suba escada para ver do muro
quem fala tanto palavrão.
Rezar demais é ter rezado nada.
Invejo o bruto,
o que enfia no de todo mundo
e não tem medo de Deus.
Quem me dera os lobos fossem fora de mim,
bastava um pau e os afungentaria.
Mas seus fantasmas é que uivam inalcançáveis.
Só a oração os detém,
a que ainda não sei como fazer.
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ESPLENDORES
Toda compreensão é poesia,
clarão inaugural que névoa densa
faz parecer velados diamantes.
Em pequenos bocados,
como quem dá comida às criancinhas,
a beleza retém seu vóetice.
São águas de compaixão
e eu sobrevivo.
Poemas de Adélia Prado, In: "A Duração do Dia", editora Record, 2010.
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Para ler mais sobre Adélia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ad%C3%A9lia_Prado
Ilustrações: 1- foto de Adélia Prado; 2- capa do livro "A Duração do Dia"; 3 e 4- trabalhos da pintora Maria Leontina.
Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul), Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).
6 comentários:
A Adélia é demais!! Essa mistura sutil e tão bem dosada entre o sagrado e o erótico, os elementos do cotidiano que ganham outra luz quando realçados por ela em sua poesia tão sem artifícios, são surpreendentes, emocionantes e envolventes. Na mesma sintonia ficou o seu texto, Altair, que demosntra a admiração totalmente jutificável que você tem pela poetisa!
16 de agosto de 2010 às 10:07Parabens, mais uma vez por seu trabalho e pela escolha do tema dessa semana!!
Um abração!
É a simplicidade de Adélia que encanta, porque dizer das coisas em formas simples é fazê-las mais compreensíveis, mais sentidas, e poesia é mesmo pra sentir...Belo artigo sobre Adélia Altair! Leonora me sugeriu vir aqui neste lugar! Grata sugestão!
16 de agosto de 2010 às 15:54Abraços, Keila
Mais uma vez, obrigada amigo poeta Altair, pelo convite.
16 de agosto de 2010 às 21:25Uma visita maravilhosa, momentos de conhecimento e encantamento.
Parabéns a poetisa e a oportunidade, deixo meu carinho e respeito.
Obrigada pelo convite, Altair. Parabéns pelas belas palavras com que retratou esta maravilhosa poetisa. Fico encantada pela sua grande dedicação por aquilo que faz! Ela realmente merece todo esse reconhecimento. Deixo todo meu respeito, admiração e grande carinho pela escolha dessa semana em sua coluna! Não lí o livro dela mas com certeza me deste uma ótima sugestão!
17 de agosto de 2010 às 12:55Abraços, Márcia R.B.
Sinto um contentamento em saber ,por você meu querido amigo,do novo livro de
17 de agosto de 2010 às 20:39Adélia Prado.Será mais um que vou comprar,para juntar aos tantos que já tenho
desta grande mulher brasileira.Abraços.Marli
Eu amo a simplicidade e a inteligencia de Adélia.Tenho um orgulho imenso de ser conterranea dessa poetiza absurdamente maravilhosa.Obrigada Altair pelo comentário tão digno e a altura dessa mestra.Abraço.LAI NUNES
7 de setembro de 2010 às 10:45Postar um comentário
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