terça-feira, 14 de setembro de 2010

Tempestade de Poética


Aline Serzedello Vilaça.

A cidade nos espreme, quase engole, o cinza, a sujeira, a poluição, o cheiro metropolitano de não- natureza, o corre- corre, os filhos e mães do crack, o Metrô lotado, o ônibus abarrotado, as buzinas, sirenes, o corta- atravessa das motos, os assaltos, seqüestros, tudo nos hiper- sensibiliza, estressa, fragiliza.
O olhar vazio e distante dos transeuntes sempre atrasados, nos assusta. A beleza sofisticada dos grandes aranhas- céu a lá Paulista nos confunde, o cheiro do expresso nos encanta, a garoa umidamente nos permite melancolia. O Muni

cipal em reforma, nos engana esperançosos. O voltar para casa nos garante alívio em êxtase.

Ahh, Sampa!!!
[...]
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
[...]
Quando eu te encarei frente a frente
não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto o mau gosto
[...]
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso
 do avesso do avesso do avesso
[...]
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe apagando as estrelas

    
Eu vejo surgir teus poetas de campos e espaços...
Caetano Veloso
Em meio ao caos economicamente vantajoso desumano, ameaçador e tecnologicamente fantástico da megalópole, do “mau gosto”, do “mau gosto”, do “avesso”, continuei a procura...
Palavras como sensibilidade, engajamento ideológico, político, artístico, entrega de corpo e alma, devoção, paixão, desespero criativo. Tesão, doação, gentileza, maturidade cênica, e poética, pareciam cada vez mais distantes de realmente qualificar algo, nesta “hemorragia inestancável de novidades”¹ que nem mesmo às Artes perdoa. Mas mesmo assim, buscava preencher-me, encontrar estas palavras em estado concreto constituindo algo que pudesse ser apreciado...
Precisava de algo que emocionasse, precisava ver verdade, sinceridade, liberdade. Precisava esquecer por alguns minutos a realidade que pressiona, a partir de um corajoso escapismo para além do desconhecido misterioso da Arte. Precisava de momentos de entretenimento. Mas sobre tudo apreciar em alta fruição, elementos que me descem munição pra bem refletir e transformar o que nos rodeia.
Buscava inspiração para no porvir, Arte também parir...

E sem desistir, porém cansada da procura;
No dia 25 de junho de 2010, me encontro pela primeira vez no Memorial da América Latina em São Paulo, arquitetura magnífica de Oscar Niemeyer, ambiente respeitoso, digno e belo.
Encaminho-me até o teatro para acompanhar e ajudar no que fosse necessário no ensaio do Ballet Stagium que maravilhosamente às 21hrs daquele dia iria compartilhar o palco com a deslumbrante Amelita Baltar.


Mesmo certa que seria uma noite estupenda e ciente da beleza do espetáculo, por ter tido o privilégio de acompanhar os ensaios para essa remontagem. Mesmo ciente de que o Ballet Stagium² carrega em sua ideologia e práxis artística as palavras que tanto procuro, mesmo sentindo no ar que não se tratava de mais uma noite de espetáculo. Sinceramente não imaginei que o arrebatamento seria tamanho...
Eis o final Feliz...
A Grande dama do tango Amelita Baltar, cantora, argentina, ex- esposa do magnífico Astor Piazzolla se apoderou do palco com todo seu domínio, elegância, paixão, devoção visceral e seu entendimento de cada sílaba que cantava, arrepiando meu corpo, invadindo minha alma sem pedir permissão. Inundando-me de lágrimas, como eu já derramava diariamente nos ensaios, mas com a intensidade multiplicada exponencialmente...
E como se não bastasse tamanha e
xplosão de sensibilidade que acometia meu Ser, eis que surgem os bailarinos, mesmo os conhecendo e conhecendo a coreografia, fui sucumbida pelo prazer, deleite como quando somos surpreendidos...
Eram corpos entregues em movimentos de proposta e lapidação estética primorosamente planejados pelo coreógrafo Décio Otero e cuidadosamente dirigidos pelo olhar experiente e sagaz de Márika Gidali diretora do Ballet Stagium.
Os queridos Paula Perillo e Marcus Veniciu, que fizeram parte do elenco de 1996 (primeira montagem de Tangamente), Márcia

Freire, Eduardo Mascheti, Poty Ara Botzan, John Santos, Olívia Maciel, Marcos Palmeira, Camila Lacerda, Edilson Ferreira, Catherine Kodama e Rafael Carrom em agradável sintonia com a maravilhosa Amelita, proporcionaram a platéia (com 1000 lugares ocupados), momentos de verdadeira inspiração...

Sei,
Que alcancei as palavras que procurava em desespero, ao fruir a partir do desespero poético que permeia a obra, aliás, outra característica do Stagium é alcançar o status de Arte e o concreto real palpável de Obra. Desespero este que ilumina os corpos em cena e os corpos que apreciam, desespero que inundou meu rosto de lágrimas, que arrepiou meu corpo, que me deu desejo incontrolável de subir no palco e dançar/cantar também. Desespero, que preciso esclarecer que o juízo que lhe aplico não é pejorativo como pensam e categorizam aqueles que sobre- vivem sob as regras da falsa estabilidade mono- polar emocional. Pelo contrário, é o DESESPERO que me encanta no fazer, que me impulsiona, é o que dá o sabor da precisão da volúpia do realizar imediato pela necessidade...
Assim,
Ballet Stagium e Amelita Baltar, naquele dia 25 nos proporcionou, momentos de desespero entregue de alma, momentos de verdade, sinceridade, devoção, Arte, Obra, Dança, Música e POÉTICA!!!!
Agradeço a Dona Márika e Maestro Décio Otero, à Cia, e à Amelita Baltar por tamanho privilégio,
Ahhh!!! Próximo assunto "Bando de Teatro Olodum" e o ensino de história Afro- Brasileira a partir da Literatura.
Aline Serzedello Vilaça
¹ Helena Katz, O Estado de S. Paulo. 6 de Julho de 2010.
² Ballet Stagium, Cia de Dança brasileira divisora de águas na história da dança do país. Dirigida por Márika Gidali e coreografias de Décio Otero completará em 2011, 40 anos de atividades ininterruptos. Até 2009, o Stagium havia realizado 3.359 espetáculos, que foram vistos por 1.851.692 pessoas.
Confira vídeos do Espetáculo Tangamente 2010 nos endereços http://videolog.uol.com.br/video.php?id=553462 e http://www.youtube.com/watch?v=h8AuZAK_L-Y




1 comentários:

John Santos disse...

Aline...que lindo, que saudades que me deu de ti ter ao meu lado, cantando com sua voz que sai com sua alma e encanta todos, Saudades das aulas de ballet que vc junto a companhia fazia, que saudades das conversas, das risadas, e de ser chamado de john meu marido, Saudades, fiquei muito feliz por ler o que escreve sobre nossa arte, sobre a companhia onde aos trancos e brrancos consegue emocionar muitos pelo brasil a fora, onde aprendemos o que é dançar, o que é expressar e como expressar a nossa dança...Muito obrigado pelos momentos de pura alegria que proporcionou não só a mim, mais tenhu certeza que a todos da companhia, Muito Obrigado e espero poder te encontrar ainda por ai...SAUDADES....

16 de setembro de 2010 às 20:30

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