sexta-feira, 13 de agosto de 2010

MÃO NA LUVA E TAPA DE PELICA


Isabella Lemos e Marcelo Pacífico, de São Paulo, trouxeram ao 4º FESTCAMP – Festival Nacional de Teatro de Campo Grande (MS) um instigante trabalho da obra e Vianinha, “Mão na luva”.

O público que lotava o teatro Glauce Rocha viu um exercício de encenação bastante criativo e inteligente, uma aula sobre as possibilidades épicas da cena contemporânea, a linguagem de marcação, a iluminação, a trilha sonora, o cenário que atualizam a discussão do autor sempre interessado nos dramas privados da classe média.

Aqui Vianinha escreveu a peça em 1966 e não nega seus princípios e suas coerências ideológicas e políticas, mas os coloca em segundo plano ou plano paralelo. O que interessa em “Mão na luva” é perceber como a discussão sobre o amor e a crise do masculino ainda são surpreendentes e atuais, especialmente em um escritor que fazia questão de falar para e do presente.

Estreada em janeiro de 2009 como o primeiro projeto saído do Núcleo de Estudos do TAPA, a peça comemora um ano e meio em cartaz e mais de cem apresentações. Muito bem afinados como Sílvia e Lúcio Paulo, os intérpretes paulistas analisam as fragmentações pelas quais a sociedade pós moderna e, especificamente, o individuo vem passando nesses últimos 30 anos.

Com a emergência das sociedades pós-modernas, desintegram-se, por um lado, os sistemas filosóficos tradicionais e essencialistas e perde-se, por outro, o sentido de continuidade entre passado, presente e futuro. O sujeito começa a experimentar a angústia existencial e viver uma profunda crise de identidade. Sílvia e Lúcio são arquétipos dessa sociedade, personagens incertos e inseguros, incapazes de sustentar a possibilidade de uma identidade essencial, coesa, fixa, imaculada, permanente.

Essa encenação, especialmente, concentra-se, na crise amorosa, daquilo que chamamos de “Dramaturgia de Casal”. Portanto, a crise de Sílvia e Lúcio reflete as mudanças que deslocaram as estruturas e processos centrais das sociedades pós-modernas, “abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável ao mundo social” (Hall, 1999, p.9).

Num mundo em que as possibilidades românticas, sob medida para o líquido cenário da vida moderna, surgem e desaparecem numa velocidade crescente e em volume cada vez maior, importante perceber como Vianinha, confirmando as palavras de Bauman, consegue extrair a experiência do fato e, mostrar, à luz da pós-modernidade que o amor pode ser, e freqüentemente é, tão atemorizante como a morte.

"Mão na Luva", que teve o título atribuído por Aderbal Freire Filho em 84, poucos anos após ter sido descoberta pela viúva de Vianinha, aos poucos vai sendo decifrada pelo público: a misteriosa fragilidade dos vínculos humanos, o sentimento de insegurança que ela inspira e os desejos conflitantes (estimulados por tal sentimento) de apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos.


Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.

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