segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Poeta CAIRO TRINDADE


A Poesia Falada de Cairo Trindade
por Altair de Oliveira

É com grande prazer que reiniciamos a nossa coluna "Poesia Comovida", pelo segundo ano, para apresentar aos nossos nobres leitores o grande poeta Cairo Trindade, gaucho radicado no Rio de Janeiro desde o final da década de 60, onde ele tem feito a vida literalmente com poesia, tornando a cidade maravilhosa ainda mais maravilhosa, apesar de tudo.

Conhecia superficialmente a poesia do Cairo, que já me era bastante simpática, mas tive a oportunidade de assisti-lo em uma de suas declamações no evento "Corujão da Poesia - do Leblon", de nosso amigo João Luís, e pude constatar aí porque os seus pupilos o apresentam como "mestre": trata-se de um artista de grande erudição mas que expressa-se com a simplicidade necessária para proporcionar o milagre da poesia às pessoas comuns, estabelecendo com elas um diálogo quase que de encantamento. Dizem que a poesia, quando falada, adquire asas que a possibilitam pousar nos corações mais cautos, ouvir às declamações do poeta nos faz realmente acreditar nisto.

Contemporâneo do movimento hippie e da poesia marginal, da qual foi ativista, Cairo sempre foi um apaixonado da arte da palavra e que acreditou máxima de que "a arte deve ser levada a onde o povo está" para que ela pudesse ser sentida e ter sentido. Investiu sua vida no estudo e na prática poética e, no início da década de 90, Cairo fundou a "Oficina Literária Cairo Trindade" na na Ladeira dos Tabajaras em Copacabana, onde desde então ele tem compartilhado de seus conhecimentos estéticos com pessoas que possuem pretensões poéticas, auxiliando-lhes no desenvolvimento da criatividade para a composição do texto e na expressão da idéia poética. Importantes poetas cariocas, e também de fora do Rio, passaram por lá. Veja ao vídeo "Papopoetico 22", onde o poeta e ator Eduardo Tornaghi fala de sua experiência na oficina de poesia do Cairo: http://www.youtube.com/watch?v=_TN_lh-lKrU Denisis

Apesar de ser hoje um dos grandes poetas da poesia brasileira e quase um mito da contracultura (o poeta teria sido o intérprete de Janis Joplin, quando a diva do rock esteve no Brasil), Cairo Trindade é um artista bastante simpático e prestativo, muito embora ele nos tenha negado gentilmente ao pedido de uma entrevista. Por isto, tivemos a ousadia, de buscar na internet algumas de suas falas, bastante esclarecedoras sobre o poeta e seu trabalho, que ele havia respondido durante um forum denominado "Bate-Papo com Cairo Trindade" num site e que, a seguir, compartilhamos com vocês.



Afanadas Falas de Cairo Trindade.


O poeta fala de si:


"Comecei muito cedo. Minha casa era pobre, mas todos tinham algum tipo de relação com a poesia. Lembro q minha irmã fazia sonetos e poemas românticos e parnasianos. Hoje me parecem ridículos, mas eu adorava. (rs) e o q é pior: tentava imitar! (rsrsrs) e os meus primeiros poemas tinham muito “pranto”, “solidão”, terror”, “sangue”, “miséria”, “morte”. Eram metidos a sérios. Apoteóticos & apocalípticos. No ginásio, comecei a fazer jogral e conheci fernando pessoa e os modernistas brasileiros. Foi uma revolução na minha cabeça. A partir daí, eu quis saber de tudo. Até que conheci o o poema concreto. Quando vim pro Rio, em 68, deslanchei. Passei a fazer happenings com meus amigos hippies, conheci a poesia visual e passei a fazer teatro. Fui juntando as duas coisas até que, no final dos anos 70, encontrei os poetas performáticos e criei a “gang”. Foi aí que virei militante e ativista. Queria botar a poesia em pé, fazer poesia viva, e trazê-la para junto do povo. Nos anos 80, estava decidido: seria esta a minha vida: poesia, poesia, poesia. Na década de 90, decidi me aperfeiçoar na técnica, abri a oficina e me profundei no conto e na crônica. Estudei o romance e a novela. Depois, estudei letra de música, roteiro de cinema, já conhecia a dramaturgia do tempo de teatro, e descobri que a palavra é o meu barato. Hoje eu sou poeta. e um dia, eu viro poesia."


Sobre escrever e sobre a Oficina de Poesia:

"Em 94, alguns amigos me incentivaram a abrir a oficina. desde a escola, meus colegas sempre me pediam pra analisar e corrigir as redações deles antes de entregarem aos professores. Sempre gostei de gramática, minha mãe era revisora, líamos muito, e eu era bom aluno de português. dDpois meus amigos, sempre que escreviam letras de música, poemas ou cartas pra namorada me mostravam, e eu dava meus pitacos, uma guaribada aqui e ali, e eles sempre se davam bem. Só que eu, pra me sentir honesto comigo mesmo, explicava as mudanças, ensinava macetes, sugeria detalhes, discutíamos tudo e, no final, eles apreendiam um pouco mais a gostar de escrever. alguns viraram poetas, escritores. no mínimo, viraram bons leitores e aprenderam a gostar da nossa língua - uma das mais belas de todas.
Assim eu conduzo a oficina, há quinze anos. criei um método e dou uma teoria ligada à prática, uma teoria que estimula a parir & criar. os textos são discutidos minuciosamente com cada autor. Acompanho cada um até o lançamento de um livro. Com uma pequena editora, posso dar total assessoria a cada um. e este é o objetivo da oficina. "


Sobre de onde vem ou nasce o poema:


"É triste, mas eu não vejo poesia em tudo. Quem me dera, querido. As diversas atividades me fazem assumir personas & posturas diferentes. O poeta vive me assediando e me torturando. Mas eu não consigo transformar qualquer coisa em poema, qualquer tema em poesia. Manoel de Barros é o rei disso. Adélia Prado, a rainha. como não sou uma coisa nem outra, nem tento transformar coisas impossíveis em poesia. Acho que só o ‘pentelho’, em “caso perdido”. Na maioria das vezes esses poemas vão pro lixo ou nem vão pro papel. Vejo muita poesia nas pessoas, mas raramente faço poema para alguém, como Bandeira fez pro Drummond, Quintana pra Cecília. também não sei fazer poemas de amor. Faço eróticos; românticos, não. Alguns demoram anos pra ficarem prontos. Alguns nunca vão ficar. A poesia não vem fácil pra mim. É muito trabalho. Faço, mais ou menos, uns dez poemas por ano. Desses, só alguns eu aprovo.É difícil. Poesia é um toque perfeito em cima de algo ou alguém ou algum momento singular. Um poema é algo que tem vida, pulsa, brilha, ressoa. Um objeto único, necessário no mundo. A cobrança é cruel, então escrevo pouco. E mostro pros amigos antes de publicar. Meu olhar sobre tudo é de curiosidade ou perplexidade, encanto ou espanto, afeto ou desprezo."


Sobre os anos 60/70 e a ditadura:


"Eu era muito jovem quando me deparei com a ditadura. Comecei a fazer política estudantil e acabei sendo expulso do colégio. Como já gostava de arte, passei a fazer arte engajada. vim pro Rio em 68, entrei pra universidade e logo fui chamado pra fazer teatro. Então, vivendo mais na esbórnia do que na academia, conheci os hippies e a filosofia do desbunde. Como sempre fui libertário, tipo “lovelove notwar!”, vivi o lado maravilhoso do underground. Mas os rebeldes sempre sofreram, e mais ainda durante as ditaduras. Por um lado, politicamente consciente, eu me sentia marginalizado, quase sempre censurado; por outro, legítimo sangue anarquista, me entreguei à libertação pelo sexo, drogas e rock n’roll, à vida alternativa, à utopia.
Realmente, para mim, que sempre fui um militantedequalquercausa e um curtidor da vida e da poesia, o terrível & o fascinante conviviam e me piravam. o sonho não acabou comigo. Eu continuo na estrada, e o mundo ainda me parece terrível e fascinante."


O poeta Cairo Trindade, por ele mesmo:



Gaúcho de Copacabana, estudou Direito e Comunicação. Em 74, lança o livro Poetastro, publicado em pequena tiragem, e faz performances poéticas pelas ruas e centros culturais do Rio. Em 80, cria a Gang, primeiro grupo de poetas performáticos do pais, e publica o livro Saca na geral. Em 81, organiza e lança a Antologia do Poema Pornô, Editora Trote, e, em 84, a Antolorgia, Editora Codecri. Em 85, cria, com Denizis, A Dupla do Prazer, que, em 87, lança a poesia contemporrrânea, na Academia Brasileira de Letras. Em 90, publica o livro, Liberatura, edição independente. Em 93, inaugura a Oficina de Criação Literária, em Copacabana, que funciona até hoje, sempre lançando uma antologia a cada ano com textos de seus discípulos. Desde 97, participa do Livro da Tribo, agenda poética de São Paulo, veiculada nacionalmente. Em 2001, editou Poematemagia, pela Editora Contemporânea, e obtém o primeiro lugar, pelo júri popular, no concurso Panorama da Palavra, com o poema Enigma. Em 2004, recebe o Prêmio D. Quixote, pelo jornal O Capital, de Aracaju. Em 2007, o Prêmio Expressão Cultural, pelo conjunto da obra e, em 2008, seu poema Celebração, filmado por Luiz Fernando Prôa, ganha o primeiro lugar no júri popular e o terceiro, pelo júri oficial da FliPorto, em Porto de Galinhas. No mesmo ano, é eleito o Poeta Cara do Rio, promovido pela UniVerso, e, em 2009, é escolhido o Poeta Destaque no Concurso Poemas à Flor da Pele, âmbito nacional, ambos em votação pela internet. No momento, dirige o evento Cabaré da Poesia, onde apresenta os melhores poetas, músicos cantores e atores da cena carioca, e prepara o lançamento de seu próximo livro, "Poyzia, que porra é essa?", em março próximo, no dia de encerramento da IV Semana da Poesia.


Quatro Poemas de Cairo Trindade:


FODÁSTICA

(pra denizis)


não acredito em cegonha,

papai noel, duende, ano novo.

não acredito em políticos,

em reis, nas leis, nos mitos.

creio em ti, porque em ti me vejo

e me encontro comigo mesmo.

e só assim creio em mim,

pois em mim não minto

o que sinto por ti quando te vejo,

quando te abraço, quando te beijo.


***

MEMORABILIA

(edição de lembranças, montagem de sonhos)



guardam-se, em memorandos, os quês, os quens & os quandos.

entre flashes perdidos no tempo, desenha-se incerto esboço:

sombras, sonhos, rostos, nomes, toques, gostos.

recriam-se algumas cenas, carrega-se nas tintas,

apagam-se alguns traços, ganham vida personagens.

vestem-se as imagens, engendrando gestos

possíveis na engrenagem. congelam-se momentos

e se auscultam cérebro, coração & células.

depois de alguns tantos zoons, abre-se o foco ao máximo,

e se deixa ir o pensamento, em liberdade,

por improváveis cenários, até alçar voo nas asas do imaginário.

checam-se todos os dados: consultam-se agendas antigas,

velhos álbuns de retrato, cartas extraviadas, vídeos,

vestígios velados nos desvãos do inconsciente.

e enfim se revela, quadro a quadro,

o abismo entre memória & passado.

***

ENIGMA


sou este ponto de espanto
no entra-e-sai – no vai-e-vem
metade de mim é quando
a outra metade é quem

parte em mim é desespero
outra parte desencanto
só sei ser múltiplo inteiro
quando eu amo – quando eu canto

tento juntar os pedaços
passos, pessoas, passado
não sei onde estão meus rastros
meu retrato mais exato

entre estes cacos e restos
nem perfil nem biografia
se me perdi nos meus versos
um dia viro poesia


***

MIRAGEM


não fossem os quases
eu teria encontrado
o meu oásis


***


O que já disseram dele:


"Cairo consegue captar a alma feminina, como Chico Buarque de Hollanda." - a poeta Olga Savary.

"coisa espantosa: / nos versos de cairo / a língua portugoza." - o poeta Carlito Azevedo.

"A poesia de Cairo Trindade é uma fusão entre o rigor estético, a liberdade criativa e a ousadia política. Essa trindade de técnica, inventividade e coragem desobediente está unificada em seus poemas com a mais pura "simplicidade". - Eduardo Guerreiro.



Para ouvir e ler poemas de Cairo Trindade:


O poema "Enigma": http://www.youtube.com/watch?v=aHXcxdhYdZI
O poema "Celebração do Instante": http://www.youtube.com/watch?v=4uU0vLFSFc4&feature=related
Ver o site do poeta: http://www.cairotrindade.com
Para ler poemas: http://dezpoemas.blogspot.com/2009_06_01_archive.html


Ilustrações: 1- o poeta Cairo Trindade, declamando no Leblon; 2- o poeta Cairo e sua esposa Denizis Trindade; 3- detalhe do trabalho "O Abraço", de Gustave Klimt; 4- trabalho da pintora brasileira Maria Leontina.



Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.

12 comentários:

Leonora disse...

Interessante conhecer mais um passo a passo da ‘geração espontânea’ de um verdadeiro poeta! Os detalhes, os estímulos, a construção e também os bastidores e a batalha dos poetas pra se manterem poetas... Saber do esmero com o acabamento das poesias, que ao serem lidas não faz supor a quem lê que houve ali um trabalho similar ao de um entalhador ou escultor de poemas... Isso é se manifestar com “sprezzatura”, deixar o leitor só com as delícias!

Obrigada, Altair, por nos apresentar mais essa figura e poeta que é o Cairo Trindade! Seu texto e escolhas dos conteúdos para apresentação dele foram muito felizes! Mas também, um poeta falando de outro só podia dar em coisa boa, né? ;-)

Grande abraço!

7 de fevereiro de 2011 às 14:20
Débora disse...

Maravilhosa toda a matéria, bem como os poemas escolhidos para compô-la, parabéns Altair!

Um beijo.

7 de fevereiro de 2011 às 22:09
Marcia Zeponi disse...

Muito rico essa materia !!! parabéns Altair


bjoka

Marcia Zeponi

7 de fevereiro de 2011 às 23:15
Marisa Vieira disse...

Parabéns Altair, você enriqueceu demais a Revista com essa entrevista (sem querer rimar)!
Cairo Trindade é um poeta singular, genial de uma agilidade com a palavra que realmente o torna Mestre, muito bom conhecer um pouco mais de sua história!
Me sinto privilegiada em ter por perto tão nobre pessoa!

beijo da Marisa e sucesso!

8 de fevereiro de 2011 às 01:05
Unknown disse...

Parabéns amigo Poeta Altair! Ninguem melhor que você para
sintetizar com tanta grandeza a poesia de Cairo Trindade.
Te desejo todo sucesso do mundo!!

Grande beijo

Maristela Paiva

Rio de Janeiro 08/02/2011

8 de fevereiro de 2011 às 10:09
Graça Carpes disse...

"MIRAGEM
não fossem os quases
eu teria encontrado
o meu oásis"
Isso é a alma de Cairo Trindade...Adoro!

Parabéns, Altair... Belo trabalho!
Bjo :)

http://pulsarpoetico.zip.net

8 de fevereiro de 2011 às 13:56
translux disse...

Bacana e ver tua paixao teu entender...
melhor ainda se apaixonar e continuar coerente.coisas dignas de uma
alma nobre como e a sua ,muito boa materia!
beijos e parabens.

Sua miguxa Rosangela

8 de fevereiro de 2011 às 17:17
Saudade... disse...

Gostei muito de conhecer e saber um pouco mais de Cairo Trindade pela visão do meu amigo Altair...ah, adorei os poemas que selecionou e postou aqui...bom demais!
Beijooo

10 de fevereiro de 2011 às 16:11
Armila disse...

Querido amigo,sempre nos presenteando com coisas interessantes.Realmente não
conhecia Cairo Trindade.Bem,agora já conheço e gosto.Obrigada pelo presente!

13 de fevereiro de 2011 às 03:07
Angel disse...

Altair querido, obrigada por me apresentar a pessoa de Cairo Trindade, senti firmeza nele e no seu trabalho. Parabéns pela matéria. bj da angel ;)

13 de fevereiro de 2011 às 09:09
Cairo Trindade disse...

Que maravilha! Adorei os comentários: inteligentes e simpáticos. Vou responder a todos. Sem pressa, tudo bem?
Gracias, Altair, por tudo isso! A poesia brasileira contemporânea está de parabéns por seu trabalho jornalístico de alto nível!

15 de fevereiro de 2011 às 15:01
Anônimo disse...

Descanse em paz Cairo.
Enfim... agora és poesia!

25 de dezembro de 2019 às 13:18

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