sexta-feira, 26 de novembro de 2010

As melhores coisas do mundo, filme politicamente correto discute os preconceitos e dilemas dos adolescentes da classe média paulistana.




Nosso querido país cheio contrastes sociais, culturais e econômicos, também traz consigo uma diversidade muito grande de cineastas, cada qual defendendo idéias distintas em inúmeras órbitas existentes do planeta Brasil. Acredito que a maturidade do cinema nacional perpassa por essa questão da diversidade de gêneros e estilos autorais. Nada mais justo, levando em consideração a magnitude desse país. Possuímos cineastas como Daniel Filho, que ressalta a classe média carioca; como José Mojica Marins, com o seu trash sexual politizado; como Meirelles, gênio da publicidade; como Julio Bressane, com o seu lema: arte imita a vida, ou será mesmo ... a vida imita a arte?, e, como tantos outros que abordam temáticas diversas atingindo públicos variados. Na coluna AS HORAS da semana retrasada, falei sobre o filme Amarelo Manga, do enigmático diretor pernambucano Cláudio Assis e seu cinema visceral, filosófico e escrachado. Nesta semana, propondo um contraponto, resolvi levá-los ao universo polido e politicamente correto da paulistana, que estudou cinema na FAAP, Laís Bodanzky. Simpática, alegre e de olhar sincero, Laís teve sua estréia no cinema em 1994 com o curta Cartão Vermelho. Logo de cara, mostrou para quem e para que veio. Neste curta premiadíssimo, ela revelou seu talento para explorar questões delicadas e controversas do universo adolescente, vocação que se estenderia para outros temas também complexos e discutíveis  como a loucura, a velhice e o preconceito.
Conheci Laís em 2001 quando estava fazendo um curso de roteiro no CINUSP. O curso contemplava palestras com realizadores. Estávamos no auditório da FAU e a diretora entrou sorridente. O filme Bicho de Sete Cabeças estava em cartaz com uma boa aceitação de  público. Comentou bastante sobre Bicho, seu primeiro longa. Falou de sua forma de trabalhar com os atores, com o texto e com o público. Falou sobre Cássia Kiss e seu jeito natural de encenar, sobre o talento de Santoro e, especialmente, sobre a adaptação do romance Canto dos Malditos de Austregésilo Carrano, realizada por Luiz Bolognesi. Entramos dentro do processo criativo do filme, desde  a leitura do romance, do pensamento em transformar aquela história em filme, do contato com o autor, da adaptação do roteiro. Longo percurso do realizador que faz nascer o filme aos poucos com muita pesquisa e cuidado. Depois dessa longa etapa do roteiro vem o processo de filmagens, com a escolha do casting e laboratório dos personagens e, finalmente, passa para a fase de montagem. Tarefa árdua que exige paciência e patrocínio, pois não é algo barato. Vejam as informações do site original do filme:
Europa Investe no Cinema Brasileiro


Filme "Bicho de 7 Cabeças"
é realizado combinando leis de incentivo
com investimento estrangeiro

Bicho de 7 Cabeças foi realizado através de uma co-produção entre três produtoras brasileiras (Buriti Filmes, Dezenove Som e Imagens e Gullane Filmes), com a participação da Rio Filme Distribuidora e a Fabrica Cinema, um importante centro de produção cinematográfico italiano mantido pela Benetton. O filme ainda teve a participação financeira da RAI (Radiotelevizzione Italiana) e da Fondation Montecinemaveritá (Suíça).

Bicho de 7 Cabeças foi rodado entre fevereiro e abril de 2000 na cidade de São Paulo e finalizado de maio a outubro nos laboratórios da Cinecittá, usando para mixagem a tecnologia THX e o padrão Dolby Digital, em Roma, Itália.

Com um custo de R$ 1,5 milhão (U$ 700 mil), os recursos brasileiros foram captados através das leis de incentivo do Ministério da Cultura - Lei Audiovisual e Lei Rouanet. O investimento europeu representou aproximadamente 50% do custo de produção do filme. A distribuição do filme está sendo realizada em parceria entre a Columbia Tristar do Brasil e RioFilme.

Depois de montar o filme na Itália, Laís resolvou exibi-lo para um público fechado de jovens brasileiros, antes da estréia oficial. Para sua surpresa, os adolescentes acharam o filme um pouco lento e comprido demais. Diz ter sofrido muito de extrema angústia quando percebeu que seu filme não funcionara como deveria, foi difícil mas retornou à Itália e remontou o filme, tornado-o mais curto, rápido, retirarando praticamente uma personagem, a namorada de Neto (Santoro).


O histórico de Laís nos revela uma cineasta apaixonada pelo que faz. Um grande exemplo disso é o projeto Cine Mambembe, iniciado em 1996, com apóio da Kodak e Funarte. Ela e  Luiz Bolognesi, saíram por aí, literalmente, exibindo filmes de curta metragens de colegas da FAAP e da ECA, primeiramente em comunidades e escolas públicas e logo depois no sul da Bahia, interior de Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Maranhão e Pará. O percurso foi  aumentando até chegar no interior do Norte e Nordeste do país, onde contava com a parceria do projeto Comunidade Solidária. Essas viagens renderam-lhes um documentário premiadíssimo: “Cinema Mambembe, o cinema descobre o Brasil (1999), que nada mais é do que a experiência bem sucedida do Cine Mambembe, recontada na tela.
A coisa cresceu e em 2005 a dupla criou o Cine Tela Brasil, projeto Itinerante de exibição gratuita de filmes nacionais em cidades dos estados brasileiros de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Em 1996 era um carro com um tímido projetor de 16 mmm, agora é um caminhão que leva pelo país afora uma grande tenda de 13m x 15m onde são instaladas 225 cadeiras, equipamento profissional de projeção 35mm, tela de 7m x 3m, som estéreo surround e ar condicionado. Toda essa estrutura é montada e desmontada em cada cidade para a exibição de filmes nacionais sem censura, ela diz que sempre haverá crianças no recinto portanto os filmes precisam ser bem escolhidos. Há em média de quatro sessões diárias de cinema e em geral a projeção acontece em praças públicas ou parques, ou seja, lugares públicos e ao ar livre. Até final de julho de 2007, o projeto havia visitado 111 cidades, promovendo 1.355 sessões, e abrangendo um público de mais de 260 mil pessoas.
Essa necessidade de se comunicar com o público de forma direta, fez com que Laís estivesse sempre próxima, presente e inteira nas suas filmagens. Tanto em  o Bicho, Chega de Saudade,  ou em As melhores Coisas do Mundo, Laís parece reviver conceitos do neo-realismo italiano, valorizando o discurso direto, realístico com personagens representando eles mesmos.


Quando assisti Chega de Saudade ficou claro para mim que os mais maduros também necessitam de carinho, sexo, afeto, diversão e que sofrem quando não conseguem ter uma vida social. O legal é que Laís conseguiu uma casa noturna, União Fraterna, na Lapa,  para locação das filmagens. Lá o tempo passou devagar, se transformou em palco de conflitos vividos em histórias paralelas que se entrelaçam. É o lugar do baile, “a balada” que costura e carrega o tempo do filme. As personagens vão desde uma mulher mau amada, Rita (Clarice Abujamra), que vai ao baile para “pegar” o argentino Hugo (Raul Bordale), até um casal em que a esposa Alice (Tônia Carrera) começa a apresentar seus primeiros sinais de mal de Alzheimer.

As Melhores Coisas do Mundo
No filme As melhores coisas do mundo Laís correu a largos passos do folhetim  Malhação, da Rede Globo, para alçar vôos mais altos e significativos ao retratar adolescentes mais reais, com problemas paupáveis. Assim resolveu ir atrás de Heloisa Prieto e Gilberto Dimenstein para fazer uma adaptação fílmica em torno do personagem Mano, da série Cidadão-Aprendiz. 



Outro fato relevante para o filme e que o faz parecer um estilo novo de neo-realismo italiano, foi buscar os atores adolescentes em grupos de discussão formados com alunos de  escolas particulares de São Paulo. Essa feita rendeu-lhe boas novidades, como a do protagonista Mano, interpretado por Francisco Miguel, Carol (Gabriela Rocha) e Deco (Gabriel Illanes). Fiuk, emprestado da Malhação, faz Pedro, um adolescente apaixonado e frágil,  não muito diferente do proprio Fiuk. Para elevar o elenco, artistas de peso entraram para compor o casting: Denise Fraga, Zé Carlos Machado. É interessante ver que enfim Paulo Vilhena e Caio Blat viraram “tios” e estão bem interessantes nos papéis de: professor porra louca de violão e professor modernoso do colégio. Difícil falar da classe média paulistana composta de algumas pessoas "enjoadas", alguns “reaças” a la Luis Felipe Pondé, outros “felizes” e otimistas (hipócritas) como Poliana, ainda mais para Laís que é uma paulistana de classe média e que estudou na FAAP. Mas a astuta cineasta soube dar seu pulo do gato, ou melhor, da gata, e fez um filme sincero, profundo, divertido e que retrata o universo conturbado dos adolescentes com suas descobertas, inquietudes e preconceitos. Fala sobre bullyng, homossexualismo, liberdade de expressão, amor e principalmente de como as relações familiares afetam os adolescentes. É um filme para ver e pensar a respeito dos nossos valores e de como eles são sustentados nos nossos filhos.
As Melhores Coisas do Mundo é uma ótima opção para esse final de semana. Ah, aproveitem, já que irão à locadora, peguem também, Bicho de 7 Cabeças e Chega de Saudade. Assistam aos filmes, prestigiem o cinema brasileiro.
Bons filmes!


Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega

1 comentários:

Gota disse...

Eu fiz o curso de roteiro no CINUSP e vi a Laís também.

Engraçado o enfoque dessa matéria na persistência e na vontade, além da qualidade dos filmes dessa provavelmente senhora que muito se parece com uma senhorita - pelo seu humor, leveza e conflitos - a Laís manteve o contato com seu lado adolescente até hoje.

Essa temática adolescente e de batalha lembra bastante meu momento quando eu vi a Laís - estava no ano de prestar vestibular para Audiovisual na USP, empolgadíssima com todo o curso de roteiro (que não foi muito interessante para mim, por sinal) e só esperando para entrar na faculdade e aproveitar o mundo do cinema, principalmente.

O interessante é que mesmo diante de todo o meu esforço, estudo e interesse eu reprovei na prova específica do audiovisual - fato que até hoje ainda me causa raiva e um pouco de desgosto pela ECA (claro que eu tenho certeza que quem me avaliou estava errado em não me classificar, por muitos e muitos motivos que não vem ao caso), mas o fato é, desisti de tudo e fui estudar computação (ciência da computação).

O ponto que quero chegar é, um cineasta brasileiro precisa ser forte, insistente - tem que bater com a cara no muro 1000 vezes e continuar, tentar até muito além do que ele possa conseguir. A Laís, apesar do seu jeito meigo e tranquilo tem essa característica e a compartilha com grande parte dos cineastas brasileiros. Eles tem o dom de continuar a despeito de qualquer problema - essa é uma tarefa infinitamente difícil que a maioria dos mortais não pode alcançar. Só isso já os tornam especiais!

29 de novembro de 2010 às 11:38

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