A Poesia Premiável de Antônio Barreto
O Silêncio Poético de Antônio Barreto
por Altair de Oliveira
Alguns anos atrás fui apresentado em Belo Horizonte, pelo amigo e diretor teatral mineiro Belisário Barros, à poesia de Antônio Barreto, jovem talento da poesia dos anos 70 e 80, através do livro "O Sono Provisório". O livro havia sido publicado pela editora Francisco Alves em 1978 e, um ano antes, havia ganhado o concurso nacional "Prêmio Remington de Poesia", mas na época o poeta, que era engenheiro e já havia se aventurado como artista plástico, havia arrebatado também vários outros prêmios de poesia. Consta que neste período o poeta frequentava o meio universitário e boêmio da capital mineira e era amigo de intelectuais importantes da literatura brasileira, como por exemplo os escritores Roberto Drummond e Murilo Rubião.
Ao ler o Barreto de "O Sono Provisório", pude logo constatar que se tratava de um grande poeta. Seus versos livres e contundentes tratavam o lirismo de uma forma arguta, isenta aos apelos de engajamento político e das referências residuais da poesia concreta, que eram comuns na poesia dos anos 70, o que me fez lembrar de um outro grande bardo, que também despontava na época, o paranaense Paulo Leminski. Ambos eram então vistos como grandes esperanças à poesia brasileira do futuro.
Pesquisando depois um pouco mais sobre Antônio Barreto, vi que também ele havia vencido o "Prêmio Nestlé de Literatura" na edição de 1988 com o livro "Vastafala", que na época era um dos prêmios mais importantes da poesia nacional, e lembrei-me que na ocasião eu quis adquirir o livro, que havia sido saudado com entusiasmo por poetas como Carlos Drummond, Afonso Romano de Santanna e Ledo Ivo, e que infelizmente nunca encontrei nas livrarias onde busquei. Só recentemente, vasculhando pelos sebos de Belo Horizonte, finalmente encontrei um exemplar deste livro, que na verdade parece a junção de 2 livros, "Revelações do Abismo - Livro Primeiro" e "Espantário", que fora publicado em 1988 pela editora Scipione. Enfim, outra bela obra de poesia brasileira, que já nasceu sob o signo de raridade.
A partir dos anos 90, o poeta Antônio Barreto, que havia frequentado vários suplementos literários através de seus poemas e vencido diversos prêmios importantes de literatura, ao que parece-nos abandonou de vez a poesia para se dedicar à prosa, especialmente aos trabalhos de literatura infanto-juvenil. Coincidentemente ele se afastou também dos círculos boêmios e literários, sem contudo deixar de produzir belos textos e de estar presente nas finalizações dos concursos literários em que participa. Em 2009, o seu livro de crônicas "Papagaio de Van Gogh" recebeu "mensão honrosa" no concurso Literatura para Todos, do MEC. Este título, obtido neste concurso governamental para formação de neoleitores, permitirá que seu livro seja editado e, numa tiragem de 300 mil exemplares, seja distribuído para as bibliotecas de escolas de todo o Brasil. Consta-nos que o poeta tem hoje quase 30 títulos publicados, sem contudo ter retonado à publicação de seus poemas.
Um pouco sobre o poeta Antônio Barreto
Antonio Barreto (Antonio de Pádua Barreto Carvalho) nasceu em Passos - MG, em 13 de junho de 1954, com 18 anos mudou-se para Belo Horizonte para estudar, onde cursou História (Fafi-BH), Letras (UFMG-Uemg), Desenho de Projetos (INAP/Utramig) e Engenharia Civil (UFMG-Fumec) e onde reside até os dias de hoje. Morou também em algumas cidades do Oriente Médio, onde trabalhou como projetista de Engenharia Civil, na construção de estradas, pontes e ferrovias. O poeta ganhou vários prêmios nacionais e internacionais de literatura, para obras inéditas e publicadas: poesia, conto, romance e literatura infanto-juvenil. Entre estes: Prêmio Jabuti (Câmara Brasileira do Livro - venceu três vezes e foi oito vezes indicado), Bolsa Vitae de Literatura, Prêmio Remington, Bienal Nestlé de Literatura, Prêmio Minas de Cultura, Prêmio Nacional de Contos do Paraná, Prêmio “Guimarães Rosa” de romance, Prêmio “Emílio Moura” de poesia, Prêmio “Cidade de Belo Horizonte” - poesia e contos, Prêmio “João-de-Barro” de literatura infantil e juvenil , Prêmio “Carlos Drummond de Andrade” e “Manuel Bandeira” de poesia, UBE (SP), UBE (PE), UBE(RJ); Prêmio “Henriqueta Lisboa”, Prêmio “Petrobrás” de Literatura, Prêmio Nacional de Literatura/UFMG, Prêmio Bienal do Livro de BH, Prêmio Bienal Internacional do Livro de SP, Prêmios de “Leitura Altamente Recomendável” para crianças e jovens/FNLIJ-RJ, Prêmio “Tereza Martin” de Literatura, Prêmio Internacional da Paz/Poesia (ONU), Prêmio “Ezra Jack Keats” da Unesco/Unicef (EUA), Prêmios/ Obras/Catálogo do IBBY (Unesco) e Prêmios/Obras/Catálogos Bienais Internacionais do Livro de Bratislava, Barcelona, Bolonha, Frankfurt e Cidade do México. Barreto partipou ainda de várias antologias nacionais e estrangeiras de poesia e contos. Como jornalista ele foi redator do Suplemento Literário do Minas Gerais, articulista e cronista do jornal Estado de Minas e da revista “Morada” (BH). Colaborou com textos críticos, poemas e artigos de opinião para “El Clarín” (Buenos Aires), “Ror” (Barcelona); “Zidcht” (Frankfurt), “Somam” (Bruxelas); ” : e outros periódicos. Atualmente coordena a Coleção “Para Ler o Mundo”, da Formato Editori.
Três Poemas :
PARÁVOLA
Em palavras vos digo
do pouso do pássaro
preso no muro
Em parábola vos digo
da seiva e do fruto
morto no ventre
E assim postos: apóstolos
pássaro e fruto
só me resta a semente
a ser lançada no escuro.
Poema de Antônio Barreto, in: "O Sono Provisório"
***
OS FRUTOS DA INSÔNIA
Paremos.
Não no meio do dia absoluto
quando a enorme solidão de Deus
com seus papéis
assina
com tinta azul
sobre as cabeças
petições urgentes
para a tarde começar.
Paremos.
Não no intervalo das bombas
dos motores
quando passará por entre as rodas
dentes engrenagens
a graxa vespertina das notícias
o cansaço pendular dos suicidas
e o timbre dos desastres.
Paremos, sim.
quando o poente for um fato consumado
e o preparo da noite estiver pronto
e findo
o dia do verme, o dia do gato
o animalesco
dia do Homem.
Paremos, sim,
quando a noite (flor futura)
estiver nascendo na pétala dos minutos
e o fruto da insônia for apenas um susto / ou posto
que sobre a mesa do porvir
a vertigem nos aguarda
e a todo custo nos retarda.
A todo custo paremos,
não dentro do escuro inviolável,
mas por fora do brilho das estrelas
ambulantes
na memória da pintura dependurada
num guindaste
do divã imóvel
para escutar o galo com seus traumas de infância
o galo psicanalítico
o galo neurastênico
o galo psicolinguístico
o galo em plenilúnio, não em dia claro.
Paremos.
Não na câmera escura do laboratório dos caminhos,
mas na química noturna dos jasmins
e nos sentemos sobre a noite
ao lado da maçã no escuro *
(com sua pele de fogo)
para tirar retratos da pedra.
Escutemos.
Há um verme se mexendo
dentro dela: um verme vermelho,
o verme-vida
e uma parte da maça
(a noite mordida)
guarda o sabor da boca que a beijou.
No centro do fruto
acorrentados
a fome e a sede
a água e o fogo
e um inseto que transita na fruteira
onde a imagem de um ovo o eterniza.
Paremos, portanto,
não na utopia deste instante inadiável
não na continência deste corpo fora da pele
não na estrutura deste espaço dentro de si mesmo
não na paz que é a fotossíntese da luz da fala
não no surrealismo da aranha sobre a Lua
não no naturalismo do relógio das abelhas
não na serenata inacabada desta insônia
não na paisagem da cidade estilhaçada
não no procurado pelas ruas da cidade
não na mesma estrada onde um anjo se imolou
não na solidão de quem amou e não morreu
não no manifesto do poeta transmutante
não na consciência bêbada dos amantes
não na turbulência da água em sua sede
não no vendaval das palavras mais profanas
não no gargarejo da garganta, o sal dos frutos
não na sombra da floresta, a alma errante
não no navio ancorado no poente
não no mês de Agosto, quando o morto é semiótico.
Paremos, o teorema da insônia
é um problema metafísico.
A solução está na faca dos discursos.
E a lâmina do silêncio,
parte o escuro em dois?
Uma parte * da noite está no dente,
outra parte * da treva está no osso?
E as duas metades no depois?
(Uma face de nós dentro do rosto,
outra parte no intestino grosso)
Mas se por trás da folha vem o fruto,
a morte, o dia vasto é o usufruto?
Paremos.
A digestão se fará no abismo
quando a manhã voltar com seus chocalhos
e o escuro for o claro em estado bruto.
Poema de Antônio Barreto, in: "Vastafala".
* referência ao livro de Clarice Lispector e ao poema "Traduzir-se", de Gullar.
***
POÊMIOS
Os poêmios bebem a noite inteira
e eruditos sobre a mesa
arrotam odes a Herodes
e nênias a Homero e Nero
Quando já cansados de lero-lero
e exaustos de tangar boleros
e sonâmbulos de sambar requebros
os poêmios se recolhem pelos
escuros becos alexandrinos
E assim se vão como bons meninos
a poemar
os prêmios
de seus destinos
até que a noite tire do bolso o dia
E a poemada toda em algaravia
pára no caminho pra comer bombom
onde justamente outro poêmio dorme
como a pedra enorme
de Drummond
Poema de Antônio Barreto.
***
Ilustrações: 1- foto do poeta mineiro Antônio Barreto; 2- capa do livro "O Sono Provisório"; 3- capa do livro "Vastafala"; 4- trabalho do suerrealista René Magritte.
por Altair de Oliveira
Alguns anos atrás fui apresentado em Belo Horizonte, pelo amigo e diretor teatral mineiro Belisário Barros, à poesia de Antônio Barreto, jovem talento da poesia dos anos 70 e 80, através do livro "O Sono Provisório". O livro havia sido publicado pela editora Francisco Alves em 1978 e, um ano antes, havia ganhado o concurso nacional "Prêmio Remington de Poesia", mas na época o poeta, que era engenheiro e já havia se aventurado como artista plástico, havia arrebatado também vários outros prêmios de poesia. Consta que neste período o poeta frequentava o meio universitário e boêmio da capital mineira e era amigo de intelectuais importantes da literatura brasileira, como por exemplo os escritores Roberto Drummond e Murilo Rubião.
Ao ler o Barreto de "O Sono Provisório", pude logo constatar que se tratava de um grande poeta. Seus versos livres e contundentes tratavam o lirismo de uma forma arguta, isenta aos apelos de engajamento político e das referências residuais da poesia concreta, que eram comuns na poesia dos anos 70, o que me fez lembrar de um outro grande bardo, que também despontava na época, o paranaense Paulo Leminski. Ambos eram então vistos como grandes esperanças à poesia brasileira do futuro.
Pesquisando depois um pouco mais sobre Antônio Barreto, vi que também ele havia vencido o "Prêmio Nestlé de Literatura" na edição de 1988 com o livro "Vastafala", que na época era um dos prêmios mais importantes da poesia nacional, e lembrei-me que na ocasião eu quis adquirir o livro, que havia sido saudado com entusiasmo por poetas como Carlos Drummond, Afonso Romano de Santanna e Ledo Ivo, e que infelizmente nunca encontrei nas livrarias onde busquei. Só recentemente, vasculhando pelos sebos de Belo Horizonte, finalmente encontrei um exemplar deste livro, que na verdade parece a junção de 2 livros, "Revelações do Abismo - Livro Primeiro" e "Espantário", que fora publicado em 1988 pela editora Scipione. Enfim, outra bela obra de poesia brasileira, que já nasceu sob o signo de raridade.
A partir dos anos 90, o poeta Antônio Barreto, que havia frequentado vários suplementos literários através de seus poemas e vencido diversos prêmios importantes de literatura, ao que parece-nos abandonou de vez a poesia para se dedicar à prosa, especialmente aos trabalhos de literatura infanto-juvenil. Coincidentemente ele se afastou também dos círculos boêmios e literários, sem contudo deixar de produzir belos textos e de estar presente nas finalizações dos concursos literários em que participa. Em 2009, o seu livro de crônicas "Papagaio de Van Gogh" recebeu "mensão honrosa" no concurso Literatura para Todos, do MEC. Este título, obtido neste concurso governamental para formação de neoleitores, permitirá que seu livro seja editado e, numa tiragem de 300 mil exemplares, seja distribuído para as bibliotecas de escolas de todo o Brasil. Consta-nos que o poeta tem hoje quase 30 títulos publicados, sem contudo ter retonado à publicação de seus poemas.
Um pouco sobre o poeta Antônio Barreto
Antonio Barreto (Antonio de Pádua Barreto Carvalho) nasceu em Passos - MG, em 13 de junho de 1954, com 18 anos mudou-se para Belo Horizonte para estudar, onde cursou História (Fafi-BH), Letras (UFMG-Uemg), Desenho de Projetos (INAP/Utramig) e Engenharia Civil (UFMG-Fumec) e onde reside até os dias de hoje. Morou também em algumas cidades do Oriente Médio, onde trabalhou como projetista de Engenharia Civil, na construção de estradas, pontes e ferrovias. O poeta ganhou vários prêmios nacionais e internacionais de literatura, para obras inéditas e publicadas: poesia, conto, romance e literatura infanto-juvenil. Entre estes: Prêmio Jabuti (Câmara Brasileira do Livro - venceu três vezes e foi oito vezes indicado), Bolsa Vitae de Literatura, Prêmio Remington, Bienal Nestlé de Literatura, Prêmio Minas de Cultura, Prêmio Nacional de Contos do Paraná, Prêmio “Guimarães Rosa” de romance, Prêmio “Emílio Moura” de poesia, Prêmio “Cidade de Belo Horizonte” - poesia e contos, Prêmio “João-de-Barro” de literatura infantil e juvenil , Prêmio “Carlos Drummond de Andrade” e “Manuel Bandeira” de poesia, UBE (SP), UBE (PE), UBE(RJ); Prêmio “Henriqueta Lisboa”, Prêmio “Petrobrás” de Literatura, Prêmio Nacional de Literatura/UFMG, Prêmio Bienal do Livro de BH, Prêmio Bienal Internacional do Livro de SP, Prêmios de “Leitura Altamente Recomendável” para crianças e jovens/FNLIJ-RJ, Prêmio “Tereza Martin” de Literatura, Prêmio Internacional da Paz/Poesia (ONU), Prêmio “Ezra Jack Keats” da Unesco/Unicef (EUA), Prêmios/ Obras/Catálogo do IBBY (Unesco) e Prêmios/Obras/Catálogos Bienais Internacionais do Livro de Bratislava, Barcelona, Bolonha, Frankfurt e Cidade do México. Barreto partipou ainda de várias antologias nacionais e estrangeiras de poesia e contos. Como jornalista ele foi redator do Suplemento Literário do Minas Gerais, articulista e cronista do jornal Estado de Minas e da revista “Morada” (BH). Colaborou com textos críticos, poemas e artigos de opinião para “El Clarín” (Buenos Aires), “Ror” (Barcelona); “Zidcht” (Frankfurt), “Somam” (Bruxelas); ” : e outros periódicos. Atualmente coordena a Coleção “Para Ler o Mundo”, da Formato Editori.
Três Poemas :
PARÁVOLA
Em palavras vos digo
do pouso do pássaro
preso no muro
Em parábola vos digo
da seiva e do fruto
morto no ventre
E assim postos: apóstolos
pássaro e fruto
só me resta a semente
a ser lançada no escuro.
Poema de Antônio Barreto, in: "O Sono Provisório"
***
OS FRUTOS DA INSÔNIA
Paremos.
Não no meio do dia absoluto
quando a enorme solidão de Deus
com seus papéis
assina
com tinta azul
sobre as cabeças
petições urgentes
para a tarde começar.
Paremos.
Não no intervalo das bombas
dos motores
quando passará por entre as rodas
dentes engrenagens
a graxa vespertina das notícias
o cansaço pendular dos suicidas
e o timbre dos desastres.
Paremos, sim.
quando o poente for um fato consumado
e o preparo da noite estiver pronto
e findo
o dia do verme, o dia do gato
o animalesco
dia do Homem.
Paremos, sim,
quando a noite (flor futura)
estiver nascendo na pétala dos minutos
e o fruto da insônia for apenas um susto / ou posto
que sobre a mesa do porvir
a vertigem nos aguarda
e a todo custo nos retarda.
A todo custo paremos,
não dentro do escuro inviolável,
mas por fora do brilho das estrelas
ambulantes
na memória da pintura dependurada
num guindaste
do divã imóvel
para escutar o galo com seus traumas de infância
o galo psicanalítico
o galo neurastênico
o galo psicolinguístico
o galo em plenilúnio, não em dia claro.
Paremos.
Não na câmera escura do laboratório dos caminhos,
mas na química noturna dos jasmins
e nos sentemos sobre a noite
ao lado da maçã no escuro *
(com sua pele de fogo)
para tirar retratos da pedra.
Escutemos.
Há um verme se mexendo
dentro dela: um verme vermelho,
o verme-vida
e uma parte da maça
(a noite mordida)
guarda o sabor da boca que a beijou.
No centro do fruto
acorrentados
a fome e a sede
a água e o fogo
e um inseto que transita na fruteira
onde a imagem de um ovo o eterniza.
Paremos, portanto,
não na utopia deste instante inadiável
não na continência deste corpo fora da pele
não na estrutura deste espaço dentro de si mesmo
não na paz que é a fotossíntese da luz da fala
não no surrealismo da aranha sobre a Lua
não no naturalismo do relógio das abelhas
não na serenata inacabada desta insônia
não na paisagem da cidade estilhaçada
não no procurado pelas ruas da cidade
não na mesma estrada onde um anjo se imolou
não na solidão de quem amou e não morreu
não no manifesto do poeta transmutante
não na consciência bêbada dos amantes
não na turbulência da água em sua sede
não no vendaval das palavras mais profanas
não no gargarejo da garganta, o sal dos frutos
não na sombra da floresta, a alma errante
não no navio ancorado no poente
não no mês de Agosto, quando o morto é semiótico.
Paremos, o teorema da insônia
é um problema metafísico.
A solução está na faca dos discursos.
E a lâmina do silêncio,
parte o escuro em dois?
Uma parte * da noite está no dente,
outra parte * da treva está no osso?
E as duas metades no depois?
(Uma face de nós dentro do rosto,
outra parte no intestino grosso)
Mas se por trás da folha vem o fruto,
a morte, o dia vasto é o usufruto?
Paremos.
A digestão se fará no abismo
quando a manhã voltar com seus chocalhos
e o escuro for o claro em estado bruto.
Poema de Antônio Barreto, in: "Vastafala".
* referência ao livro de Clarice Lispector e ao poema "Traduzir-se", de Gullar.
***
POÊMIOS
Os poêmios bebem a noite inteira
e eruditos sobre a mesa
arrotam odes a Herodes
e nênias a Homero e Nero
Quando já cansados de lero-lero
e exaustos de tangar boleros
e sonâmbulos de sambar requebros
os poêmios se recolhem pelos
escuros becos alexandrinos
E assim se vão como bons meninos
a poemar
os prêmios
de seus destinos
até que a noite tire do bolso o dia
E a poemada toda em algaravia
pára no caminho pra comer bombom
onde justamente outro poêmio dorme
como a pedra enorme
de Drummond
Poema de Antônio Barreto.
***
Ilustrações: 1- foto do poeta mineiro Antônio Barreto; 2- capa do livro "O Sono Provisório"; 3- capa do livro "Vastafala"; 4- trabalho do suerrealista René Magritte.
Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.
3 comentários:
Muito bom, Altair! Você tem mesmo que divulgar pessoas desse quilate!
25 de outubro de 2010 às 11:10Só pela amostra do que você colocou aqui, já dá pra dimensionar o quanto o Antônio Barreto é um excelente poeta, entre os de força maior!
Agora, seria interessante sabermos por que ele não "está na roda", ou se retirou da cena literária, seja lá o que for... Isso é curioso!! Além disso, acha-se pouquíssimo ou quase nada dele ou sobre ele na net, onde hoje em dia a gente se depara com tudo. Valeria uma entrevista como o próprio a esclarer essas questões, não?
Parabéns e grande abraço!
bem eu estudando sobre ele e queria que me desse mais informações ,obrigao.
6 de novembro de 2012 às 15:24FDP: Filho do Pai!
13 de maio de 2015 às 13:25Postar um comentário
Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.