sábado, 28 de maio de 2011

A emancipação da mulher na e através da Arte



Esta semana participei de um simpósio de literatura, no qual assisti comunicações que tratavam da questão do feminino, da mulher enquanto ser social que se expressa através da Arte e que também por meio das representações artísticas se emancipa. Posso dizer que duas comunicações me tocaram neste evento e inspiraram-me nesta matéria: a primeira delas diz respeito a como algumas personagens femininas, na literatura brasileira, decidiram guiar suas próprias vidas sem ter um homem a quem “obedecer”. Como é caso de Gabriela em Gabriela, Cravo e Canela de Jorge Amado.


Gabriela possuía autonomia em relação à escolha de seus parceiros sexuais, de suas amizades, de como reger sua própria vida. Entretanto, ao receber a proposta de casamento e casar-se, esta personagem se vê privada da liberdade que antes possuía. Por exemplo, após o casamento, ela não poderia mais andar descalça como gostava, porque o marido e a sociedade condenavam uma mulher casada que tivesse certos desleixos. De alguma forma, a personagem se viu privada de suas liberdades, das maneiras que decidira viver e ser feliz, por esse motivo, ela deixa o marido e volta a viver como julgava melhor. Isso nos mostra uma mulher que emancipa-se quanto a sociedade patriarcalista, na qual mulheres deveriam se submeter aos desejos das figuras masculinas de sua família, bem como da sociedade em geral.

A segunda comunicação, que deixou-me bastante instigado a conhecer mais a fundo a obra de duas mulheres, dizia respeito à maneira como estas figuras femininas representavam a si mesmas na Arte. No caso, as artistas selecionadas foram a mexicana Frida Kahlo, exímia pintora reconhecida em todo mundo, e a poeta portuguesa Florbela Espanca, conhecida por seus poemas pessimistas em relação ao mundo, à vida e ao amor.

As pinturas de Frida representam a maneira como a mulher Frida Kahlo via-se a si mesma. Ela iniciou-se na pintura após ser atropelada por um bonde e ficar na cama por muitos meses. Sobre ela foi colocado um espelho, a fim de que se visse, o que proporcionou que ela pintasse a imagem refletida em frente a si e em sua mente. Depois da recuperação, Frida conheceu e posteriormente se casou com o famoso muralista Diego Rivera. Este casamento conturbado, lhe deu muitas alegrias inerents ao amor, mas também muita tristeza, principalmente, em relação as inúmeros casos extraconjugais de Diego. Um destes casos, em espacieal, a marcou,pelo fato de seu marido a trair com sua própria irmã:

Frida descobre que Rivera mantinha um relacionamento com sua irmã mais nova, Cristina, a muitos anos, o que [a] revoltou. Ela os flagra na cama e num ato de fúria corta todo o seu cabelo, que era bem grande, de frente ao espelho. Ela fez isso pois seu amor era tão grande por ele e tomou tanta raiva do marido que não conseguiu se vingar atacando ele e sim atacando a si mesma[1].

Neste momento delicado de sua vida, Frida pintou-se vestida com um terno gravata, com cabelos curtos e com suas famosas tranças cortadas e caídas pelo chão.
 
Essa imagem, altamente significativa, a meu ver, revela-nos uma mulher decidida a emancipar-se frente à sociedade e ao marido. Se aos homens era dado certo poder em relação à mulher, ela demonstra que a partir daquele momento era ela própria quem tomaria as rédeas de seu destino. Sabe-se que Frida teve casos extraconjugais com mulheres – o marido aceitava abertamente os relacionamentos de Frida com mulheres, mas não admitia que ela mantivesse casos com homens - e um com o russo Leon Trotsk, um dos líderes da Revolução Russa de 1917, que entre 1937 e 1939 viveu na casa da pintora em Coyoacán. 

A vida de Frida Kahlo reflete a menira como ela guiava a si mesma. Apesar de amar perdidamente Diego Rivera, ela quem decidia seu destino, seus amores, e essa liberdade por ela conquistada é também refletida em seus quadros nos quais pinta o mundo a partir de sua visão, retrata a si própria como se via, exterioriza os sentimentos que possuia latentes.

Quanto à poeta Florbela Espanca, sabe-se que ela possuía certo domínio sobre suas próprias ações, uma vez que numa sociedade machista, patriarcalista e preconceituosa, como a portuguesa de finais do século XIX e início do XX, não era dado à mulher o poder de gerir sua vida. Ela não obteve sucesso em seu primeiro casamento e após o fim deste foi para Lisboa estudar direito na Universidade de Lisboa (foi uma das primeiras mulheres em Portugal a freqüentar o curso secundário e a faculdade de direito[2]). Casou-se mais duas vezes e divorciou-se. Teve casamentos infelizes, amores frustrados, uma vida marcada pela busca e não encontro da felicidade. Isso é refletido por ela nos poemas que compôs. 

Ela foi uma mulher tão contestadora da ordem vigente, ao divorciar-se, casar-se novamente, fazer um curso superior, que de acordo com Laury Maciel[3] (2008) houve muitas campanhas difamatórias acerca da poeta. Este estudioso mostra-nos que até mesmo a tese de suicídio, levantada após a morte de Florbela, pode ser algo difamatório. Isso, por que:



Há um testemunho decisivo, definitivo (colhido pelo citado Antônio Freire), sobre o assunto, que, a nosso ver, encerra o assunto: é o do padre Nuno Sanches, de Matosinhos, e que diz o seguinte: Como sacerdote católico, sei que o que a igreja estabelece para os suicidas; como coadjutor da paróquia (de Matosinhos), no cemitério da qual foi inumada a poetisa Florbela Espanca, sei que o seu enterro foi feito religiosamente, assim como o fora antes o seu casamento. Para o enterro religioso não foi pedida nenhuma dispensa ou autorização especial às autoridades eclesiásticas, o que exclui, portanto, essa tal hipótese, que tenho por caluniosa e tanto mais reprovável quando se trata de alguém que não pode defender-se (MACIEL, 2008, p. 10).

Pela história de vida, como também devido à poesia carregada de erotismo, feminilidade e certo tom confessional, Florbela Espanca é considerada a figura feminina mais importante da Literatura Portuguesa (MACIEL, 2008, p. 11). Para conhecer a poesia desta importante poeta, nos debrucemos sobre “Ser Poeta”:
Ser Poeta[4]

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor.

É ter fome, é ter sede de infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda gente.

O poema florbeliano, retrata minimamente a sensualidade e erotismo “Morder como quem beija!, como também um tom confessional “É ter de mil desejos o esplendor/ E não saber sequer que se deseja!”. Especificamente, nesta composição poética, não nos depararemos com o pessimismo característico de Florbela ou ainda o desejo/atração pela morte, que figura como lugar de descanso do mundo e da vida.

Nos deparamos muito mais com uma produção que, de alguma maneira, mostra-nos que o poema era uma forma que Florbela tinha de evadir-se do mundo cruel, repressivo e que causava um sofrimento insuportável. Tecer um poema é, para Florbela, “[...] é ser maior/ Do que os homens”, é conseguir ultrapassar as barreiras humanas a caminho do encontro de uma sensibilidade que há poucos se revela, é muito mais do que morder é “[...] Morder como quem beija!”, um morder que tem a doçura, a delicadeza e, ao mesmo tempo, o frêmito do beijo. Fazer um poema é estar aquém e além da dor, da miséria humana, é simplesmente “É ter cá dentro um astro que flameja,”, algo vivo, latente, que está a ponto de sair pelo seu eterno vagar no universo, que leva a explorar mundos, elementos nunca antes vistos ou sentidos.

Construir um poema é ainda “[...] condensar o mundo num só grito” e “E é amar-te, assim, perdidamente...”, ou seja, é revelar na forma toda a poesia que o poeta sente intensamente, este sentimento é como o amar perdidamente, sem medidas, sem esperar retorno é dar-se por inteiro.

Esta composição revela a visão feminina do ato de construir um poema. Uma visão singular, que permite ao leitor observar que a sensibilidade e ao mesmo tempo a explosão de sentimentos são elementos indispensáveis para a lírica. A poesia florbeliana é construída a partir de um misto de sentimentos e por uma percepção do mundo tão singular que raramente encontraremos alguém que se expressou de maneira tão viva, que demonstrou tudo aquilo que tinha dentro de si.

A Arte revela a luta, a vida, os sonhos, ajuda as pessoas a vencerem o medo, a dor e a se expressarem, o que permite que com elas compartilhemos os sentimentos expressos. Desta maneira, a Arte possibilitou que as mulheres fossem retratadas e se retratassem a fim de dar um grito de liberdade que ainda ecoa por todo o mundo e que encorajou a muitas minorias a buscar o lugar que lhes é de direito.

Rodrigo C. M. Machado é Mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa.

[1] Frida Kahlo. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Frida_Kahlo Acesso em 27.mai.2011
[2] Biografia de Florbela Espanca. Disponível em: http://www.prahoje.com.br/florbela/?page_id=59 Acesso em 27. mai.2011.
[3] MACIEL, Laury. Tormento do ideal. In:ESPANCA, Florbela. Poesia de Florbela Espanca. Porto Alegre: LP&M, 2008.
[4] ESPANCA, Florbela. Poesia de Florbela Espanca. Porto Alegre: LP&M, 2008, p. 77.

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