segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Dos Poemas Reunidos de Geraldo Carneiro


Um Manipulador de Palavras
por Altair de Oliveira

Para o deleite de nossos leitores, trouxemos hoje alguns poemas do genial Geraldo Carneiro, mineiro radicado no Rio de Janeiro, poeta, ensaista, tradutor, dramaturgo, roteirista de cinema e TV e letrista de músicas. Enfim, um artísta contemporâneo de importância capital para o nosso país, autor que está desde o início da década de 70 compondo poemas de qualidade e que tão bem soube aproveitar os espaços da mídia moderna para viver com poesia.

Nascido em Belo Horizonte em 11 de junho de 1952, Geraldo Carneiro mudou-se para o Rio aos 3 anos de idade e iniciou seus trabalhos poéticos com a publicação de "Na Busca do Sete-Estrelo", em 1974. Desde então o poeta já publicou mais de quinze livros e, em 2002, publicou o livro "Lira dos 50 Anos" para celebrar o seu meio século no mundo. Neste nosso ano de 2010, a editora Nova Fronteira publicou seu "Poemas Reunidos de Geraldo Carneiro", reunindo escritos de mais de 36 anos de poesia, deste que é por muitos como um dos principais poetas de língua portuguesa. Culto, moderno, musical e muitíssimo bem-humorado, o poeta é um apaixonado pela poesia e pela língua portuguesa e, para o nosso bem, ele é um grande manipulador da palavra. Para aqueles que ainda não conhecem o trabalho do bardo, recomendamos fortemente a leitura deste seu livro de "Poemas Reunidos". Para todos uma grande semana e uma leitura deliciosa!



Os Poemas



aquarela dela

quem é minha saúde, minha rosa
meu jajá, meu quindim, minha overdose
quem é minha verdade, meu caô
meu tamborim, meu surdo e agogô
meu Che, meu Fidel Castro, meu palanque
meu ângelus, meu caos, meu baile funk
quem é minha orixá, minha maçã
minha odalisca de Cubanacan
quem é a minha, a minha foice
a minha Capitu, meu James Joyce
quem é minha iaiá e meu ioiô
minha Naomi Campbell de maiô
quem é minha nação iorubá
meu samba, rock'n'roll e chachachá
quem é a minha flor, a minha ave
a minha idolatrada salve, salve?
(Deus pode até ter cometido enganos,
mas em você acertou todos os planos)


Geraldo Carneiro, In: "orfeu contra odisseu"

***

recado no avião


busco em você o sol do meu sistema

eu circulando sempre ao seu redor.
busco em você o bem e o mal de amor
o sonho o carnaval e a dor maior

não sei em que sessão, em que cinema
você nasceu do mar como sereia,
desde que encarnação você passeia
na Ipanema da imaginação

só sei que é cedo sempre que te vejo
e acendo o sol de que o desejo é feito
e fico aqui pairando e percebendo
que até agora o mundo era imperfeito


Geraldo Carneiro, In: "orfeu contra odisseu"


***

quem diria

ser cético era sonho de consumo
quando eu me consumia sendo jovem,
ser joyce, guimarães ou ser vinicius
no trânsito das musas musicais,
naquele tempo ainda não sabia
que a mim só me cabia ser eu mesmo.
hoje mudei, Ulisses de mim mesmo,
procuro minha ilha em Tordesilhas,
uma sereia que me faça bem,
me faça mal, me faça quase tudo.
eu que só tinha credo dos ateus
quero que a vida voe sempre assim
no piloto automático de Deus



Geraldo Carneiro, In: "Caindo do Céu."

***

os fogos da fala


a fala aflora à flor da boca
às vezes como fogos de artifício
fulguração contra os terrores do silêncio
só espada espavento espelho
ou pedra ficção arremessada
ou canção pra cantar as graças
as virilhas as maravilhas da amada
a deusa idolatrada de amor:
essa outra voz quase jazz
que subjaz ventríloqua de si mesma


Geraldo Carneiro, In: "Folias metafísicas."


***

o solipsismo


só lida
com sua sólida
solidão


Geraldo Carneiro, In: "Novo Planglossário."

***

os anjos não têm sexo


o sexo é o guarda-chuva da felicidade
a felicidade é o guarda-chuva do sexo
o guarda-chuva é a felicidade do sexo
o sexo é a felicidade do guarda-chuva
o guarda-chuva é o sexo da felicidade
a felicidade é o sexo do guarda-chuva


Geraldo Carneiro, In: "Almanaque de Espetáculos."

***

fortuna crítica

sonhou sonhos de poder & glória
pavoneou-se: espalhou jactâncias
pensou que era um profeta angelicaos
o penacho como um sol de solidão
no céu de deuses marginais;
foi morar no palácio do Parnaso
entre líricos & burlescos
nem penthouse pra lá de suas posses:
não passava de um novo-rilke


Geraldo Carneiro, In: "Desinvenção de Orfeu."


***

Para Ler mais:
http://www.geraldocarneiro.com


***

Ilustrações: 1- foto do poeta Geraldo Carneiro; 2- capa do livro Poemas Reunidos de Geraldo Carneiro; 3- Trabalho do pintor matogrossense Adir Sodré; 4- Detalhe do quadro "Flores", de Adir Sodré.


Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul), Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).

2 comentários:

Armila disse...

Caro Altair,é realmente uma leitura deliciosa esta tua postagem.E ótima tua sugestão para a leitura de "Poemas Reunidos".Obrigada

14 de setembro de 2010 às 00:36
Fernando Righi disse...

Valeu a dica, Alta. Tais craque na garimpagem de poetas por este Brasil! Mês que vem tô parindo coisa nova. Dou notícias. Righi

17 de setembro de 2010 às 21:40

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