quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Goeldi – o encantador das sombras

 


sem título, circa 1925, sem assinatura
xilogravura
12,5 x 12,5 cm
Coleção Hermann Kümmerly

Osvaldo Goeldi retrata a desintegração social provocada pela urbanização desordenada do Rio de
Janeiro dos anos 1930/40. “Cena urbana” exibe a agitação da cidade com seus grandes edifícios.
Fundamentalmente, suas gravuras nos falam dos desencontros e da solidão no moderno Rio de Janeiro dos
anos 1930/40. Seus homens são sempre solitários.
Muitas vezes encontram-se sozinhos na cena, por vezes abandonados à própria miséria, como o mendigo de coração vermelho, deitado diante de um enorme casario, impotente em sua condição de total abandono (sem título, circa 1937, assinada, xilogravura a cores, sem numeração, 17,3 x 21,8 cm, Coleção Ary Ferreira de Macedo). Mesmo os retratados com outros homens são sujeitos solitários que vivem na multidão - solitários noturnos a vivenciar o drama do homem moderno, que, apesar, ou justamente por causa dos avanços da tecnologia e da civilização, está fragmentado. Exemplar desse desencontro entre homem e mundo é a gravura que mostra em “primeiro plano” um guarda-chuva abandonado, a partir do qual dois sujeitos se afastam.


sem título, circa 1937
xilogravura, 25 x 24,5cm
impressão póstuma por Reis Júnior, 1976
Coleção Banco do Estado do Rio de Janeiro

Como artista de tendência expressionista, Goeldi tem como um de seus temas a pobreza e a miséria
da gente humilde que vive sob as condições precárias dos bairros pobres com suas paisagens devastadas.

sem título, circa 1950, assinada
xilogravura, sem numeração; 20,8 x 26,9cm
gravura premiada na I Bienal de São Paulo
 
 
 
 
 
 
 
 
Cenas noturnas e silenciosas sugerem a personalidade introspectiva do artista, que não deixa de experimentar sentimentos opostos e contraditórios, como o de liberdade e paz em oposição ao medo e terror. Daí a opção, em várias ocasiões, pelos urubus, e o sentimento de repulsa por eles provocado, capaz de produzir imagens instigantes e de grande tensão psicológica.
 
 
sem título, circa 1925, assinada
xilogravura
14,8 x 14,8cm
Coleção Hermann Kümmerly


 
 
 
 
"Abandono e esquecimento formam o eixo do trabalho de Goeldi; latas derrubadas, cães vadios, móveis ao relento. No entanto, pelo fato mesmo de não serem lembradas, as coisas parecem aqui ainda preservadas da mesquinhez, cheias de mistério e de potência. Aquilo que foi deixado de lado está inteiro, pronto para ser acionado, e o vento que bafeja essas gravuras quer acordar os homens, bichos, lugares, chamando-os à vida. Sua afeição, no entanto, não pode ter a solidez e clareza objetiva de quem os esqueceu. Daí o crepúsculo contínuo e sempre renovado desses trabalhos.


(...) No entanto, encantamento e suspensão caracterizam também essas gravuras e desenhos. Isso vem, creio, da intensa analogia formal entre seus elementos. Cheios são vazios, casas são ruas, urubus são guarda-chuvas, as janelas nos olham. Tudo é meio assemelhado a tudo, bafejado pelo mesmo sopro de vida, as formas ecoando discretamente umas nas outras, como se ainda não tivesse se formado de todo. Essa individuação incompleta faz grande parte da originalidade de Goeldi, e permite que as distorções expressionistas que o influenciaram abdiquem de seu desespero. O mundo de Goeldi é um mundo em suspensão, seus habitantes ainda despertam e se procuram, e se caminham para a morte o fazem solidariamente. Daí a calma de sua tristeza, onde abandono e comunhão convivem". (RAMOS, Nuno. Para Goeldi. São Paulo: AS Studio,1996. p. 17-18).


CHUVA
circa 1957, assinada
xilogravura a cores, 2/12
22 x 29,5 cm
Dia 21 de julho, o Centro Cultural Correios inaugurou a exposição , que dá partida as homenagens pelo cinquentenário da morte do artista carioca, Oswaldo Goeldi (1895-1961). A mostra, sob a curadoria de Lani Goeldi, sobrinha neta do artista, oferece ao público um amplo panorama de sua trajetória artística e pessoal. Curadora e responsável pela difusão e preservação da obra e da memória de Oswaldo Goeldi, Lani Goeldi  reforça que a exposição é uma das maiores já realizadas sobre o artista:

“O cunho desta mostra é apresentar, principalmente para as novas gerações, o trabalho e a poética de um
dos artistas mais importantes da história da arte brasileira. Nosso objetivo é expor o máximo de obras e
informações, traremos muito material inédito iconográfico e documental que está sendo catalogado e
restaurado pelo Projeto Goeldi em parceria com a Associação Oswaldo Goeldi”
Além de grande xilogravurista, desenhista e ilustrador, Goeldi era admirado por sua personalidade
marcante e sua atividade de professor. Entre seus discípulos estão Lívio Abramo, Samico, Newton
Cavalcanti, Darel Valença Lins e Anna Letycia. Foi o responsável por todo um trabalho de formação de
gravuristas em madeira no Brasil no século 20. Uma de suas discípulas, Anna Letycia, exaltava suas
qualidades em aula:

“Goeldi era um professor completo. O professor que ensina só a técnica é apenas um bom artesão. O bom
artista, que é professor, dá um pouco mais do que técnica.”
Embora tivesse um temperamento reservado, procurava estar sempre ao lado de amigos do meio artístico e
intelectual, como Iberê Camargo, Carlos Scliar, Anibal Machado, Portinari, Bandeira de Mello, Carlos
Drummond de Andrade, Di Cavalcante, etc. Era avesso a modismos e económico nas palavras. Em 1957, em entrevista a Ferreira Gullar para o Jornal do Brasil, declarou:

“(...) Fala-se muito hoje em inovações, em abrir caminhos, etc...Mas não se deve confundir experimentos
técnicos com a verdadeira inovação. Todo artista realmente criador inova, e isso porque ele amplia seus
meios técnicos na proporção de suas necessidades de expressão. Só essa inovação é legítima – a inovação
que é ditada por uma necessidade interior. Inovar por inovar não tem sentido. Sei de artistas que
passaram a vida toda inovando e não puderam fazer mais que ‘inovações’ (...)”

"Goeldi - o encantador das sombras", segundo a curadora, é a maior mostra já realizada sobre o artista e
reúne cerca de 120 obras, além de livros, ilustrações, estudos, registros e dois vídeos, um realizado
pela artista Lygia Pape e outro produzido pelo cineasta Allan Ribeiro com depoimentos de Anna Letycia,
Darel Valença Lins, Noemi Ribeiro, Rubem Grillo e Adir Botelho, alem de uma cronologia ilustrada do artista. Também será remontado seu atelier com objetos pessoais e ferramentas usadas em seu dia-a-dia.


O Centro Cultural Correios fica à Rua Visconde de Itaboraí, 20, Centro, Rio de Janeiro - RJ Tel. 2253-1580

Fernanda Lopes Torres, historiadora da arte, graduada pela ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial)
da UERJ, mestre e doutora em História pela PUC-Rio, pesquisadora de arte da Multirio (Empresa Municipal de Multimeios) escreve às quintas-feiras quinzenalmente no ContemporARTES.

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