sábado, 6 de novembro de 2010

Literatura angolana e alteridade: uma reflexão


Queridos Leitores, hoje, resolvi compartilhar com vocês um pouco das minhas recentes descobertas sobre a Literatura Angolana, mais especificamente, no período pré-independência.

Para aqueles que não sabem m uito acerca da História de Angola, é importante ressaltar que este país foi colônia portuguesa até 1975. Como caracteriza o processo de colonização, a terra foi explorada, o povo escravizado. A repressão era uma forma bastante utilizada pelo colonizador. Diante desse quadro, a população – não só de Angola, como das demais ex-colônias portuguesas em África, como Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique, em 1961 – se revoltou contra o colonialismo e ,em 1961, teve início a Guerra Colonial que durou até 1974.

Antes mesmo do início da guerra pela libertação angolana, já havia pessoas descontentes com o colonialismo. Pessoas estas que sonhavam com a liberdade, que desejavam a igualdade, que não queriam mais se sentir estrangeiras em sua própria terra. Dentre estas, muitos escritores, que, através das palavras, davam voz aos sonhos de tantos e tantos outros angolanos. Há um poema, com o qual desejo exemplificar algumas destas postulações, chamado “As africanas” de Cordeiro da Matta:

As africanas (1884)
(Ao capitão J. J. Ornelas)

Quando outro tempo
vi retratadas
gentis, mimosas
e delicadas
as formosuras de brancas cores –
todas primores,
filhas da Europa;
pensava então
que nestes climas
jamais havia
belezas primas,
que as africanas
eram horrendas
e muito feias,
sem terem prendas
que maravilhem!

Foi ilusão;
que este torrão
também possui
magas belezas, que se não são –
como as francesas –
tão provocantes
e encantadores
são mui galantes
e sedutoras.

Embora negras,
elas dão gozos –
como outras dão –
apetitosos.

São amorosas.
Seus corações
ateiam fogos
de mil vulcões.

Sob aspecto
enegrecido
que fino ouro anda escondido!

Agora tenho
credo profundo
de haver belezas
em todo mundo.

Esse poema de 1884, tempo bem anterior à revolução, no qual Portugal explorava incessantemente a terra africana, já emergia entre os africanos uma noção de que não eram inferiores aos brancos. Em “As africanas”, qualquer possível comparação que relegue aos negros um lugar inferior em relação aos brancos é questionada.

Para mim, apesar de no trecho “Embora negras,/ elas dão gozos”, eu perceber uma certa carga de preconceito, podemos entender este poema como uma metáfora da contestação e da autoafirmação da negritude. Este poema, elaborado por um negro, tem como um eu-lírico um negro que diz perceber que, apesar do que dizem sobre a superioridade da mulher branca em relação à negra, ele não observa esse aspecto superior. Como observei em outros poemas – que não transcreverei aqui, para que o texto não fique extenso em demasia – surge uma percepção de que a mulher branca é muito frágil, quase intocável, enquanto a negra é forte, vai à luta, não tem medo de enfrentar os problemas da vida e da terra.



Por um lado, observamos uma nítida contestação da ideia de superioridade branca, enquanto por outro há a autoafirmação da alteridade do negro através do reconhecimento de seu valor, da percepção de que é digno de respeito e de que sua cor não o torna inferior a ninguém e a nada, pelo contrário, é uma cor digna de admiração, por causa de toda beleza que carrega consigo.

Outros autores e outras obras também são importantes para reconhecimento e afirmação da alteridade do ser humano negro africano, que foi, por muitos anos, explorado e subjugado. A literatura em África, como em muitos outros lugares, foi e é um meio através do qual surgem denúncias de problemas, busca de igualdade e principalmente exigência de respeito, que TODOS merecem.

A luta em África ainda não terminou. Muitas pessoas continuam a buscar respeito e melhorias sócioeconômicas para as terras africanas das quais durante séculos foram retiradas tantas e tantas riquezas.






Rodrigo C. M. Machado é Graduando em Letras pela Universidade Federal de Viçosa e, neste momento, pesquisa a representação dos corpos na poesia de António Botto. 

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